Voluntários trocam férias pelos preparativos da Festa do Avante. “A minha praia é a Atalaia”

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16 ago, 2024 - 08:00 • Cristina Nascimento

Festa do Avante acontece no primeiro fim de semana de setembro, mas os trabalhos de montagem arrancam na Quinta da Atalaia muito antes, no fim de junho. Mais velhos ou mais novos, todos os anos há quem venha pela primeira vez. PCP põe o evento de pé quase sem precisar de recorrer a serviços contratados fora do partido.

Numa pacata e quente manhã de domingo, às 8h30, no início de agosto, a mais de um mês do início da Festa do Avante, já se trabalha na Quinta da Atalaia, no Seixal. Há quem limpe o terreno, há quem faça furos, há quem monte estruturas.

“Estive aqui na carpintaria, a montar os balcões e as prateleiras do choco frito. Daqui a um bocado, se for preciso, vou ajudar o meu camarada com a eletricidade… aqui faz-se de tudo”, descreve Simão Calisto, dentro de um espaço que será de restauração na zona dedicada ao distrito de Setúbal.

Simão tem 26 anos e é estudante de Engenharia do Ambiente. Desde 2015, vem todos os anos ajudar na montagem da Festa do Avante. Faz parte das centenas de voluntários que asseguram, quase a 100%, os preparativos do evento.

As jornadas de trabalho para fazer acontecer a Festa do Avante começam no fim de junho e “vão em crescendo”, explica Sara Gusmão, da direção da Festa.

“No mês de agosto as jornadas começam a ser mais participadas, estamos sempre a falar de centenas [de voluntários]. Naquele fim de semana grande em meados de agosto, que apanha um feriado, aí já não são centenas, mas sim para cima de um milhar”, detalha, com uma ponta de orgulho.

“É um fim de semana que nos enche as medidas e é onde isto ganha corpo e parece que a Festa já pode abrir. É a festa antes da Festa”, acrescenta.

Aprender na Festa do Avante para praticar em casa

Festa foi a palavra mais vezes ouvida enquanto a Renascença esteve na Atalaia. Não só devido ao nome do evento, mas também por aquilo que os voluntários e responsáveis descrevem do espírito com que se trabalha no recinto.

Dina Góis, tem 61 anos. “É um espírito incrível. Temos ali um parque infantil espetacular, às vezes estão ali 30 crianças e os pais a trabalhar com os avós, é admirável”, conta a camarada que, este ano, já trouxe o neto de sete anos.

Esta sexagenária, funcionária do partido, vem desde que se conhece à Festa do Avante. Desde sempre que participa no que é preciso para organizar o evento. Vem de Loures às sextas-feiras à tarde, dorme no acampamento da Atalaia e fica até domingo.

E como é um dia de trabalho na Quinta da Atalaia? Dina responde.

“Temos uma pausa de manhã, outra ao almoço. Juntamo-nos em grandes grupos a almoçar, temos organizações que fazem o almoço a um preço acessível, porque a malta vem para aqui trabalhar, tudo em voluntariado. Depois do almoço, temos um bocadinho de conversa no bar, enquanto tomamos um cafezinho, e regressamos ao trabalho. Aí pelas 16h30, 17h00 dá-se o trabalho como terminado”, descreve.

Foi nas jornadas de trabalho que Dina “aprendeu de tudo um pouco” e isso, acredita, é um dos segredos para, quem vem, querer voltar.

“As pessoas vêm porque há um grande espírito de camaradagem e porque se aprende coisas que nunca nos passou pela cabeça. Eu, por exemplo, em minha casa faço tudo – aparafusar, eletricidade, montar uma torneira, arranjar um autoclismo... aprendi aqui na Festa”, descreve.

Simão, noutro lado do recinto, corrobora a opinião. O jovem, pertencente à Juventude Comunista Português, já trouxe amigos para virem às montagens da Festa. “Quando vêm, aprendem e gostam. Há um espírito de entreajuda e camaradagem e toda a gente sai daqui mais contente, mesmo a trabalhar”, diz a rir.

Da antiga FIL à Atalaia, a praia dos comunistas

Simão ainda é estudante e tem mais liberdade de horários, mas há muitos que, em idade ativa, planeiam os seus dias de férias a contar com as jornadas de trabalho para montar a Festa do Avante.

“Todos os anos tiro metade das minhas férias para passar aqui na Festa do Avante. Apesar do trabalho físico, este espaço permite-nos libertar a cabeça, portanto, também são férias, ainda que a trabalhar, mas também são férias”, conta Manuel Janeiro.

Alentejano de nascimento, Manuel, de 61 anos, há mais de 40 que vive no Seixal e trabalha numa autarquia. O que faz nos preparativos da Festa “não tem nada a ver com o que faz profissionalmente. Tenho responsabilidade dos operacionais dos equipamentos desportivos e aqui faço um bocadinho de tudo – pôr placas, ferros, aparafusar, cortar relva”.

Manuel vem à Festa desde que se lembra. Primeiro ainda “de mão dada com o tio, à antiga FIL. Depois, a partir dos meus 15/16 anos passei a participar ativamente. São as minhas férias. Como o povo comunista diz, a minha praia é a Atalaia”.

PCP à beira do fim?

A Festa do Avante é um dos pontos altos da agenda anual do PCP, um partido que muitos asseguram estar em vias de extinção. Sara Gusmão, da direção da Festa do Avante, ri-se perante essa temática, quando perguntamos se os resultados eleitorais do partido são assunto de conversa durante as jornadas de trabalho.

