Tem 23 anos e treina no Campeonato de Portugal: «Existiu algum questionamento...»

6 meses atrás 53

No zerozero, somos fascinados por boas histórias. Para bem de todo o adepto que encontra motivos no futebol para se apaixonar diariamente pela modalidade, o Campeonato de Portugal está recheado delas. Esta levou-nos à Guarda, mais precisamente a Gouveia, e encontrou em Ivo Figueiredo o seu grande protagonista. Os tenros 23 anos de idade - dos mais jovem treinadores principais na história da prova - camuflam-se no homem que comanda outros tantos. 

Interessados pelo curioso dado, o zerozero procurou saber mais e mergulhou na história do treinador. Memórias, dificuldades, oportunidades e objetivos: tudo, ao detalhe, contado pelo próprio.

Entre o querer liderar e a experiência no voleibol

«O gosto pelo treino nasceu numa fase muito precoce. Aos 8/9 anos já dizia que queria ser treinador ou professor de desporto. Desde início, tive uma ideia muito convicta que queria liderar grupos de trabalho. Sempre foi um dos meus objetivos.»

Liderar era um objetivo de peso, importante e inegociável. Contudo, antes de assumir o leme pelos mais variados mares agitados pelas sortes do destino, houve uma pequena aventura pelo meio: o voleibol, não espectado, foi testado a certa altura. Na praia ou dentro dos pavilhões, Ivo Figueiredo teve um curta, mas proveitosa, carreira como voleibolista.

«Os meus primos jogavam volei, um deles já tinha jogado no Benfica. Eu jogava com eles e desenvolvi algumas potencialidades. Entrei no campeonato nacional de voleibol de praia e sagrei-me campeão nacional. Quando isso aconteceu, recebi o convite para ingressar no Benfica. Tive dois anos a jogar lá, nos juvenis.»

Baby steps rumo ao sonho de uma vida

Se há um sonho, há que lutar por ele. O primeiro passo, por vezes o mais difícil, tem de ser dado e, convicto, Ivo fê-lo pelas portas do futebol feminino: «Sempre gostei muito [do futebol feminino]. Foi uma janela de oportunidade. Numa fase inicial, um dos meus professores e motivadores era o treinador das seniores (e das juniores) do Seia FC. Tive a possibilidade de integrar a sua equipa e fi-lo com toda a felicidade, sempre aberto a aprender todos os dias.»

Ivo Figueiredo a orientar a equipa feminina do Seia @Arquivo Pessoal

«A gestão dos grupos é totalmente diferente. Não sei se é por ser homem, mas sinto que é mais simples liderar um grupo de homens. Sinto também que as mulheres são muito mais recetivas a aprender, têm um interesse muito maior, querem saber muito o porquê das estratégias e técnicas adotadas, ao contrário do masculino, onde os atletas chegam ao futebol sénior com outra mentalidade. Por isso, o futebol feminino está a crescer muito rápido e ainda bem», notou, após experienciar os dois contextos.

O trabalho no feminino - como tudo o que é bem feito - não passou despercebido. Deu frutos e Ivo, do ponto de vista pessoal, deu o salto: chegou ao futebol sénior, como adjunto e analista, pelas mãos de Tozé Marreco no FC Oliveira do Hospital: «Foi uma excelente experiência, a época onde mais aprendi, provavelmente. Por ser a primeira experiência no Campeonato de Portugal e por ter adquirido muitas coisas de gente muito competente. Numa fase inicial, o objetivo até era a manutenção, acabámos por disputar o apuramento à Liga 3; com muito trabalho, conseguimos subir. Adquiri muito conhecimento técnico e tático do futebol. Ainda tenho ligações - falo todos os dias - com a equipa técnica do Tozé [Marreco]; desejo-lhes muita sorte. Segui o meu caminho, tive de optar por abandonar no final da época para terminar os meus estudos.»

«Quando saí, regressei ao Seia, mas para ser treinador dos sub-17, no campeonato nacional. Foi uma época onde adquiri muita experiência. Competimos na primeira divisão nacional sub-17 e foi muito duro: na primeira época, fizemos zero pontos e, na segunda, conquistámos apenas um. Ainda assim, tinha muito prazer em trabalhar. Via um crescimento gigantesco nos meus jogadores», acrescenta.

