A arte do consenso

2 meses atrás 68

Numa altura em que os debates sobre política, sociedade e economia são cada vez mais polarizados, é interessante revisitar exemplos que procuraram pontes entre visões opostas.

John Stuart Mill fez uma tentativa nessa linha, procurando conciliar sistemas como o socialismo e o liberalismo. Para tal, Mill sugeriu que as cooperativas que surgiam poderiam prevalecer sobre as empresas capitalistas numa economia de mercado. Para tal, as cooperativas deveriam aproveitar a vantagem relativa da motivação decorrente da participação democrática na decisão e partilha de resultados.

O problema, segundo Mill, acontece quando ao admitir membros assalariados sem direitos de decisão e partilha de resultados, as cooperativas passam a ser um híbrido que nem tem as vantagens das cooperativas originais, nem as vantagens das empresas capitalistas (como mecanismos de decisão mais rápidos). Mill previu que este esquema de incentivos desadequado levasse a uma degeneração do movimento cooperativo.

Vivemos um momento semelhante no que diz respeito à existência de um esquema de incentivos desadequado, com implicações sistémicas. O sistema financeiro está presentemente construído como um híbrido entre vantagens privadas e custos públicos, que incentiva o sector privado a incorrer nos riscos necessários para obter ganhos financeiros, na segurança de que será o contribuinte a resgatar perdas com efeitos sistémicos.

Para além disso, as decisões financeiras descuram as questões económicas ligadas à articulação entre vários sectores produtivos, e as consequências sociais e ecológicas que, quando analisadas desligadas da produção, acabam por não ser devidamente acauteladas.

Como Mill, John Maynard Keynes procurava também uma reconciliação entre sistemas, propondo intervenções de política fiscal num contexto de economia de mercado, como um imposto sobre transacções financeiras. Este imposto seria tanto maior quanto menor o tempo que um activo financeiro é detido, de forma a incentivar o investimento de longo prazo por parte de quem tem conhecimento do sector produtivo, e não o investimento especulativo de curto prazo que descura a realidade económica subjacente.

Se confrontado com a crise da habitação actual, Keynes provavelmente proporia um imposto semelhante, de modo a desincentivar o investimento especulativo por parte de quem não pretende habitar as propriedades que adquire: por exemplo, um imposto significativo (eventualmente progressivo) sobre a propriedade habitacional que exceda um determinado valor (ou que seja evidentemente um investimento não destinado à habitação), de modo a reduzir ou mesmo anular as vantagens do investimento habitacional especulativo.

Soluções como as de Mill e Keynes procuram consensos que permitam ir resolvendo problemas mais imediatos dentro de um quadro democrático enquanto, paralelamente, se debate de forma mais profunda as bases filosóficas de cada sistema político e económico, debate esse que ajudará a chegar a consensos mais informados. No mundo polarizado actual, a arte de obter estes consensos poder-se-á tornar cada vez mais importante.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

Ler artigo completo