Morreu o jornalista António Pacheco

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Morreu esta sexta-feira, em Lisboa, António Pacheco, jornalista com profunda experiência em assuntos africanos, vítima de doença prolongada. Trabalhou durante vários anos nos quadros da Renascença, tendo mesmo feito parte da direção de informação da emissora católica em meados dos anos 90 do século passado.

António Pacheco nasceu em Moçambique, onde teve forte relação com os protagonistas dos dois principais partidos, a Frelimo e a Renamo, lidando de perto com o gabinete do ex-presidente do país Samora Machel.

Nos anos 70 do século passado terminou a licenciatura em Direito, na Universidade Clássica de Lisboa, mas nunca exerceu na área, preferindo sempre o jornalismo. Foi contemporâneo nessa licenciatura, por exemplo, de Vítor Ramalho, ex-secretário de Estado do Trabalho e antigo dirigente do PS.

Ao longo dos anos, para além de ter sido jornalista da Renascença, colaborou com diversas publicações, foi correspondente da rádio francesa RFI e, mais recentemente, colaborou com a rádio Observador, sempre como especialista de assuntos africanos.

‘Renascença em África’, o sinónimo de António Pacheco

António Pacheco era um profundo conhecedor da realidade dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), para onde viajou diversas vezes, muitas delas em contexto de guerra civil. Mas não só, manteve sempre fortes relações com a África do Sul, por exemplo, onde tinha diversos amigos.

Na Renascença, fez parte da direção de informação e impulsionou, editou e produziu a partir de 1997 e até 2003, o programa ‘Renascença em África’, emitido a partir de Lisboa e com retransmissão em direto em diversas rádios da lusofonia.

Uma dessas rádios foi a rádio Ecclesia, emissora católica de Angola, que em 1999 foi obrigada a suspender durante algumas semanas o ‘Renascença em África’, por pressão do governo angolano de então.

O programa foi um marco na história da Emissora Católica portuguesa, onde durante uma hora de todos os dias úteis se debatia atualidade política, social e económica sem quaisquer reservas, gerando por vezes desconforto entre os protagonistas políticos de países recentemente saídos da independência ou de guerras civis.

O programa acompanhou de perto a guerra civil da Guiné-Bissau, conhecida como a guerra de 7 de junho, que estalou em 1999, desencadeada por um golpe de Estado contra o então Presidente João Bernardo “Nino” Vieira, liderado pelo General Ansumane Mané. Nesse período, Pacheco viajou em reportagem a Bissau por diversas vezes.

António Pacheco editou até ao fim o ‘Renascença em África’, que durante cinco anos emitiu para Moçambique, através da rádio Pax, para a rádio SolMansi na Guiné-Bissau, ou rádio Nova em Cabo Verde.

Durante vários anos, António Pacheco fez sempre questão de fazer temporadas fora de Lisboa e da casa que mantinha em Arcozelo, no norte de Portugal, para viajar aos países africanos de expressão portuguesa e dar cursos de formação a jovens jornalistas da lusofonia. A Guiné-Bissau foi, por diversas vezes, um desses destinos.

Cruz Vermelha e Pro-Dignitatae – à sombra de Maria Barroso

Ao longo dos anos, António Pacheco manteve uma profunda ligação a Maria Barroso, fundadora do PS e mais tarde presidente da Cruz Vermelha e da fundação Pro-Dignitate, uma organização não governamental que teve um papel importante para os processos de paz em países como Angola e Moçambique.

À Renascença, o papel de António Pacheco em ambas as instituições é recordado por Vítor Ramalho, ex-dirigente socialista e atual presidente da Pro-Dignitate.

Foi num projeto da fundação que o jornalista, Maria Barroso e Ramalho se deslocaram à região de Masungulo em Moçambique e onde se conseguiu completar uma zona de proteção para as crianças em plena guerra civil, no início dos anos 90 do século passado.

Em colaboração com missionários católicos da região, Ramalho recorda que Pacheco fez diligências junto do então Presidente da República de Moçambique e líder da FRELIMO, Joaquim Chissano e do não menos histórico líder da RENAMO, Afonso Dhlakama, desbloqueando uma espécie de corredor humanitário na zona de Ressano Garcia.

Ramalho recorda à Renascença o cenário “dantesco” que se vivia nessa região à conta da brutalidade da guerra civil moçambicana e a forma como a ação de Pacheco e Maria Barroso culminou na concretização de “uma zona de paz antes mesmo de ser firmado o processo de paz”, assinado em outubro de 1992.

A relação de António Pacheco com Maria Barroso estendeu-se ao trabalho na Cruz Vermelha Portuguesa, onde a socialista foi presidente, durante o início deste século. Já depois de sair dos quadros da Renascença, o jornalista continuou ligado a projetos da lusofonia.

Vítor Ramalho lembra o programa que a instituição desenvolveu em Angola, onde Maria Barroso foi convidada a deslocar-se pelo Crescente Vermelho para proceder a um inventário e relatório com vista à desminagem do país.

Depois de uma brutal guerra civil fomentada sobretudo por dois partidos nascidos antes da independência – MPLA e UNITA – Angola tinha no seu território 10 milhões de minas.

Pacheco, Maria Barroso e Vítor Ramalho estiveram no Huambo, em contacto com a Cruz Vermelha angolana local, e produziram o relatório para a Cruz Vermelha internacional que levou à desminagem de Angola. O ex-secretário de Estado de Guterres classifica este como um “trabalho importantíssimo”.

Com uma personalidade forte e intensa, Pacheco era um comunicador nato e com um conhecimento enciclopédico sobre a História e a realidade quotidiana de diversos países africanos. Nunca abdicou de transmitir esse conhecimento às novas gerações de jornalistas.

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