Uma pré-época focada no Mundial: «É como se fôssemos carregar uma bateria de curta duração e muita intensidade»

1 mes atrás 66

2024 é ano de Campeonato do Mundo, o que significa também que é ano de uma particularidade inerente às últimas edições: a maior fase final de seleções acontece... antes do arranque dos campeonatos nacionais. Isto significa que as ligas domésticas arrancam mais tarde, mas mais importante ainda, que os jogadores selecionados vão fazer a pré-temporada com a seleção nacional.

Pode não parecer um grande drama e talvez até não o seja, mas este pequeno tweak traz grandes diferenças no arranque da época, não só para os jogadores, mas também para os clubes que os emprestam às seleções. Os ditos grandes, então, têm uma enorme dor de cabeça a caminho. Numa altura em que os estágios de preparação para o Campeonato do Mundo estão a ter início, o zerozero procurou explorar esta questão por duas vias: a visão de um selecionador e a visão de um treinador que pode ter de começar os trabalhos sem um dos jogadores.

«Esta altura é boa, se bem que...»

«Um selecionador que vai disputar o Campeonato do Mundo não se vai preocupar como é que o jogador está depois da final», disse ao nosso portal o treinador do Eléctrico, João Freitas Pinto, que tem também a experiência de selecionador da Suíça. É, portanto, a pessoa ideal para dissecar esta problemática, tendo em conta que tem as duas perspetivas na mente.

As férias ficaram para trás e agora é tempo de retomar a atividade para os jogadores que têm a presença garantida no Campeonato do Mundo. Enquanto o resto ainda pode gozar de mais alguns dias de férias, para a elite de cada país é altura de tirar a poeira das sapatilhas e de partir em busca dos índices físicos ideais. A pré-época é diferente das outras, é passada num contexto de seleção, junto de irmãos de armas que mais à frente serão adversários no campeonato nacional.

@Diana Carvalho

«O impacto é quase para todas as seleções. Só as do hemisfério Sul, o Brasil e a Argentina, que mesmo assim têm muitos jogadores na Europa, é que normalmente têm o campeonato a seguir o ano civil», afirmou Freitas Pinto. No entanto, a linha de pensamento do técnico é interessante na medida em que este prevê maior impacto no pós-Mundial: «Para a própria competição eu acho que vão aparecer bem. Tiveram descanso, agora apanham o ritmo e fazem alguns particulares. Isso faz com que atinjam um nível elevado durante a prova, que é preparada de forma intensiva. Agora, para a época desportiva a seguir é que vejo implicações. Até costumo fazer uma coisa, que é pensar de forma inversa: e se o Mundial fosse em junho? Íamos ter um problema, porque os jogadores podiam ter algum ritmo, mas estariam desgastados. Esta altura é boa, se bem que há sempre pontos positivos e negativos.»

A conversa com João Freitas Pinto é altamente enriquecedora. Aproveitando o raciocínio de alguém que está habituado a ter que pensar pelas duas vias, a de treinador e a de selecionador, tornou-se possível perceber o que pode passar pela cabeça de cada um dos selecionadores nacionais no que diz respeito à preparação para a maior competição de seleções do planeta.

«É diferente preparar uma equipa para jogar uma época inteira, porque sabemos que temos de preparar os jogadores de forma crescente para aparecer a um melhor nível na reta final, onde há decisões. Outra coisa é eu ser treinador e só ter os meus jogadores para gastar as baterias todas naquele momento. Um selecionador que vai disputar o Campeonato do Mundo não se vai preocupar como é que o jogador está depois da final. Isso não lhe interessa, nem aos próprios jogadores. O resto fica para depois», opinou o técnico. 

qUm selecionador que vai disputar o Campeonato do Mundo não se vai preocupar como é que o jogador está depois da final

João Freitas Pinto

Assim sendo, o planeamento para um torneio de curta duração e onde se pretende que os jogadores atinjam rapidamente o pico das capacidades terá que passar, obrigatoriamente, por maior intensidade do que carga. «O que o selecionador vai fazer agora é extrair o máximo e não se preocupar se as baterias dão para a época toda ou não. A preparação dos treinos será baseada em maior intensidade e não em volume. Nesta fase seria uma fase de maior volume e menor intensidade, para depois haver um crescendo de intensidade durante a época, mas nesta fase nem se vão preocupar com isso», atirou.