CD Gouveia e um objetivo, inesperadamente, ao virar da esquina

Ainda que curta, a carreira de Ivo Figueiredo é a prova que, por mais, maiores, ou aparentemente infinitos altos e baixos, o importante é continuar: «Na época passada, fiz meia época como treinador no futebol feminino do Seia e como coordenador de formação. Em março, abandonei e integrei os quadros da equipa técnica do Gouveia, a trabalhar com o mister Márcio Silva. Cheguei na reta final, estávamos perto de ser campeões distritais. Foram dois meses de aprendizagem e, sobretudo, adaptação ao contexto do CD Gouveia e a um staff técnico que já estava estruturado. No início desta época, voltei a aceitar o desafio. No início de outubro, o mister Márcio Silva acabou por sair, por decisão mútua

Ivo Figueiredo numa sessão de treinos pelo CD Gouveia @Arquivo Pessoal

«Com felicidade, recebi a informação que ia assumir o cargo interinamente e, posteriormente, definiram que ia ficar até ao final da época. O CD Gouveia tem o sonho e a ambição de se estabilizar no Campeonato Nacional. Ainda tem algumas lacunas e dificuldades, ao contrário do FC Oliveira, que é um clube estruturado e preparado para estas andanças. Ainda assim, desde outubro até aqui, o trabalho tem sido muito positivo. Não estava à espera que esta evolução acontecesse tão rápido e tão cedo, aos 23 anos. Agora, como fiz em toda a minha carreira, é crescer dia após dia.»

Não é todos os dias que alguém tão jovem assume uma equipa sénior. Os 23 anos de Ivo foram motivo para alguns adeptos do Gouveia torcerem o nariz. Ainda assim, como na grande maioria das mudanças, primeiro estranha-se e depois entranha-se.

«Existiu algum questionamento, alguma intranquilidade por parte dos adeptos. Por não me conhecerem tão bem e por ser muito jovem. Felizmente, as coisas começaram a correr bem. No meu primeiro jogo, fomos a ganhar para o intervalo, mas acabámos a perder (1-5); aí, senti um abanão da massa adepta. É normal, são dores de crescimento. Logo no jogo a seguir, fomos empatar aos Açores contra o líder e, a partir de aí, começámos a praticar um futebol diferente, mais atrativo. Esse é o meu objetivo. Queremos que os adeptos venham ao estádio; numa primeira fase, isso custou. Depois, mesmo com os resultados a não serem tão positivos como queríamos, já tínhamos a massa adepta a apoiar.»

Se a massa adepta, numa fase inicial, tremeu com a promoção de Ivo, é normal que a decisão não tenha sido fácil de tomar por parte da direção. O jovem treinador transportou-nos até outubro e falou-nos sobre as conversações com os responsáveis do CD Gouveia: «Só tenho aspetos positivos a referir. Apesar de achar que estou preparado para o cargo, não estava à espera de assumir. O clube confiou plenamente nas minhas competências e isso fez-me ficar muito feliz e grato. Em outubro, perante a conversa com a direção, apercebi-me disso: o clube confiou em mim para ser a cara, o homem do leme do clube, num campeonato muito complicado e competitivo; prova disso é o facto de uma equipa da AF Guarda já não conseguir a manutenção há muitos anos.»

As dificuldades do presente

Parecia estar destinado. Ivo Figueiredo é o treinador mais novo na presente edição do Campeonato de Portugal e está a orientar... o segundo plantel mais jovem da prova - excetuando as equipas B, sempre jovens por natureza (no caso, Vitória SC B e Alverca B). Com uma média de idades de 21,79 anos, o jovem Ivo Figueiredo chega a parecer um sénior quando comparando a alguns dos seus jogadores. Uma característica que, na opinião do próprio, não afeta a relação entre todos, mas que, sem ser desculpa, pode ter custado alguns pontos.

«Não faz muita diferença. Acho que não afeta em nada. Neste momento, temos o Calico (jogador mais velho do plantel) e a forma de trabalhar com um atleta de 36 anos é a mesma que com um de 18 anos. Obviamente, são capacidades de entendimento e de perceção diferentes, ele [Calico] já conhece os atalhos do campo, ao contrário dos outros. Agora, ajo da mesma forma com todos, obviamente.»

