Uma Roma menos portuguesa: «Sem Mourinho, algo morre cá dentro»

7 meses atrás 64

Amor Romae Nostra Lex. Amar Roma, Nossa Lei. Frase perpetuada nos cantos da memória e paixão de cada um dos giallorrossi que nunca abandonam quem consideram família. Em todos os momentos e seja onde for.

A localização geográfica acaba por ser importante na história que o zerozero traz hoje para contar. Afinal, Portugal e Roma nunca estiveram tão próximos. A semana da Allianz Cup em Leiria fez-nos visitar um velho amigo. Massimo Fortese voltou a abrir as portas da sua gelataria ao nosso portal para uma conversa quase infindável, mas deliciosa - tanto pelo seu desenrolar, como pelo gelado no final.

Massimo, italiano de gema, tiffoso devoto e sósia perfeito de Francesco Totti, abriu uma gelataria - Fior di Latte - no centro histórico de Leiria, em 2010. A partir do momento em que passámos pela porta, o tema de conversa foi apenas um: José Mourinho e a saída da sua Roma.

«Temos de virar a página, mas fiquei mesmo f****»

A entrada da Flor di Latte como hall of fame de Mourinho @zerozero - Andreia Araújo

Após relembrar a visita do zerozero no ano transato, Massimo aproveitou para recordar a chegada de José Mourinho ao seu clube de coração. Da Roma desde que se lembra, fala com o coração perto da boca. O sentimento romano, apesar de estar longe fisicamente de casa, está sempre à porta. Afinal, a Flor di Latte é um autêntico museu dedicado ao clube e aos seus ídolos.

«Quando ele treinava o Inter, a Roma ficava sempre em segundo. Eram grandes rivais. Quando o Mourinho chegou à Roma, foi uma grande notícia e houve uma grande evolução mental. A Roma nunca teve um treinador assim tão famoso e, ainda para mais, depois ele chamou logo o Rui [Patrício]. Foi o primeiro jogador que ele pediu. Foi uma bomba que explodiu dentro de mim quando ele chegou porque, em Leiria, toda a gente me falava da passagem dele aqui pelo clube. Se um dia ele entrar aqui [na gelataria], acho que nunca mais vai sair. Cada um tem o seu coração e alimenta-o como quer. Eu alimentei assim.»

Entre as memórias da chegada, fica a tão presente partida. Mourinho mostrou-se visivelmente emocionado, à saída do centro de treinos da Roma. Em Leiria, a emoção tomou também conta de Massimo.

A capa da La Gazzetta Dello Sport no dia em que Mourinho foi anunciado na Roma @zerozero - Andreia Araújo

«A saída do Mourinho é muito triste, principalmente pela forma como aconteceu. Não deveria ter sido assim. Nestes primeiros dias após a saída? Parece que algo morre cá dentro. O sentimento do adepto não é o mesmo da presidência. A lembrança não tem contrato. Deixou sorriso, deixou um romanismo perfeito. O público que é mesmo adepto da Roma está agradecido. Sei que temos de virar a página, mas eu fiquei mesmo f****. Faltou investimento, apesar de parecer ter sido enorme. Sou romanista há séculos. Antigamente, nos tempos de Totti e De Rossi, não se pensava que hoje íamos estar assim. As equipas mais fortes eram sempre as outras.»

Para Massimo, num desabafo emotivo, fica para sempre o sentimento de gratidão a um treinador de máximo renome. Um treinador que, em jeito de analogia, «junta a fome à vontade de comer». Agora, resta a saudade do que se viveu - ainda que o adepto considere que algo não ficou bem explicado.

«Mourinho é Mourinho. Roma é uma cidade de fogo. Mourinho estar lá é meter ainda mais gasolina e, depois, não consegues controlar. Agora, não só a presidência, mas também alguns jogadores, são jovens e ainda não têm grande caráter. Ele também viu vários cartões vermelhos. Deixa uma imagem de ser o responsável de tudo o que aconteceu. Nunca tivemos um treinador assim e, de repente, chega-nos um melhor do mundo. Há qualquer coisa que meteram para baixo do tapete.»

«Mourinho tem uma voz que agarra, mas não se fez ouvir»

A chegada de De Rossi aparenta trazer novos ares, mas Massimo tem um desejo que, depois de tudo o que já relatado, é notório. O regresso.

Os gelados com sabor a Rui Patrício, Mourinho e Totti @zerozero - Andreia Araújo

 «De Rossi está a viver um sonho. Agora, ele coloca outra atmosfera no balneário. É um jogador da casa que chega a treinador. Sinceramente, começaram a jogar mal, mas acredito que seja diferente daqui para a frente. Oxalá, mude a presidência e Mourinho volte. Ele vai ficar para sempre na história da Roma. Conseguiu ganhar a Conference, chegou à final da Liga Europa, que perdeu injustamente. Ele é da Roma e ficará, para sempre, ligado à Roma. Ele sair assim, a chorar... Dói de ver. Mourinho tem uma voz que segura, mas acabou por não se faz ouvir. Não havia resultados e acaba a sair mal. Eu digo que ele é o meu pai. A vida é um pouco assim: quem não é visto, não é lembrado. E ele foi. Vai ser sempre lembrado.»

O raciocínio terminou com a exibição de todas as fotografias e lembranças que possui na sua gelataria. As fotografias, os sabores a Mourinho, Patrício, Lukaku que detém na montra. Nos olhos, a pequena lágrima de saudade por algo que já acabou. Nas palavras, o sorriso de felicidade por lembrar tudo o que Mourinho fez pelo seu clube de alma - porque não se pode dizer que é só de coração.

A saída de Tiago Pinto e uma Roma «sem cor»

Depois da saída de Mourinho, o início de janeiro trouxe outra bomba ao universo romano: Tiago Pinto anunciou, em conjunto com o clube, a saída do cargo de diretor geral de futebol. O português, que anteriormente ocupava o mesmo cargo no SL Benfica, foi peça importante nas contratações do próprio Mourinho e de jogadores como Romelu Lukaku, Paulo Dybala e Tammy Abraham, entre outros. Abandonou o cargo no início de fevereiro, poucos dias depois da conversa entre o nosso portal e Massimo. 

Tiago Pinto também abandonou funções no clube @AS Roma

«Eu, em plena pessoa, sinto Portugal. Sei que, saindo o Tiago Pinto, perde-se ainda mais o sentimento português que existe na Roma. Fica sem cor. A verdade é que, agora, resta-nos esperar para ver. Fico triste por tudo isto estar a acontecer, mas vamos ter de esperar até ao final do ano», referiu o leiriense de Itália, visivelmente triste ao abordar o tema.

O emblema romano pode ficar sem as cores de Portugal, mas, segundo a imprensa internacional, pode ficar com vários milhões de euros no cofre. Afinal, correm notícias de que o Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita - atual dono do Newcastle, Al-Hilal, Al-Nassr, Al-Ittihad e Al-Ahli - tem o clube como novo alvo. O valor? Algo a rondar os 900 milhões de euros, valor ao qual são adicionados cerca de 300 milhões para a construção de novo estádio. Massimo diz não estar de acordo e reitera: «Temos de ver até final do ano.»

Roma pode agora ter menos sotaque português, mas Portugal, com Massimo como porta-estandarte, tem e terá o seu espaço de culto giallorrosso.

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