Verificação 'kafkiana' e insegurança são maiores entraves à ajuda a Gaza

8 meses atrás 75

Moreira da Silva, que lidera o Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (UNOPS), agência da ONU que, antes da guerra entre Israel e o Hamas, fazia três milhões de litros de combustível passar semanalmente pela fronteira de Israel com Gaza, terminou esta semana uma visita ao enclave com o objetivo de verificar os constrangimentos e obstáculos à entrada de ajuda humanitária, mas também o de identificar potenciais soluções.

No sul de Gaza, onde conseguiu ouvir bombardeamentos e o desespero de crianças traumatizadas pela guerra, o diretor executivo da UNOPS reuniu-se com membros da sua equipa no terreno, frisando que, independentemente de alguns funcionários terem "perdido tudo" na noite anterior à sua chegada a Gaza e apesar das "enormes dificuldades", mantiveram-se ao trabalho com o objetivo de fazer chegar combustível à população palestiniana.

"Depois da parte mais operacional, pude verificar que há três dimensões que são essenciais ultrapassar: a quantidade de ajuda, a velocidade, e a capacidade de fazer chegar a ajuda a quem mais precisa", identificou.

Em relação ao volume de ajuda que entra em Gaza, Moreira da Silva verificou que a quantidade de camiões que entra no enclave diariamente ronda os 200, muito abaixo dos 500 que adentravam na Faixa antes da guerra. 

Outra das constatações que mais preocupou o subsecretário-geral foi o tempo que os camiões carregados de ajuda levam a percorrer um percurso de 50 quilómetros, entre Al-Arish (Egito) e Gaza. 

"Desde o momento em que o camião carrega a carga - que chegou por via aérea, por via terrestre ou por via marítima -, até ao momento em que o camião entra em Gaza, na melhor das hipóteses, estamos a falar de três a cinco dias e, em muitos casos, vai até 30 dias", assegurou.

"São 50 quilómetros, um percurso que se faria numa hora. Portanto, aquilo que eu vi (...) foram talvez mais de 500 camiões estacionados ao longo de todo o percurso, carregados com ajuda humanitária", acrescentou, denunciando um processo de verificação e monitorização "quase 'kafkiano'", em que os carregamentos são controlados três vezes.

Porém, o maior constrangimento está dentro de Gaza, segundo Moreira da Silva, que aponta para os constantes bombardeamentos, assim como para o 'apagão' nas comunicações e as restrições de circulação.

"Para os camiões dentro de Gaza poderem funcionar, têm que ter autorização. E a verdade é que 75% dos pedidos de circulação são chumbados", disse à Lusa.

"O maior problema está dentro de Gaza, porque não se consegue fazer a distribuição por questões de segurança. Daí que, como as Nações Unidas têm afirmado reiteradamente e eu pude comprovar no terreno, é preciso um cessar-fogo humanitário. É necessário criar condições para que possa haver uma ajuda segura e sem impedimentos", apelou.

Além dos 75% dos pedidos de autorização para distribuição interna de ajuda dentro de Gaza serem chumbados, só 14% da ajuda destinada ao norte do enclave conseguiu efetivamente chegar a essa região, afirmou Moreira da Silva.

Tendo por base esta avaliação alcançada após a viagem a Gaza, o diretor executivo da UNOPS indicou que será desenvolvido um mecanismo para melhorar as condições de monitorização e verificação dessa ajuda, para que o "processo seja mais rápido, com quantidades maiores e para que possa chegar às pessoas que mais precisam".

"Mas reitero que mesmo um mecanismo, por mais eficiente que seja, não pode ultrapassar uma questão básica: têm que ser garantidas as condições de segurança para que os trabalhadores humanitários possam assegurar a entrega dessa ajuda", concluiu.

O conflito em curso entre Israel e o Hamas, que desde 2007 governa na Faixa de Gaza, foi desencadeado pelo ataque do movimento islamita em território israelita em 07 de outubro.

Nesse dia, 1.140 pessoas foram mortas, na sua maioria civis mas também perto de 400 militares, segundo os últimos números oficiais israelitas. Cerca de 240 civis e militares foram sequestrados, com Israel a indicar que 127 permanecem na Faixa de Gaza.

Em retaliação, Israel, que prometeu destruir o movimento islamita palestiniano, bombardeia desde então a Faixa de Gaza, onde, segundo o governo local liderado pelo Hamas, já foram mortas cerca de 25.000 pessoas -- na maioria mulheres, crianças e adolescentes -- e feridas mais de 60.000, também maioritariamente civis.

A ofensiva israelita também tem destruído a maioria das infraestruturas de Gaza e perto de dois milhões de pessoas foram forçadas a abandonar as suas casas, a quase totalidade dos 2,3 milhões de habitantes do enclave, controlado pelo Hamas desde 2007.

A população da Faixa de Gaza também se confronta com uma crise humanitária sem precedentes, devido ao colapso dos hospitais, o surto de epidemias e escassez de água potável, alimentos, medicamentos e eletricidade.

Desde 07 de outubro, pelo menos 365 palestinianos também já foram mortos pelo Exército israelita e por ataques de colonos na Cisjordânia e Jerusalém Leste, territórios ocupados pelo Estado judaico, para além de se terem registado 5.600 detenções e mais de 3.000 feridos.

Leia Também: Cerca de 30 mil bebés nasceram em Gaza desde início do conflito

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