Tiago Silva: «Toda a gente olhava para nós e dizia que o Vitória estava condenado»

«Não há nada mais importante na vida do que a família». Uma verdade irrefutável para Tiago Silva. O médio do Vitória Sport Clube, o Vitória que orgulha a cidade de Guimarães, é muito mais do que a imagem que deixa em campo ao fim de semana.

Nascido e criado em terras lisboetas, é pelo norte que tem feito carreira nos últimos anos em Portugal, com passagens por Inglaterra e Grécia pelo meio. Tiago apresenta-se ao zerozero de forma tranquila, muito bem-disposta, de bem com a vida, para uma conversa que decorre na Academia do Vitória SC, acima de tudo, para dar conta do seu presente. O presente que ele próprio escolheu.

Tinha mais anos de contrato no estrangeiro, havia inclusive a vontade de Vangelis Marinakis, milionário grego proprietário de Nottingham e Olympiacos, em segurá-lo, mas a estabilidade familiar falou mais alto. A atmosfera do Nottingham encantou-o, mas a família, essa está e estará sempre em primeiro lugar. Senhoras e senhores, eis o primeiro capítulo desta história de amor. Entre Tiago Silva e o Vitória.

«Se não houver cobrança não faz sentido sermos profissionais»

zerozero (ZZ): Segunda época no Vitória Sport Clube, como tem vivido esta aventura na cidade de Guimarães?

Tiago Silva (TS): É realmente uma aventura. Este clube é diferente, vive-se de uma forma mais intensa e isso é bom, a todos os níveis. Estou a aproveitar ao máximo.

ZZ: Enquanto adversário, o Tiago tinha dito que um dia gostaria de jogar no Vitória. Tem ido ao encontro das suas expectativas?

TS: Criamos uma ideia à volta do Vitória, mas vivê-lo por dentro é diferente… Mas a ideia que tinha do Vitória não mudou. Percebi que é um clube diferente, com muita pressão exterior, mas já tinha sentido isso quando tinha jogado contra eles.

ZZ: Como é essa ligação com a cidade e com os adeptos?

TS: É ótimo. A responsabilidade de representar este clube é diferente. Estou a ser repetitivo, mas é mesmo diferente. A cobrança é boa! Foi para isto que trabalhei a minha vida toda, desde criança, quando sonhava ser jogador de futebol. Se não houver cobrança não faz sentido sermos profissionais de futebol. É ótimo sentir o apoio dos vitorianos na rua quando ganhamos. E é complicado quando perdemos porque eles cobram e exigem...

ZZ: Nesses dias é para ficar em casa...

TS: É melhor ficar em casa [risos]. Não é de extremos, atenção. Se dermos o mínimo exigido por eles, que passa muito pela entrega e sermos a imagem deles dentro de campo, eles não te vão chatear na rua. Agora, se houver falta de atitude eles vão cobrar, é normal.

ZZ: Na sua passagem pelo Nottingham, o Tiago teve a oportunidade de jogar perante estádios repletos. Mesmo no Olympiacos… Como é jogar no D. Afonso Henriques?

TS: É diferente. Essa é a palavra indicada. Eu no Nottingham jogava com o estádio cheio, sentia o apoio, mas não era um apoio como é aqui. O calor das pessoas é mesmo muito diferente, mesmo comparando com o Olympiacos, que tem aqueles ambientes hostis. O Olympiacos até tem algumas semelhanças com o Vitória. Aqui quando jogamos em casa contra os grandes o estádio está cheio com malta do Vitória. Não é vermelho, azul ou verde. É branco e preto e depois tem um cantinho para as equipas adversárias. Acho que é isso que torna este clube e esta cidade especiais.

ZZ: O que é que já lhe deu o Vitória?

TS: Acima de tudo, deu-me estabilidade para poder construir a minha carreira com o suporte da minha família. Estou a viver com a minha mulher e o meu filho, estou a três horas de Lisboa, que é a minha casa, e sempre que posso vou lá para recarregar baterias. Isso era o mais importante. Confesso que estar perto da família foi o que mais pesou para voltar a Portugal. Sou muito ligado à família e custava-me estar no estrangeiro. Depois, o Vitória deu-me outras coisas: conheci pessoas novas num clube grande em Portugal. É um clube especial e acredito que  ainda me vai dar mais coisas.

«O meu filho já fica atento ao telemóvel quando meto o hino do Vitória»

ZZ: O seu filho nasce no final de julho e o Tiago é apresentado no Vitória no início de agosto. O crescimento dele é feito aqui...

TS: Ele vem muitas vezes ao estádio e um dado curioso é que nós ganhamos quando ele vem ao estádio. As pessoas dizem-me: ‘tens de trazer o teu menino, é o talismã'. Acho que ele também vai viver o Vitória de maneira diferente. Já fica atento ao telefone quando eu meto o hino... Vai gostar disto.

ZZ: Já é adepto do Vitória?

TS: Espero que seja, espero que seja.

