“A UNICEF está disposta a colaborar, caso seja contactada, em facilitar o regresso dessas crianças. Fornecemos o nosso apoio em termos de reunificação, mas também tentamos perceber qual a situação da família em causa, perceber quais as necessidades e tentar solucioná-las”.
O coordenador para as situações de emergência da Unicef na Ucrânia indicou em entrevista à Lusa que a agência da ONU poderá colaborar no regresso das crianças separadas das suas famílias, mas abstendo-se de posições políticas.
“Na Unicef consideramos que as crianças devem estar reunidas com os seus pais sempre que possível, e trabalhamos nesse sentido com as autoridades ucranianas”, indicou no decurso de um contacto telefónico e a partir de Kiev Mustapha Ben Messaoud, responsável no terreno desta agência das Nações Unidas vocacionada para o auxílio às crianças a nível global.
“Sobre as crianças que foram separadas, tem decorrido um diálogo entre os dois países, onde se incluem questões políticas. A Unicef está disposta a colaborar, caso seja contactada, em facilitar o regresso dessas crianças. Fornecemos o nosso apoio em termos de reunificação, mas também tentamos perceber qual a situação da família em causa, perceber quais as necessidades e tentar solucioná-las”, precisou.
Na passada quinta-feira, o Comité de direitos da criança da ONU exortou Moscovo a pôr termo à “transferência forçada” de crianças ucranianas para a Rússia, que Kiev calcula em pelo menos 20 mil, e com apenas 400 a serem “repatriadas”.
Moscovo tem rejeitado firmemente estas acusações, que implicaram por parte do Tribunal Penal Internacional (TPI, que a Rússia não reconhece) a emissão em março de 2023 de mandados de captura contra o Presidente russo Vladimir Putin e a comissária russa para a infância, Maria Lvova-Belova, por “deportação ilegal” de milhares de crianças ucranianas.
Em janeiro, o Comité da ONU, que integra 18 peritos, tinha já pedido a Moscovo explicações sobre estas acusações de deportação.
A Rússia também desmentiu todas as acusações de deportação e assegura que “as deslocações de crianças evacuadas são organizadas, primeiro e antes de tudo, a seu pedido e com o seu consentimento”.
Ao pronunciar-se sobre esta “questão legal”, Ben Messaoud sublinhou que a Unicef possui uma “abordagem centrada” no apoio à infância, com o objetivo de garantir o acesso de todas as crianças ucranianas às suas necessidades básicas.
“Para ter a possibilidade de trabalhar em todo o lado e com toda a gente, devemos garantir uma certa neutralidade política. Mas isso não nos impede de falar e explicar que as crianças devem juntar-se aos seus pais, mas abstendo-nos de um discurso de política. Antes de ordem humanitária, e não de ordem política”.
No entanto, o coordenador para as situações de emergência da Unicef na Ucrânia reconhece que o país eslavo se confronta com um grave “défice demográfico de natalidade” que já existia antes do início do conflito em 2014, com a anexação da Crimeia pela Rússia e a sublevação separatista no leste.
“Não têm nascido muitas crianças na Ucrânia. Hoje, uma grande parte dos homens estão na linha da frente, as mulheres ficam na retaguarda, existem muitas famílias que se separaram, e num ambiente pouco propício para a procriação. Mas na Unicef tentamos trabalhar para que a Ucrânia do futuro seja um local propício à criança e à infância, e quando nos envolvemos na renovação de escolas e outras atividades”.
A Unicef possui uma equipa de 300 colaboradores no terreno, distribuídos pelo gabinete central em Kiev, e ainda gabinetes em Lviv, Odessa, Mikholaiv, Poltava, Kharkiv, ou Dnipro, com capacidade para fornecer diversos recursos, mas sem representação nas regiões do país controladas pelos separatistas russófonos e tropas russas, e entretanto anexadas.
Em 30 de setembro de 2022, e no decurso de uma cerimónia em Moscovo presidida por Putin e na presença dos dirigentes dos oblasts [províncias] de Donetsk, Kherson, Lugansk e Zaporijia (leste da Ucrânia), foi formalizada a sua anexação pela Rússia, sem reconhecimento internacional.
“A Unicef tem colegas e parceiros nas regiões separatistas do leste ucraniano”, precisou o coordenador para as situações de emergência.
“Mas não é uma situação fácil, as condições não são as ideais para trabalhar. O nosso objetivo é na base da neutralidade dos imperativos humanitários, o nosso objetivo consiste em abranger todas as crianças ucranianas, onde quer que estejam. Com os nossos parceiros, devemos encontrar a forma de poder fazer esse trabalho. Uma situação difícil, mas a Unicef tem programas para as zonas que estão ocupadas”, assegurou.
A ofensiva militar russa no território ucraniano, desencadeada em 24 de fevereiro de 2022, mergulhou a Europa naquela que é considerada a crise de segurança mais grave desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Os aliados ocidentais da Ucrânia têm fornecido armas a Kiev e aprovado sucessivos pacotes de sanções contra interesses russos para tentar diminuir a capacidade de Moscovo de financiar o esforço de guerra.