«Pela média de idades ser baixa, acho que fomos afetados em alguns momentos da época, por causa da inexperiência e de alguma imaturidade dos atletas. Quando muitos deles estavam a disputar pela primeira vez o Campeonato de Portugal, custou, numa fase inicial, perceberem e entrarem neste contexto, que é completamente diferente do distrital. Em janeiro, tentámos aumentar um bocadinho a faixa etária do plantel e trazer atletas experientes, com vivências neste contexto ou em superiores.»

@Arquivo Pessoal

«A verdade é que temos perdido muitos jogos por um golo. Quem vê os jogos encontra uma equipa totalmente diferente do início da época. Neste momento, vemos uma equipa com um futebol atrativo, ofensivo. Não obstante, a nossa equipa, em certos momentos, desliga do jogo e isso não pode acontecer. Contra o Rabo de Peixe, estávamos a ganhar aos 90' e acabámos por perder e, contra o Lusitânia, consentimos o empate aos 90+3. Não somos tão experientes e acabamos por facilitar quando não podemos e já pagámos caro por isso. São dores de crescimento, mas acho que o CD Gouveia, futuramente, vai estar muito mais forte e preparado para o Campeonato de Portugal.»

No cômputo geral, a época do CD Gouveia não foi fácil. É certo que ainda não terminou, mas o grande objetivo - a manutenção - tornou-se impossível de alcançar no passado fim-de-semana. A derrota em casa do Benfica de Castelo Branco ditou o temido, mas praticamente inevitável: a descida aos campeonatos distritais. Contudo, o passado recente deixou água na boca, permitiu manter visível a luz ao fundo do túnel e, ainda que o desfecho tenha sido nefasto, deixou uma questão no ar: «Se a época ainda tivesse mais, por exemplo, seis meses, podíamos ter assistido a um final feliz para os lados de Gouveia?»

Com os pés no chão, Ivo respondeu: «O objetivo ia ser o mesmo: a manutenção. Não podemos aspirar a outras coisas, para já, porque o CD Gouveia há muito tempo que não consegue alcançar tal feito. Estamos num sobe e desce, por dificuldades financeiras e no recrutamento. Contudo, provavelmente, se tivessemos mais dois ou três meses de época, iam ver um CD Gouveia diferente. Perdemos muitos pontos numa fase inicial do campeonato e, posteriormente, da minha equipa técnica. Infelizmente, a época está a acabar, mas, se tivessemos mais tempo, estaríamos mais preparados.»

O que reservas, futuro?

Pela juvenilidade, o futuro será, certamente, longo - de sucesso ou não vai depender do próprio - e a olhar para o que aí vem, como em todos os casos, existem referências que inspiram, ensinam e motivam. Nesse sentido, Ivo aproveitou para destacar quatro nomes: «Porque trabalhei com ele e como está em contexto profissional: Tozé Marreco. Depois, Abel Ferreira e Sérgio Conceição; tento tirar um bocadinho de cada um e das suas ideias, sobretudo destes dois, neste momento. Também tenho de referir o Mourinho, por nos abrir as portas e chegar onde qualquer treinador deseja.»

Tozé Marreco esteve duas temporadas no FC Oliveira do Hospital @FC Oliveira do Hospital

«Não quero pensar muito no futuro, até porque no futebol tudo é possível», começou por dizer. Quando interpelado com a questão sobre o desejo de ser treinador principal de agora em diante ou sobre a possibilidade de regressar a adjunto, o jovem abriu o jogo: «Vejo-me nos dois cargos. Por ser treinador principal agora não significa que não volte a adjunto, até posso voltar já na próxima época. O futebol é um mundo em aberto.»

Nesse sentido, Ivo Figueiredo rematou a entrevista: «Se um treinador conseguir vencer domingo a domingo, a vida pode mudar e não sabemos o que pode surgir. Cresci muito nestes anos e não quero colocar metas, mas obviamente que é um dos meus objetivos atingir o futebol profissional. Se vai ser agora, daqui a dez anos, não sei. É jogo a jogo: ganhando ou perdendo, ao domingo é que tudo se decide.»

Portugal

Ivo Figueiredo

NomeIvo Borges Figueiredo

Nascimento/Idade2000-06-12(23 anos)

Nacionalidade

Portugal

Portugal

FunçãoTreinador

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