A Casa de Vinicius?

4 meses atrás 80

No meio dos reveses políticos recentes, hélas uma luz ao fundo do túnel – um pacote de 30 medidas cujo alvo é a habitação. Ainda que, e sem surpresa, tenham desagradado a gregos e troianos, passaram o sinal de que soluções de habitação acessível continuarão a fazer parte da agenda política. São, sem dúvida, boas notícias.

De entre elas, menos positiva é a reversão das restrições ao alojamento local. Sem querer diabolizar o turismo, são por demais evidentes as demonstrações (globais) de que possa estar a tornar-se excessivo. E as respostas começam a ecoar por todo o lado.

Foi por isso que Amesterdão proibiu recentemente a construção de novos hotéis, no que acompanhou, por exemplo, Barcelona. Teria sido do mais elementar bom senso seguirmos estas pisadas.

Já medidas que se aplicam até imóveis de 316 mil euros, é certo que tanto poderão significar um T1 em Lisboa como um T3 fora dos centros urbanos. Mas os plafonds são importantes para definir apoios públicos, ainda que o impacto regional seja assimétrico.

O calcanhar de Aquiles do atual pacote, no entanto, é que, na sua grande maioria, as medidas surgem desarticuladas de outros vetores de organização social com impacto no problema que se pretende resolver.

O caso mais flagrante é sem dúvida o incontornável sistema de transportes públicos, hoje amplamente suportado na solução automóvel individual. No que veio a público, há apenas uma pequena referência a novas centralidades, mas as soluções de habitação são sobretudo apetecíveis se permitirem o acesso rápido aos postos de trabalho.

Ora, sobre mobilidade, e segundo o jornal “Expresso”, entre 2019 e 2022, Portugal ganhou mais 450 mil automóveis, concentrando os distritos de Lisboa e Porto, respetivamente 21% e 16% do total de carros em circulação. Apesar da diminuição do preço dos passes mensais e das preocupações ambientais, a dependência do automóvel aumentou, tornando a situação incomportável a breve trecho.

Aplicando as 30 medidas do Governo, onde se localizarão as novas casas? Quão distantes ficarão de eixos de transportes públicos? E dos principais centros de oferta de postos de trabalho? E estão previstas alternativas de mobilidade para os seus futuros habitantes? Mais, como ficarão enquadradas as práticas de trabalho remoto, que parecem ter contribuído para aumentar o tráfego automóvel?

Estes aspetos não podem deixar de ser equacionados enquanto se implementam as novas medidas. Se não, como na canção, será uma casa na Rua dos Bobos, número zero.

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