Venceu o Qarabag esta época e deixa aviso ao SC Braga: «Andam a preparar o jogo há meses»

7 meses atrás 54

Diz-se que não criar expetativas em relação a algo é a melhor - talvez até única - maneira de não ficar desiludido. Tiago Silva, guarda-redes português de 23 anos, arrancou rumo ao Azerbaijão «à descoberta» e sem saber o que esperar. Confirmou a previsão: não só não sofreu nenhum desgosto com o que viu quando chegou ao que apelida de «mini Dubai», como está a adorar a experiência ao serviço do Zira FK, clube pelo qual é totalista no campeonato.

A cumprir a primeira temporada no país do qual sai o próximo adversário europeu do SC Braga, foi já com relativo conhecimento de causa que o antigo guardião do Trofense abriu a porta ao zerozero. Desta forma, espreitámos a realidade do futebol azeri e, principalmente, a de um Qarabag que ainda é visto por muitos como sendo de um planeta competitivo totalmente diferente no país.

Um dos quatro portugueses que atuam na principal liga do Azerbaijão - Pedro Nuno representa o Sebail PFKNuno Rodrigues atua no Araz FK e Igor Rodrigues defende a baliza do FK Kapaz - ajudou-nos a encontrar um campeonato que alberga várias caras que passaram pelo nosso futebol e que tem potencial para «ser uma liga muito competitiva a nível europeu».

«Os jogadores do Qarabag não estão habituados a alta intensidade»

A teoria diz que os minhotos são, com naturalidade, os favoritos para esta eliminatória. O desporto, no entanto, já por muitas vezes se encarregou de nos ensinar que não há jogos ganhos sem antes serem, efetivamente, disputados. Este é mais um dos casos onde o teórico favorito tem de procurar abstrair-se desse estatuto e encarar a eliminatória com a máxima seriedade.

«[O SC Braga] É favorito, mas tem de olhar para o jogo de forma profissional. Se acharem que vai ser um jogo fácil... não vai. Aqui há mais hipótese para o Qarabag ter um bom resultado porque o SC Braga vai chegar cansado. A viagem é longa. Não sei se vão ter voo direto ou não. Normalmente não há, portanto uma boa viagem dura entre nove a dez horas», começou por nos contar Tiago Silva, em jeito de alerta para os arsenalistas.

qA defesa do Qarabag não está habituada a jogadores que os encarem tantas vezes no 1vs1

Tiago Silva

Ainda que a primeira mão seja em Braga, é no Azerbaijão, no segundo duelo, que o guarda-redes antevê maiores dificuldades para a equipa de Artur Jorge. À questão da viagem, uma das mais longas que os bracarenses vão fazer na sua história europeia, junta-se o clima: «O tempo melhorou nos últimos dias, mas a qualquer momento pode vir um dia ventoso e isso cria muitas dificuldades. O frio é suportável, mas com vento é difícil. Já tivemos jogos em que batemos a bola e ela volta para trás. Se for um dia desses, o jogo será difícil e pouco atrativo, mas creio que nessa altura o tempo já vai estar melhor.»

O Zira FK foi responsável por uma das três derrotas do Qarabag no campeonato, logo na primeira jornada. Convidamos o guarda-redes português a antever o que pode acontecer nos dois confrontos e a apontar as principais fragilidades dos azeris: «O Qarabag na Europa é diferente em relação ao campeonato. Aqui é muito mais dominante, com mais bola e com os adversários a jogar em transição. Na Europa é mais ao contrário. Também são muito fortes em transição, têm jogadores bastante rápidos na frente e, se tiverem espaço para transitar, vão fazê-lo de forma eficaz», garantiu-nos.

@Arquivo Pessoal

«Acho que vão estar bastante fechados, como fizeram contra o Bayer Leverkusen. Se for assim, o SC Braga tem que trocar rapidamente a bola», disse-nos Tiago Silva, apontando o fator que pode marcar a grande diferença no final: «Os jogadores do Qarabag não estão habituados a alta intensidade. Se o jogo se tornar mais rápido, com a bola a chegar de um corredor ao outro rapidamente, eles não estão habituados. Em Portugal jogam-se 30 jornadas de alta intensidade, aqui não. Eles têm jogos mais intensos contra nós, contra o Sabah e o Neftchi, mas o resto das equipas estão muito fechadas e eles jogam mais devagar. O SC Braga tem dos melhores ataques do campeonato e acho que a defesa do Qarabag vai sentir dificuldades. Não estão habituados a jogadores que os encarem tantas vezes no 1vs1.»

Fechados, mas motivados. Até porque no clube azeri já não se fala de outra coisa há imenso tempo. «Estão muito motivados e totalmente focados desde janeiro. Tivemos um jogo-treino com eles nessa altura e já falavam no SC Braga. Andam a preparar este jogo há meses, desde que souberam do sorteio. Têm vindo a treinar muito, estão a preparar-se bem e não vão ser favas contadas», atirou o guarda-redes.

Respeitinho é bonito, mas não exagerem

O Qarabag é, indiscutivelmente, a grande potência da última década no Azerbaijão. Oito dos últimos nove campeonatos foram conquistados pela equipa liderada por Gurban Gurbanov, que tem procurado também ganhar alguma relevância no contexto europeu. Por tudo isto, o respeito que as equipas azeris têm por quem tem dominado internamente é imenso, talvez até em demasia.

qÉ quase uma questão cultural: o Qarabag é a melhor equipa e tem de ser respeitada

Tiago Silva

«Ainda falta um pouco de mentalidade [no Azerbaijão]. Quando cheguei, a primeira jornada era logo contra o Qarabag. Lembro-me de ainda estar na Turquia, no estágio de pré-época, e já estarem a dizer que era impossível ganhar, que era outra dimensão e que não havia hipótese. Perguntei 'É impossível porquê? Têm duas pernas e dois braços como nós. Tudo é possível'. E ganhámos logo no primeiro jogo», lembrou Tiago Silva, apontando a mentalidade como sendo ainda um entrave ao desenvolvimento do campeonato.

