Ucrânia. Diáspora expressa indignação a Rui Valério por palavras do Papa

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De visita à capital portuguesa, Paul Grod, presidente do Congresso Mundial Ucraniano (CMU) há seis anos, manteve contactos com a comunidade ucraniana em Portugal, uma das mais expressivas do país, e, no domingo assistiu a uma missa celebrada pelo patriarca de Lisboa, Rui Valério, no momento em que o Papa Francisco sugeriu a Kyiv "coragem para levantar a bandeira branca e negociar" com Moscovo, palavras que provocaram uma onda de críticas.

"Expressei ao patriarca as nossas preocupações e pedi-lhe que transmitisse a mensagem do Congresso Mundial Ucraniano e da Associação dos Ucranianos em Portugal de que estamos muito desiludidos e indignados com as recentes declarações do pontífice", afirmou Paul Grod em entrevista à agência Lusa.

O presidente da organização, fundada há 57 anos e que está representada em 60 países, disse que foi também pedido a Rui Valério que transmitisse a Francisco que "chame à Rússia o agressor e à Ucrânia a vítima", alertando que, em relação à invasão russa, iniciada em fevereiro de 2022, "se alguém deve falar a verdade é o Papa".

De acordo com o líder do CMU, Rui Valério "demonstrou compreensão" com a indignação das comunidades ucranianas, mas não podia fazer qualquer declaração formal, se bem que, na sua "bela homilia" de domingo, "tenha sido muito claro quando denunciou a agressão da Rússia contra a Ucrânia", e outros altos clérigos que rodeiam o Papa deverão pensar o mesmo.

Ainda que o Vaticano, face a reações muito duras das autoridades de Kyiv a também de alguns aliados ocidentais, tenha procurado posteriormente atenuar as palavras de Francisco, indicando que não estava a referir-se a uma rendição mas a uma negociação, Paul Grod adverte que não há diálogo possível com a Rússia.

Sugerir uma conversação de paz, segundo o líder da organização internacional, sinaliza àqueles que se encontram divididos a este respeito "motivos para deixarem de apoiar a Ucrânia e forçá-la a negociar, que é a última coisa que os ucranianos desejam" e que também deveria ser para os europeus, avisa, porque uma vitória russa "vai criar uma guerra a longo prazo na Europa"

Aconteça o que acontecer, "os ucranianos vão continuar a lutar, porque as suas famílias estão nos territórios ocupados [pelas forças russas], pelas suas famílias, pelas suas casas e não há nada mais importante do que isso", prossegue numa linha de discurso semelhante à que se ouve dos militares nas frentes de combate.

"Se o seu vizinho do lado invadisse a sua casa, matasse o seu filho e violasse a sua mulher, iria querer negociar a seguir com essa pessoa?", questiona, o que tornará ainda mais relevante a visita em preparação de Francisco à Ucrânia.

Nessa altura, o Papa poderá testemunhar "aldeias e edifícios destruídos, sepulturas de dezenas de milhares de pessoas que foram mortas por esta invasão, visitar os sobreviventes de territórios libertados da ocupação russa e ouvir as suas histórias", e então convencer-se de que "a Rússia está a cometer crimes de guerra e que é a Rússia que representa o mal" neste conflito.

"Vimos o que aconteceu nas cidades libertadas de Bucha e Irpin [no final de março de 2022 nos arredores de Kyiv] e noutras cidades. Quando os soldados russos partiram, deixaram para trás destruição em massa, assassínios, tortura e agressões sexuais", descreve.

Nascido e radicado no Canadá, Paul Grod já visitou na Ucrânia "algumas das câmaras de tortura russas, onde as pessoas eram mantidas semanas e meses a fio, sem qualquer respeito pela dignidade humana", alertando que essa é a situação de muitos ucranianos que ainda permanecem sob ocupação.

"[O Presidente russo] Vladimir Putin afirmou publicamente, em muitas ocasiões, que a nação ucraniana não existe e que precisa simplesmente ser assimilada pela Rússia", recorda, chamando a atenção para a implicação destas palavras, que diz invocarem o ditador soviético Josef Estaline e "as suas tentativas de erradicar o povo da Ucrânia há 90 anos através da fome, da guerra e do genocídio -- o Holodomor", tal como o líder do Kremlin atualmente.

Nesse sentido, o presidente do CMU insiste que "a única forma de haver paz com a Rússia é a Ucrânia derrotar a Rússia", do mesmo modo que "só há uma possibilidade de haver uma mudança em grande escala na Rússia, que é através da vitória da Ucrânia".

Em vésperas das presidenciais russas, a decorrer entre sexta-feira e domingo, a que Putin se recandidata a um mandato que o deverá manter no Kremlin até 2030, Paul Grod destaca a natureza do regime de Moscovo, caracterizado por "execução de opositores políticos e proibição de qualquer tipo de discurso político", e descrito como um 'gulag' ou "um estado policial", mostrando-se, porém surpreendido com o apoio do povo russo a uma "visão imperialista da história, que se permite exercer a sua vontade sobre os vizinhos".

O líder do Congresso Ucraniano considera que se trata de uma perspetiva anacrónica, que remonta ao período anterior à II Guerra Mundial e "o mundo já não funciona assim", vendo na Rússia "uma potência em declínio, que tenta inverter a sua situação com esta guerra".

A Europa parece ter despertado para a real ameaça russa, "quando levou com um balde de água gelada" desde a invasão da Ucrânia, de acordo com Paul Grod, que observa, no entanto, com preocupação o que vai acontecer após as eleições europeias, em junho, nas quais se espera um aumento da expressão de forças nacionalistas e populistas.

Mas inquieta-o sobretudo as presidenciais nos Estados Unidos em novembro e o possível regresso do republicano Donald Trump à Casa Branca, quando no Congresso em Washington continua bloqueado pela ala radical do seu partido um pacote de ajuda militar a Kyiv de mais de 55 mil milhões de euros.

O presidente do CMU aponta a centralidade agora assumida pelos estados europeus e defende que avancem desde já com planos para o congelamento de ativos russos.

"Ao confiscá-los, poderiam criar uma reserva para ajudar a Ucrânia a suportar o esforço de guerra se - Deus nos livre - o apoio americano diminuir", sugere Paul Grod, em alusão aos efeitos para Kyiv caso Trump volte a ocupar a Casa Branca.

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