Um Campeonato do Mundo nesta fase, portanto, torna tudo totalmente distinto no que diz respeito à preparação e as diferenças com o trabalho desenvolvido ao nível dos clubes são grandes: «A preparação é feita de base e os selecionadores estão a prepará-los de base. Isto até nem é mau para os selecionadores, porque apanham os jogadores numa fase de transição e eles também se cuidam nas férias. É só dar aquele acrescento neste momento para que apareçam com uma intensidade elevada durante a competição. É como se fôssemos carregar uma bateria de curta duração e muita intensidade. É o que vão querer fazer. A seguir, o jogador vai ter que descarregar outra vez e recarregar numa perspetiva diferente, de estar bem não agora, mas lá para março ou abril, quando há as decisões.»

«Era muito importante termos toda a gente desde o primeiro dia»

Do ponto de vista de quem tem uma época para preparar ao nível de clubes, o Campeonato do Mundo nesta fase do ano é das piores notícias que se pode receber. «Quem mais sofre neste momento são os clubes que cedem os jogadores às seleções. Têm a preparação normal feita com as equipas e não têm os jogadores durante esse período», disse-nos João Freitas Pinto.

Contudo, o treinador do Eléctrico consegue ver para lá da adversidade e é como diz o ditado: há sempre algo de positivo. «Também é uma janela de oportunidade para outros jogadores crescerem e aparecerem. O Zicky começou a crescer muito com a lesão do Cardinal. Isso tem a ver com o espaço que os jogadores mais credenciados vão deixando para os outros apanharem e os clubes têm feito isso de forma exímia», rematou.

Em teoria, o clube de Ponte de Sor não será afetado de forma nenhuma pela existência de um Campeonato do Mundo em setembro. Por outro lado, em Ferreira do Zêzere há um atleta que vai falhar o arranque dos trabalhos: Jô Cambangula. O ala, que reforçou o Ferreira do Zêzere este verão, vai estar com a seleção de Angola e isso significa uma pequena dor de cabeça para Ricardo Lobão.

@FPF

«Para uma equipa que fez uma mudança radical na estrutura do grupo de trabalho, desde a estrutura aos jogadores em si, em que mudámos 66% da equipa, era muito importante termos toda a gente desde o primeiro dia», referiu o treinador, em conversa com o zerozero. «Pelo que conheço do Jô e das equipas onde jogou, são ideias muito diferentes das nossas. Portanto, era muito importante ele fazer esse período de adaptação e não vir a poucos dias do campeonato começar. Esse é o maior constrangimento, de se adaptar a uma nova realidade, ideia e treinador e conseguir ter tempo para assimilar esta mudança», explicou ainda o timoneiro dos achigãs

qVamos ter sempre um constrangimento que só o tempo, a determinação e empenho do Jô vão resolver: o nosso modelo de organização

Ricardo Lobão

Numa época que se prevê «um pouco atípica, porque o campeonato só começa em outubro», em Ferreira do Zêzere sentiu-se a necessidade de ajustes na preparação: «Invertemos um bocadinho o que é o normal da pré-época. Vamos trabalhar inicialmente o produto de organização final e só numa segunda fase é que vamos partir esse momento de organização para especializar passo a passo esse objetivo do produto final. Estamos a falar de organização defensiva, ofensiva, esquemas táticos, o que for. Aqui seria muito importante estar o Jô e todos os jogadores.»

No momento em que o jogador regressar, começa a corrida contra o tempo. É necessário mudar o chip, mas o tempo de cada jogador é diferente. «Vamos começar por perceber o trabalho que vai ser feito ao nível da seleção. Mediante a análise que vamos fazer, vamos tomar algumas decisões. Vamos ter sempre um constrangimento que só o tempo, a determinação e empenho do Jô vão resolver: o nosso modelo de organização. Não conseguimos medir quanto tempo vai demorar para que ele esteja preparado. Podem ser quatro dias, mas também pode ser um ou dois meses», explicou Lobão.

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