Um ano depois, golpistas brasileiros estão contidos mas "de consciência tranquila"

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"Tenho a consciência tranquila", disse à Lusa um homem de 25 anos, originário de São Paulo, mas residente em Brasília, que não será identificado por razões judiciais.

"Medo eu não tenho. Mas penso que não seria inteligente da minha parte sair por aí dizendo: estive nos atos de dia 08 [de janeiro], que vivi aquela experiência no quartel-general", frisou.

O Brasil viveu em 08 de janeiro de 2023 um ataque sem precedentes às suas instituições democráticas com milhares de radicais a exigirem um golpe de Estado contra um Presidente que tinha tomado posse no início do ano.

Em 08 de janeiro, enquanto o novo Presidente brasileiro, Lula da Silva, se encontrava fora de Brasília a visitar a cidade de Araraquara, no estado de São Paulo, que tinha sido atingida por chuvas severas, um grupo de radicais, apoiantes do ex-presidente Jair Bolsonaro, influenciados por meses de desinformação sobre urnas eletrónicas e medo do comunismo, invadiram e atacaram o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.

À Lusa, um casal do estado do Maranhão, que também participou nos ataques de 08 de janeiro, garantiu que continuam com a certeza de que o que fizeram foi em prol do país, da liberdade, e das futuras gerações.

"As ideias permanecem firmes", garantiu a mulher, que, com o seu marido, se juntou ao chamamento `patriótico`, tendo os dois ido para o acampamento em Brasília logo depois da vitória de Lula de Silva, em 30 de outubro de 2022, nas eleições mais renhidas de sempre, acreditando que as eleições, certificadas pelos tribunais e pela comunidade internacional, tinham sido uma farsa e que Bolsonaro as perdera de forma fraudulenta.

O casal, juntamente com milhares de radicais, acampou durante meses em frente ao Quartel Geral em Brasília a apelar por uma intervenção militar, que nunca chegou, mas que também nunca fui desincentivada pelos militares.

Aqui, nesta `cidade paralela`, que chegou a albergar 10.000 pessoas, com uma rua de restaurantes, frutarias, cabeleireiros, loja de roupa, churrascarias, centenas de casas de banho, acreditava-se que as forças armadas iriam reverter o resultado das eleições e colocar Jair Messias Bolsonaro no `trono`. Por várias vezes, acreditou-se na prisão de Alexandre de Moraes, o juiz do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), inimigo número um dos bolsonaristas.

Enquanto isso, Bolsonaro e o seu partido continuavam a não reconhecer o resultado das eleições, tendo mesmo chegado a pedir às autoridades eleitorais a anulação de parte das urnas utilizadas, sem provas credíveis.

Como nada acontecia, explicou o marido, referindo-se aos acontecimentos de 08 de janeiro, decidiu-se "fazer justiça pelas próprias mãos".

Milhares de apoiantes do ex-presidente invadiram e vandalizaram as sedes do Supremo Tribunal Federal, do Congresso e do Palácio do Planalto, em Brasília, à semelhança do ocorrido nos Estados Unidos por partidários do então ex-presidente Donald Trump, derrotado nas urnas, antes da posse do atual chefe de Estado norte-americano, Joe Biden, em 06 de janeiro de 2021.

"Tenho medo, mas não um arrependimento pelo que fiz", disse a mulher, que regressou ao estado do Maranhão com o seu marido no mesmo dia do golpe fracassado.

"Tentamos viver uma vida normal, tranquila", contou o marido, mas avisando que a vontade e força de "salvar o Brasil" permanecem.

"Em 2026 veremos", avisou, numa alusão às próximas eleições presidenciais, em que, ao que tudo indica, Jair Bolsonaro não poderá concorrer por ter sido condenado a oito anos de inegibilidade pelo Tribunal Superior Eleitoral, mas ainda passível de recurso.

Tanto o homem residente em Brasília, como o casal do Maranhão, sublinharam que anseiam e acreditam no regresso em 2026 de Jair Bolsonaro.

Os três contaram à Lusa que conhecem pessoas que estão presas, tanto a aguardar julgamento, como alguns que já foram condenados. A Lusa procurou contactar várias pessoas que acamparam no quartel-geral em Brasília, mas, fora os três entrevistados, não quiserem falar ou trocaram de número de telefone.

"Tenho firmeza e certeza do que foi feito era o que deveria ter sido feito, pelo direito à manifestação", disse o homem residente em Brasília, afirmando que "estaria disposto a morrer" pelos ideais em que acredita. "A liberdade é sagrada", frisou.

Até agora, o Supremo Tribunal Federal já condenou quase 30 pessoas pelos atos de 08 de janeiro com penas que variam entre os três e os 17 anos de prisão.

Desde o dia dos atos antidemocráticos, mais de 1.800 pessoas foram presas e mais de uma centena permanece detida.

A justiça brasileira investiga ainda Jair Bolsonaro para esclarecer se teve participação na instigação dos atos golpistas, e também estão a ser investigados funcionários públicos e outras autoridades suspeitas de omissão ou de facilitação dos ataques.

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