«Aqui é quase uma questão cultural: o Qarabag é a melhor equipa e tem de ser respeitada. Acho que respeitam demasiado. Temos vindo a mudar um pouco o paradigma e batemo-nos de frente com eles. Não acho que sejam melhores que nós, mas são mais constantes porque têm mais opções. Conseguiam formar duas equipas para lutar pelo título, enquanto nós temos um plantel mais reduzido», acrescentou.

«Muitas vezes vou jogar com uma equipa e antes treino ao lado dela»

Tudo isto leva-nos a saltar para o panorama atual da modalidade num país onde há qualidade, mas muito por fazer. Em termos estruturais, Tiago Silva tem elogios para fazer a quem toma as decisões no Azerbaijão.

@Arquivo Pessoal

«Antes de começar a competir na primeira liga, uma equipa que suba tem de mostrar que tem rendimentos para, por exemplo, contratar jogadores estrangeiros. Se não apresentar, não se pode inscrever ou só pode inscrever-se com jogadores azeris. É um bom trabalho nesse sentido. No futebol português temos visto muitas polémicas por causa de salários e aqui não é sequer permitido isso. Se querem entrar, têm de ter capital», contou-nos.

O país é rigoroso e não tem por hábito dar abébias aos emblemas, aspeto que explica o facto do campeonato ser composto por apenas dez clubes, que disputam quatro voltas entre si. «Muitas das equipas da segunda liga têm estádios já mais velhos, com relvados mais desgastados e não sei até que ponto teriam capital para entrar e disputar o campeonato de forma a ser competitivo. Por isso, eles fazem as quatro voltas para terem apenas as equipas mais competitivas e é por causa disso que o campeonato é tão equilibrado», disse.

qNo futebol português temos visto muitas polémicas por causa de salários e aqui não é sequer permitido isso. Se querem entrar, têm que ter capital

Tiago Silva

Para atestar essa mesma competitividade, o jovem recorreu a um exemplo prático: «O Qabala disputou as eliminatórias da Conference League e está em último lugar. Mas é uma equipa que joga bem e bate-se com qualquer outra do campeonato. É realmente muito competitivo.»

Visivelmente agradado com a experiência, os elogios desdobram-se a mais aspetos, desde a seriedade de todos os emblemas ao ambiente saudável que leva até a que adversários treinem... uns ao lado dos outros. «O futebol aqui é bom, é positivo e saudável. Não há rivalidades tão grandes como em Portugal», afirmou.

«Dou um exemplo: temos um complexo de treinos para todas as equipas. Muitas das vezes vou jogar contra uma equipa no sábado e, durante a semana, estou a treinar no campo ao lado dela. Há uma relação saudável entre os clubes. Toda a gente está a apoiar o Qarabag nesta campanha magnífica», acrescentou.

Pouco espaço para bola num país de luvas e carros

Quando se pergunta o que está então por fazer para a alavancar o futebol azeri, Tiago Silva é muito rápido na resposta: mobilizar o povo para encher os estádios. «A nível de adeptos é o que ainda peca. O futebol já é bom, mas se querem chegar a outro nível, que acho que podem conseguir dentro de poucos anos porque têm condições de trabalho, têm de atrair mais gente para o futebol. Os estádios estão vazios, tirando o Qarabag e o Neftchi, que têm mais gente, mas mesmo assim falamos de cerca de 2.000, 3.000 pessoas», atirou.

Na ótica do jogador luso, há várias formas de justificar a pouca afluência do público: o formato do campeonato, o clima durante o inverno e a própria cultura azeri. «O campeonato tem quatro voltas. São sempre as mesmas equipas a jogar umas com as outras e a dada altura deixa de haver o fator surpresa. O jogo morre um pouco porque as equipas já se conhecem muito bem e encaixam. Acredito também que o campeonato podia atrasar um pouco mais. Em janeiro é impossível ter gente nas bancadas, é muito frio», opinou.

qGostam muito de boxe, MMA e Fórmula 1. Acabam por deixar o futebol um pouco de parte

Tiago Silva

Aliado a tudo isto, o Azerbaijão não é um país onde o futebol seja o desporto dominante. Na cultura azeri, as prioridades são outras: «Gostam muito de boxe, MMA e Fórmula 1. Acabam por deixar o futebol um pouco de parte.»

O problema, no entanto, parece já estar identificado, até porque há quem tente marcar pela diferença. «O Sabah está a fazer um grande trabalho nesse sentido. Já têm uma fan zone antes dos jogos e criam dinâmicas para atrair mais público. Nesse sentido, estão à frente de todos os outros», revelou.

Pode causar estranheza, mas também neste aspeto Tiago Silva vê um handicap para a eliminatória europeia do Qarabag. «Aqui têm muito poucos adeptos comparado com Portugal. [O Qarabag] Vai ter uma tarefa difícil em Braga porque o ambiente é outro. A atmosfera é diferente. Aqui há poucos adeptos e os que há não vivem tão intensamente como em Portugal», concluiu.

primeiro assalto da eliminatória entre portugueses e azeris é já esta quinta-feira, na Pedreira. É a segunda vez que o Qarabag se cruza com uma equipa lusa, depois de ter integrado o grupo do Sporting na Liga Europa 2018/19. O saldo é largamente positivo às cores portuguesas: os leões venceram os dois jogos, por 2-0 e 1-6.

Conseguirá o SC Braga repetir o feito do conjunto verde e branco?

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