A morte política de Trump no debate de dia 10 de Setembro não aconteceu. A “real, angry America” continua a identificar-se com a sua campanha e os resultados das sondagens nos Swing States não se alteraram.
Nuns Estados desunidos da América o procedimento para a escolha do Presidente é tão importante, para os americanos e para todos nós, que toda a coreografia é discutida ao pormenor. O primeiro debate entre Harris e Trump decorreu num ambiente deliberadamente esterilizado: sem público, sem possibilidade de interrupção do orador (ao contrário do defendido pelo team Harris, apostado em sublinhar o comportamento caótico e incivilizado de Trump) sem notas escritas, sem contactos com os assessores durante o intervalo, sem possibilidade de actividades peripatéticas em palco (a colagem física de Trump a Hillary Clinton em 2016 transmitiu uma ideia de domínio físico e distraiu a candidata), com distribuição clara de papéis (primeira pergunta, última intervenção), de posições (Harris escolheu ficar à direita, na zona da ímpar do ecrã, o que favorece a empatia) e com um ecrã dividido mostrando os dois candidatos (e Harris preparou e usou uma mímica facial irónica e descrente sempre que Trump falava).
Os debates ganham-se na preparação e pelos EUA há profissionais, bonecreiros e os que fazem de boneco do adversário, permitindo treinar argumentos, punch lines e sound bites. Alguns, como Karen Dunn para os Democratas, têm 20 anos de experiência em debates presidenciais e a autoridade suficiente para corrigir erros e vícios enraizados, deixando cair, com elegância, a frase “That will not work.” Harris tem pouca experiência de debate político e demasiada de argumentação em tribunal e, sensata, foi sensível ao treino. Levou muitas fichas memorizadas, em particular as que defendiam o aborto e as rasteiras ao ego de Trump. Trump é o terror de qualquer bonecreiro porque tem zero disponibilidade para ser contrariado, muito pouca capacidade de treino e de memorização de informação complexa e é propenso à indisciplina (e no intervalo do debate ninguém lhe pôde gritar: “Stay on script!).
Harris, como Trump, foi vaga no detalhe das políticas, são se conseguiu separar de Biden (pelo que Trump aproveitou o direito à última palavra para desfazer o ticket Biden-Harris) e não justificou as mudanças de posição em políticas fundamentais. Começou mal e nervosa mas recuperou o controlo das fichas memorizadas e mostrou killer instinct para aproveitar a linguagem desbragada de Trump a propósito dos imigrantes comedores de gatos e de cães e do “aborto” pós-parto. Trump distraiu-se com a expressão do tamanho do seu ego no público dos comícios e não criticou com eficácia os dois pontos fracos dos Democratas: inflação e imigração.
Harris, ao contrário de Biden, não perdeu o debate com Trump. Nem Harris nem Trump perderam votos mas nenhum conquistou indecisos, em particular nos Swing States onde se decidirá, por poucas dezenas de milhar de votos, quem ganhará a maioria dos votos no colégio eleitoral presidencial (com excepção de dois Estados, todos os outros têm sistemas eleitorais maioritários: um voto a mais oferece todos os votos no colégio eleitoral).
A campanha continuará concentrada nos 7 Swing States, em particular naqueles em que as diferenças nas sondagens são inferiores a 1% e que têm mais votos no colégio eleitoral. Nestas circunstâncias os patrocínios, como os de Elon Musk a Trump e de Taylor Swift a Harris, podem ajudar. No dia 5 de Novembro muitos Estados promoverão “referendos” sobre o aborto o que poderá favorecer Harris (mobilizando o voto feminino) ou Trump (o tema passa a ser decidido ao nível de cada Estado federado).
Um segundo debate antes de Novembro, como pedido pelo team Harris, poderá ajudar a candidata, mas Trump já começou a preparar um terreno mais favorável, na Fox News, com moderadores que não estejam tão preocupados como os da ABC em sublinhar a inverdade de muitas das suas declarações.