A adaptação climática como a urgência económica de Portugal

8 meses atrás 77

Quando falamos em alterações climáticas e nas suas consequências, referimos de seguida que há duas formas de lidar com o tema: mitigar e adaptar. A mitigação significa baixar as emissões de Gases com Efeitos de Estufa (GEE) através do uso de energias renováveis em vez dos combustíveis fósseis, através do uso de equipamentos que consomem menos energia e da transformação da tecnologia que permita certas fábricas usarem a eletricidade (verde) em vez do calor proveniente da queima de combustíveis fósseis. Através da eletrificação do país que assente num mix energético renovável, como em Portugal. Através do hidrogénio verde que permita ser usado em transportes mais pesados e que assente no uso circular da água e dos efluentes.

Portugal pode ser neutro em carbono em 2045, não porque tal é fundamental para o clima, mas porque é fundamental para a economia. Vamos ver se o próximo ministro das Finanças consegue compreender que apostar em tecnologias, investimentos e negócios verdes é uma condição necessária para o crescimento económico, pois todas as empresas do mundo, de uma forma ou de outra, querem assegurar que as suas compras e fornecedores estão o mais alinhados possível com o caminho da descarbonização, a proteção da biodiversidade e o respeito pelos direitos humanos.

Também sermos capazes de nos adaptar às alterações climáticas que já estamos a sentir constitui uma urgência económica nacional. Mais uma vez, espero que os próximos ministros das Finanças, Economia e Ambiente compreendam que o futuro da economia portuguesa depende da forma como nos iremos adaptar às mudanças que o clima terá na floresta, na agricultura e na subida das águas do mar.

Tudo isto implicará que fábricas terão de mudar de local ou criar barreiras naturais que evitem as cheias das instalações; ou que terão de criar sistemas de proteção de fogos, pois sabemos que esse risco só irá aumentar; há habitações que estão em zonas de elevados riscos físicos, como cheias, fogos e subida das águas do mar e rios, pelo que os seguros tenderão a reduzir a sua proteção, o que levará a uma quebra do valor do ativo. Os seguros podem ser obrigatórios, mas se a probabilidade do risco acontecer for 90%, então, a seguradora poderá ter legitimidade para não o fazer.

Há que encontrar uma outra solução. As cheias, fogos e aumentos de temperatura “fora de tempo” podem originar cortes na cadeia de abastecimento e os preços dos bens finais poderão aumentar, o que levaria a uma diminuição adicional da disponibilidade financeira das famílias. Ondas de calor constantes podem mudar a atração de Portugal como país turístico, pois quem quer visitar um país europeu com 40ºC num verão longo e onde os fogos podem ocorrer por todo o país?

Acima de tudo, as alterações climáticas podem trazer problemas de saúde significativos que em nada irão contribuir para o melhor funcionamento do Sistema Nacional de Saúde. De acordo com o Banco Mundial, as alterações climáticas podem originar, até 2050, pelo menos 21 milhões de mortes adicionais, devido a apenas cinco riscos para a saúde: calor extremo, atraso de crescimento, diarreia, malária e dengue. Podemos pensar que, em Portugal, não há malária nem dengue, mas tal tem uma elevada probabilidade de mudar num futuro próximo, devido, precisamente, ao aumento da temperatura que se tem vindo a fazer sentir.

Existem vários cientistas que começam a reconhecer que 2023 poderá ter sido o primeiro ano em que as temperaturas anuais subiram 1,5 graus Celsius acima da média global registada no início da revolução industrial. No âmbito do Acordo de Paris existe o compromisso para que a temperatura mundial não ultrapasse os 1,5°C em 2050. Um único ano que ultrapasse este nível não significa que o objetivo esteja comprometido, no entanto, este facto foi inesperado para muitos dos cientistas, o que evidencia que a temperatura está a aumentar mais depressa do que o inicialmente previsto.

A temperatura vai aumentar e, em Portugal, já estamos a sentir esse aumento, que só irá crescer. A estratégia nacional de adaptação climática deveria ser o documento central para uma política de desenvolvimento económico nacional, devendo ser consubstanciada com um plano de ação de fiscalidade verde que promova os investimentos na adaptação. Também o financiamento público deve reconhecer a necessidade de se realizarem investimentos na adaptação climática, e que podem ser necessários nas empresas, famílias, regiões e infraestruturas verdes do país.

Sem uma visão desta natureza não será possível fazer crescer a economia, pois, de acordo com estudos realizados por vários bancos centrais, podemos inferir que um aumento na temperatura provoca uma diminuição no PIB num futuro próximo. Vamos ver que visão do país e da economia 2024 nos trará. Mas, independentemente disso, o futuro não cabe aos outros definir. Cabe-nos a nós ser parte ativa nessa definição e concretização. Cooperar para co-construir o futuro é a verdadeira essência da democracia. O planeta está a dar-nos essa oportunidade. Sejamos capazes de a aproveitar.

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