Tomás Pereira, o capítulo português da história `proibida` entre China e Rússia

1 mes atrás 62

Nascido em São Martinho do Vale (Famalicão, perto do Porto), em 1646, Tomás Pereira integrou durante 35 anos a corte do imperador chinês Kangxi (1654 - 1722).

Entre 1688 e 1689, Pereira representou Pequim nas negociações fronteiriças com a Rússia czarista, que resultaram no Tratado de Nerchinsk, assinado em 1689, e que durante 171 anos delimitou a fronteira entre os dois países. O instrumento foi redigido em latim, língua franca dos jesuítas, e só depois traduzido para o idioma russo e o mandarim.

"Pela primeira vez na História da China, e também da Rússia, se aceitaram as delimitações fronteiriças e os princípios da equidade entre dois Estados soberanos que, até então, e cada um deles, se percecionavam no centro do universo, em torno do qual gravitavam outros Estados a eles sujeitos, vassalos ou tributários", escreveu a historiadora Tereza Sena, no livro "Tomás Pereira e o Imperador Kangxi -- Um Diálogo entre a China e o Ocidente", publicado no ano passado.

O Tratado de Nerchinsk foi o primeiro de uma série de seis acordos, negociados entre os séculos XVII e XIX, à medida que a Rússia se expandiu rapidamente na Sibéria, gerando escaramuças frequentes com os Qing, a última dinastia da China imperial.

Um acordo final a demarcar as últimas frações da fronteira de 4.300 quilómetros, a maior fronteira terrestre do mundo, só seria finalizado, no entanto, em julho de 2008. Este documento encerrou uma disputa que, em 1969, no auge da Guerra Fria, levou a uma breve troca de tiros entre os dois países, devido a algumas ilhas disputadas ao longo do rio Amur.

O passado expansionista da Rússia no nordeste asiático é agora tabu na China, numa altura em que a relação com Moscovo é vista como fundamental para contrapor a ordem democrática liberal, liderada pelos Estados Unidos. Pequim recusou condenar a Rússia pela invasão da Ucrânia e culpou o alargamento da NATO pelo conflito. A Rússia desempenha também um papel crucial na segurança energética do país vizinho.

Mas, entre as facções nacionalistas chinesas, o tema não foi esquecido.

Em particular, a cedência da cidade de Vladivostoque à Rússia czarista, como parte dos "Tratados Desiguais", que a China foi obrigada a assinar com as potências europeias no século XIX -- o "século da humilhação" - é frequentemente lembrado com revolta nas redes sociais do país, apesar dos esforços do regime para censurar o tópico.

Em 2020, uma partilha da embaixada russa em Pequim, a celebrar a fundação de Vladivostoque, na rede social Weibo, o Twitter chinês, foi alvo de críticas por diplomatas, jornalistas e internautas chineses.

Shen Shiwei, jornalista da televisão estatal CGTN, afirmou que a partilha "reavivou as memórias [dos chineses] sobre aqueles dias de humilhação na década de 1860". Zhang Heqing, um diplomata chinês colocado no Paquistão, reagiu assim: "Isto não é o que outrora foi a nossa `Haishenwai`?", referindo-se ao nome chinês da região antes de ser anexada pela Rússia.

Em março passado, Zhou Libo, conhecido apresentador de televisão chinês, foi banido do Weibo, após ter questionado a aproximação da China à Rússia, nas vésperas da visita do Presidente chinês, Xi Jinping, a Moscovo.

Numa partilha acompanhada por uma imagem que expõe os territórios russos que, segundo Zhou, deviam pertencer à China, o apresentador escreveu: "Lembrem-se deste mapa! O retorno ao seu formato original é o desígnio do Grande Rejuvenescimento da Nação Chinesa!".

O conceito do "Grande Rejuvenescimento da Nação Chinesa" é uma referência à agenda lançada por Xi, que visa retomar o papel secular da China como potência global. Isto inclui a reunificação com Taiwan.

Um utilizador reagiu assim: "Hoje, só podemos ser pacientes, mas o povo chinês não se esquece e, geração após geração, vai continuar a lembrar-se!".

Outro internauta atirou: "Esta terra ancestral vai voltar a casa no futuro!".

Ler artigo completo