ZZ: Tem-se dito que a época do Vitória tem sido de altos e baixos, mas vamos a números: 40 pontos em 25 jogos, mais sete pontos do que em igual período na época passada. Como avalia?

TS: Em termos de resultados, tem sido de altos e baixos. Começamos muito bem, depois tivemos fase de oito jogos sem ganhar, depois voltamos a um bom momento e agora perdemos dois jogos. Tem sido de altos e baixos, mas acho que estamos a cumprir os objetivos. O mister já o disse e é muito isso: se no início da época dissessem que íamos estar com 40 pontos e a lutar pelo 5.º lugar, nesta altura, ninguém acreditaria. Toda a gente olhava para nós e dizia que o Vitória estava condenado este ano. Os melhores jogadores saíram, muita malta jovem e sem experiência, mas a verdade é que temos contrariado todas esses dizeres com muito mérito. (...) A liga portuguesa está muito equilibrada e é normal haver fases boas e menos boas.

ZZ: Depois de duas derrotas, a paragem para as seleções foi boa?

TS: Depois de uma derrota nós queremos logo jogar. Mas foi bom porque foram alguns jogadores à Seleção, ganharam confiança e vêm mais motivados. Queremos é jogadores motivados para ajudar, no sábado, contra o Paços.

ZZ: Saíram vários jogadores importantes, abriu-se espaço aos mais novos. Bamba, Amaro, Afonso Freitas, Maga, Dani Silva...

TS: O futebol é isso: oportunidade. Quem tem qualidade, personalidade e vontade de aprender, como eles têm, merece ser ajudado. Têm muita qualidade e também nos ajudam. Foram inteligentes e souberam aproveitar a oportunidade.

ZZ: Aos 29 anos, o Tiago é quase o mais velho do plantel. Qual tem sido o seu papel?

TS: É uma fase diferente da minha vida e da minha carreira. Sinto que tenho uma responsabilidade diferente por ser dos mais velhos, mas tenho o trabalho muito facilitado, pois todos têm muita vontade de aprender e ouvem muito o que nós dizemos. Os mais novos adaptaram-se muito bem ao campeonato português.

ZZ: E que tal a responsabilidade da braçadeira de capitão?

TS: É bonita e especial. Espero poder usá-la muitas mais vezes.

ZZ: Capitão logo na segunda época. Sentes que tens mais responsabilidade por isso?

TS: Sem dúvida. Estava um bocado reticente sobre isso, uma vez que era um ano de mudança para o clube e a pressão ia ser diferente. Mas acho que temos dado uma boa resposta, tanto eu como o Varela, o Händel, o Jorge [Fernandes], o André [André], o Bruno Gaspar... Temos dado conta do recado.

ZZ: O mister Moreno disse que o Tiago é um jogador de grande maturidade e um grande capitão. Como é ouvir isto de uma glória do clube?

TS: Motivo de orgulho. Não é preciso falar do Moreno e daquilo que ele representa para este clube. Essas palavras virem da boca dele tem um sabor especial.

ZZ: Como é que ele é enquanto treinador?

TS: O Moreno é um líder nato, não tem como definir de outra forma. É alguém que preza muito pela igualdade e acho que é dessa forma que tem ganho o grupo. E depois é o trabalho: exigente nível máximo e está muito bem acompanhado pela sua equipa técnica. Formou-se aqui um bom conjunto e estamos bem.

ZZ: O Vitória passou a jogar com uma linha de cinco. De que forma é que isso influencia o seu trabalho como médio? Gosta deste sistema?

TS: É um bocadinho mais exigente para os médios porque são só dois, mas é tudo uma questão de dinâmica. Temos só dois médios, mas jogamos com um central quase como líbero. Se gosto ou não? Obriga-me a estar um bocadinho mais recuado e eu gosto de estar um bocadinho mais à frente. Mas eu gosto é de jogar. Por isso, o mister pode colocar-me a central que eu quero é jogar [risos].

ZZ: A nível de números, o Tiago já leva mais golos marcados em relação à época passada. É positivo ou sente que podia ser melhor?

TS: Nunca fui um jogador de fazer muitos golos. A verdade é essa.

ZZ: O mister também já cobrou isso…

TS: Pois é, e com razão [risos]. Mas acho que tem sido positivo. Esses golos deram-nos pontos. Não houve um jogo em que marcasse e que não ganhássemos. Mas o mais importante é o coletivo e conseguirmos o objetivo. Se puder ajudar com golos, melhor. Mas é melhor não prometer golos.

«Importante ir para fora para valorizar mais o que temos em Portugal»

ZZ: Estão no 5.º lugar, já percebi que esse é o vosso principal objetivo, mas como perspetivam esta reta final de Campeonato? Segue-se o jogo contra o Paços.

TS: Antes de mais, dizer que o objetivo não é o quinto lugar. Não posso dizer isso. O objetivo é ir jogo a jogo, amadurecer e conquistar todos os pontos que sejam possíveis e no final fazer as contas. Em relação ao próximo jogo, o Paços está aflito, mas tem excelente equipa e um bom treinador. É um bom clube... Gosto muito do Paços, tenho pena de estarem nesta situação. Vai ser muito difícil para nós, mas também vai ser muito difícil para eles, porque vêm jogar no D. Afonso Henriques e nós queremos quebrar este ciclo de duas derrotas. Depois vamos pensar jogo a jogo.

