1994, o épico verão búlgaro: «Não nos deixaram voar mais»

2 meses atrás 79

[O Mundial de 1994 marcou uma geração e está a celebrar os 30 anos. O torneio norte-americano teve jogos inesquecíveis, maravilhosos underdogs e colecionou novos heróis para as cadernetas de cromos e as conversas de café. O zerozero junta-se às festividades e vai publicar até quarta-feira, dia 17 de julho e da final Brasil-Itália, cinco entrevistas a protagonistas do torneio. O segundo convidado é Ivaylo Iordanov, ex-Sporting e presença no histórico quarto lugar búlgaro] 

Três décadas desde o maior feito do futebol da Bulgária. Argentina e Alemanha entre os países que caíram frente à geração de ouro dos leões, cujo talento brilhou debaixo do intenso sol americano.

Uma seleção com toque luso. Além de Krasimir Balakov e Emil Kostadinov - Petar Mihtarski tinha saído dispensado do FC Porto uns meses antes e havia ainda Borislav Mihaylov (ex-Belenenses) e Bontcho Guentchev (ex-Sporting) -, Iordanov era o outro representante do nosso campeonato nesta equipa. 

De português pouco enferrujado, o ex-Sporting recorda ao zerozero a bonita aventura dos balcânicos. Não há melhor língua para falar de saudade.

Equipa de culto. Uma coleção de Ov´s que perdura na memória de milhões. Aproveite a viagem!

Um dos capítulos mais bonitos da competição @Getty /

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zerozero - O verão de 1994 não foi um verão normal para o Ivaylo.

Ivaylo Iordanov - 30 anos, como o tempo passa (risos). Tínhamos qualidade e crença em fazer uma prova bonita, mas ninguém esperava chegar tão longe. Foi uma experiência fabulosa e representámos muito bem as nossas cores. Memórias muito especiais desse verão.

zz - Surpreendente, mas não um acaso, certo? Na qualificação tinham deixado a França pelo caminho.

II - Tínhamos vários jogadores em grandes clubes e bons campeonatos. Hábitos de vitória em contextos de pressão. Felizmente as coisas começaram a encarrilar após a goleada à Grécia e só parámos nas meias-finais.

Ivaylo Iordanov
3 títulos oficiais

zz - A prova até nem começou bem para a Bulgária, com a goleada sofrida contra a Nigéria. O que correu mal naquele jogo?

II - As pessoas provavelmente não têm memória, mas esse jogo começou por volta do meio-dia, salvo erro. Era um calor insuportável entre os 35ºC e os 40ºC graus. Nós ainda aguentámos a intensidade até meio da primeira parte, só que depois eles mostraram bastante mais capacidade física.

zz - Justifica-se por alguma falta de adaptação? O Amunike depois foi seu companheiro no Sporting.

II - A preparação, em Austin, até tinha sido boa e acho que não foi pelo fuso horário. Só que o calor foi um choque mesmo muito grande para nós. O meu amigo Amunike depois foi para o Sporting. Coisas engraçadas do futebol. Não sei onde anda esse rapaz (risos). 

zz - A vitória contra a Argentina foi um ponto decisivo na vossa campanha? O escândalo com Diego Maradona rebentou por essa altura.

II - Foi um choque todo aquele caso a envolver o Maradona, ainda por cima tão em cima do nosso jogo com eles. Mas, sinceramente, eu não sei se as coisas iam ser muito diferentes com ele em campo.

Acredito que tenha tido o seu impacto psicológico, a tua maior estrela ficar de fora por falhar um controlo antidoping. Nós fizemos a nossa parte, jogámos bem e conseguimos o mais importante.

zz - Entramos na fase a eliminar e o Iordanov acaba por ser titular contra o México. Um dia especial?

II - Esse jogo dos oitavos foi uma experiência incrível para mim. O treinador avisou-me nesse dia que ia ser titular, ainda por cima numa posição em que nunca tinha jogado. Comecei a trinco e acabei a central depois de um colega ter sido expulso.

zz - Assustou-o esse desafio?