“É evidente que nós não acreditamos [no fim do partido]”, diz esta dirigente, dando como exemplo os contactos do dia-a-dia junto dos trabalhadores.

Mas afinal, fala-se sobre política nos preparativos da Festa do Avante? Sara garante que fala-se de tudo e que “tudo é política”.

“Temos uma visão muito lata da política e até os preços dos materiais de construção são política”, refere.

Ao lado de Sara, Paulo Loya, membro do Comité Central do PCP e responsável da direção da Festa, alinha na mesma ideia. “Fala-se sobre várias coisas”, “trocam-se opiniões” e “há preocupações”, mas “sempre numa perspetiva de nunca desistir e de continuar a intervir”.

Voltamos a Dina, que continua em trabalhos no terreno, a quem fizemos a mesma pergunta. Os resultados eleitorais do PCP são uma preocupação? Dina responde de forma leve e direta.

“O PCP não é um partido eleitoralista, sobrevivemos 50 anos sem ter nenhum deputado, sem ter nenhum eleito. Havemos de sobreviver muito mais, mesmo com poucos [deputados]. O PCP é assim mesmo. E estamos a crescer, nota-se. Cada vez que há eleições temos sempre muitos amigos que querem aderir ao PCP”, assegura Dina.

A Festa do Avante dá uma ajuda nesta angariação, acrescenta. “Há muita gente que se inscreve na Festa do Avante, nomeadamente jovens”, diz.

Manuel Janeiro, que não está a ouvir a conversa com Dina, também assegura que a renovação do partido existe e que é visível nos voluntários das jornadas de trabalho.

“Todos os anos vejo caras novas. Isso permite que continuemos todos os anos a erguer esta Festa com gente voluntária. Ao contrário do que se diz, que os comunistas são velhos, não são. Há aqui centenas e centenas de jovens a apanhar lixo, a fazer tudo e mais alguma coisa”, descreve.

Voltamos à sala onde falamos com Sara Gusmão e Paulo Loya, membros da direção da Festa do Avante. Loya, que há “muitos anos” tem este cargo, também vê com satisfação a evolução das sucessivas gerações de voluntários que vão passando pela Atalaia. “É sempre com espírito para melhor, com grande motivação, muita gente nova que vai aparecendo, com espírito de alegria, de dedicação e convívio”, descreve.

“Procuramos conciliar entre aqueles que são mais jovens e aqueles que já têm mais experiência de vida e até mais experiência de determinadas funções que, hoje em dia, na sociedade se vão desvalorizando, para irem passando o seu saber aos mais jovens”, acrescenta.

Festa erguida com a força dos voluntários

Situada junto à baía do Seixal e propriedade do PCP há cerca de 30 anos, a Quinta da Atalaia tem 30 hectares. É neste espaço que se ergue a Festa do Avante, que tem uma lotação permitida de 100 mil pessoas em simultâneo.

A Renascença perguntou ao partido quantas pessoas passaram pela Festa do Avante nas edições pós-pandemia, mas não obtivemos resposta. É certo que são milhares de pessoas que durante os três dias passam por ali. Uns vão todos os dias, outros apenas um dia, outros compram a Entrada Permanente, mas nem vão, é só uma forma de contribuir para o partido.

Na preparação do evento há um ou outro trabalho, por exemplo os mais relacionados com os espetáculos musicais, que são assegurados por empresas ou pessoas externas ao partido, mas nas jornadas de trabalho a “esmagadora maioria das pessoas que participam são militantes e amigos”, explica Sara Gusmão, acrescentando que “nem poderiam fazer uma Festa desta dimensão se assim não fosse”.

Os voluntários vêm de forma organizada através das estruturas distritais do partido “que vão informando quando pretendem ir”, mas há “também uma grande componente de espontaneidade, até porque divulgamos [as jornadas de trabalho] na internet e nas redes sociais”.

“Normalmente sugerimos que as pessoas contactem o Centro de Trabalho mais próximo ou que mandem um email para se juntarem”, explica Sara.

Esta responsável assegura que “todas as jornadas temos pessoas que vêm pela primeira vez, não só pessoas muito novas, também pessoas em idade mais avançada que vêm pela primeira vez”.

Uma vez sabendo com quem contam, “abrem frentes de trabalho e vamos distribuindo trabalho, também de acordo com aquilo que as pessoas gostariam de experimentar, por exemplo, carpintaria, costura, limpeza de terrenos”.

Feita pelo PCP, mas não só para o PCP

A Festa do Avante é organizada pelo PCP, isso é certo. Mas também é certo que envolve gente de todas as cores partidárias.

“Não perguntamos à entrada a ninguém ‘qual é o seu partido’ e deparamo-nos na Festa, e nalguns casos são públicos, com muita gente que, nada tendo a ver com o PCP, vê aqui um espaço de participação, de intervenção, de liberdade, de democracia, e que se reflete logo à partida na construção”, assegura Paulo Loya.

Este membro do Comité Central dá um exemplo concreto: “nós temos um posto de saúde que funciona os três dias da Festa, com médicos, enfermeiros e outros profissionais. Uma importante percentagem, nomeadamente dos médicos – é talvez o dado melhor que temos - , é gente que não é do PCP. Vêm uma vez e dizem: ‘para o ano, caso possa, contem comigo’”.

“Eu acho que a Festa tem esta característica de ser uma espécie de janela para o futuro, para aquela sociedade que nós defendemos do direito à cultura, a liberdade, a alegria”, explica Sara Gusmão.

“É uma espécie de montra… um ‘venham ver o como é aquilo que nós defendemos’”, remata.

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