ZZ: Que análise faz ao campeonato? 

TS: Tem ganho muito com o aparecimento de jovens. Mas também há muita qualidade na malta mais velha! Vemos o André com 33 anos a meter a bola onde quer. Quando era jovem gostava que falassem de mim e agora não quero que se esqueçam de mim [risos]. O nosso campeonato tem muita qualidade. Se formos a comparar com Inglaterra é um mundo à parte, pois há muita qualidade, mesmo no Championship. A intensidade é espetacular. 

ZZ: …

TS: Estive ainda na Grécia. O Olympiacos é outro nível e lutaria para ser campeão em Portugal, mas depois as outras equipas... A qualidade não é tao boa. Se metermos um Vitória na Grécia vai lutar com o Olympiacos. Foi importante para mim experienciar isso para chegar aqui e valorizar mais o que nós temos. 

ZZ: Estás quase a chegar aos 30 anos, como te sentes?

TS: Fisicamente, estou na minha melhor fase. Sinto-me capaz de jogar todos os jogos, depois também me sinto mais experiente. Vivi muita coisa no futebol e estou mais preparado do que há cinco-seis anos. Com o passar do tempo, vamos amadurecendo e acho que estou um jogador mais maduro e na minha melhor fase.

ZZ: Como é o ambiente no balneário? Antes da entrevista começar foi possível ver algumas brincadeiras com o Bruno Varela...

TS: O balneário do Vitória é isto. O Varela é família. Já nos conhecemos desde pequeninos.

ZZ: Foi ele que reservou lugar para ti aqui no Vitória…

TS: Foi ele que reservou lugar para mim, mas foi mentiroso que não estou ao lado dele [risos]. Já nos conhecemos desde pequeninos. Íamos juntos treinar para o Benfica, no barco, comboio, metro, já não é de agora… É família ali dentro. Temos um espírito de grupo muito bom e temos um ritual de todas as semanas irmos 5-6 almoçar todos juntos.

ZZ: O próximo paga o Varela…

TS: Não, não, vai ser o Dani [Silva], que foi à seleção pela primeira vez, vai ter de pagar. Agora renovou... [risos]

«Não há uma forma de dizer que o Vitória é isto ou aquilo, só vivendo...»

ZZ: O que se respira no balneário? O que é ser Vitória?

TS: Muito difícil explicar. Não há uma forma de dizer que o Vitória é isto ou aquilo, tem de se viver. O meu sogro diz que eu vivo isto de forma diferente em comparação com a forma como vivia os outros clubes. (...) Já sofria quando perdia, mas agora quando acontece fico 2-3 dias mal-humorado. A minha mulher até me diz que não tem culpa [risos]. Aqui é diferente. Também pode ser da cobrança, pois a exigência é maior… E os cabelos brancos não estão a aparecer por acaso.

ZZ: O Tiago tem mais três anos de contrato. Como perspetiva o futuro?

TS: Vou ficar até sentir que tenho condições para dar o meu contributo e até o clube achar que acrescento e que não sou um fardo. Quando o clube achar que estou a mais… Amigos como dantes, vou continuar a acompanhar o Vitória e venho ao estádio garantidamente, porque quero viver isto lá fora ao lado deles [adeptos]. Não faço intenções de sair, para já, a menos que o clube considere que seja benéfico para dar dinheiro ao clube, visto que está numa fase menos boa.

ZZ: O futuro do clube está garantido?

TS: Sem dúvida! Se continuarmos a desenvolver e apresentar jogadores jovens de qualidade como estamos a apresentar este ano, tem tudo para dar certo. O Vitória é um clube muito grande e conta com o apoio dos seus adeptos. É limar uma ou outra aresta e pode lutar sempre pelos lugares que lhe pertencem – os cinco primeiros, pelo menos.

ZZ: Independentemente do que aconteça até ao final da época, o que gostaria que dissessem sobre o Vitória?

TS: Gostaria que nos continuassem a respeitar como têm vindo a respeitar até agora. Gostaria que vissem o potencial que está aqui e que não houvesse nada a apontar. Toda a gente é a favor da identidade que foi criada este ano. Gostaria também que ninguém dissesse que não cumprimos o objetivo porque houve relaxamento. (...) O nosso papel enquanto capitães é que ninguém salte do barco e que todos permaneçam focados no Vitória.

ZZ: O que pode dizer aos adeptos?

TS: Vão ser muito importantes para nós. Independentemente do resultado, têm sido sempre incansáveis. Tivemos aquela fase de oito jogos sem ganhar e eles estavam sempre lá. A única forma que tenho de agradecer é retribuir com aquilo que eles pedem. Posso prometer entrega e compromisso. De resto, num jogo de futebol, é complicado prometer alguma coisa.