II - Nada disso. Queria era jogar e ajudar a minha equipa.

zz - Uma assistência e um jogo decidido nas grandes penalidades. O México era quase um segundo anfitrião...

II - As coisas correram-me bem e cedo fiz a assistência para o golo do Stoichkov. O México acabou por empatar e o jogo foi decidido nas grandes penalidades, onde tivemos a sorte para seguir em frente.

Mostrámos fibra, o estádio estava completamente cheio de mexicanos. Quase 80 mil pessoas a puxar contra nós.

«O Costacurta decidiu levar a bola para casa com a mão»

zz - Segue-se a Alemanha. Viraram o resultado contra uma seleção cheia de craques. Tenho a ideia que foi um grande jogo.

II - Esse duelo com a Alemanha foi um jogaço. É preciso lembrar que eram os campeões do mundo em título. Acabaram por ir para casa (risos). Estivemos a perder e conseguimos dar a volta.

Podem achar que foi sorte ganhar a uma seleção tão poderosa, mas passado um ano voltámos a vencê-los na qualificação para o Euro 1996. Curiosamente, também com outra reviravolta. Há coisas assim.

zz - Tinham ideia do impacto que a vossa prestação estava a ter na Bulgária?

II - Nós percebíamos que estava a ser incrível a festa no nosso país, mas é diferente ver do que viver. Gostava muito de acompanhar um feito assim da seleção búlgara enquanto adepto. Os relatos dizem-nos que foi uma loucura durante a prova. São momentos que unem o povo.

O bonito e decisivo cabeceamento de Letchkov contra a Alemanha @Getty /

zz - O sonho terminou com a Itália. Ainda pensa muito nessa partida?

II - Esse jogo é a prova que para a história ficam os resultados. Pouco importa jogar bem ou mal, as condicionantes, etc. Passaram 30 anos e praticamente só nós nos lembramos que fomos roubados com a Itália. Nos registos e nas memórias gerais ficou o apuramento deles para a final.

O Costacurta decidiu levar a bola para casa com a mão e não foi assinalada grande penalidade. Não nos deixaram voar mais um pouco. É pena, mas são coisas passadas e nada podíamos fazer. 

zz - Uma derrota dura e uma viagem muito longa para o jogo de 3º e 4ª lugar. Não entraram com o melhor espírito contra a Suécia, acredito.

II - Aquele jogo só tem interesse comercial. Para os atletas é um sacrifício jogar depois da desilusão. Não há motivação. Claro que a FIFA perde dinheiro (risos), mas não vejo nenhum sentido em disputar-se esse jogo após o impacto emocional de estar tão perto de uma final. 

zz - Acabou por ser um Mundial marcante e recordado com saudade por muitos. Que razões encontra para isso?

II - Foi especial. A descoberta do futebol por uma potência como os Estados Unidos, que recebeu de braços abertos os jogadores. Os estádios estavam sempre cheios. As seleções tentaram promover a modalidade e acho que conseguimos. Cada vez mais estrelas vão jogar para a MLS e o desporto continua a crescer no país. 

zz - Sei que é um tema complexo, porém, qual a justificação para a falta de resultados da seleção búlgara? A última grande competição foi em 2004.

II - Tens tempo? Esse é um tema para estar aqui a falar durante uma semana. Vou ser diplomático e dizer que falta de tudo um pouco. Acho que a necessidade mais gritante é de investimento em infraestruturas. Um projeto sólido e visão a longo prazo. Falta organização.

zz - Apesar disso, ainda há esperança de estar no próximo Mundial?

II - Era bonito estar em 2026 num Mundial novamente organizado nos Estados Unidos. Sei que a qualificação é muito difícil, no entanto, a esperança alimenta-nos sempre. 

São memórias espetaculares. Passou-me tudo pela cabeça novamente a falar contigo. Ouvir o hino do teu país naqueles palcos não tem preço.

Balakov e Stoichkov, dois astros @Getty /

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