A certificação do processamento da Res Digitales (5/5)

9 meses atrás 83

Este é o último artigo da série sobre como dar vida à Res Digitales, ou seja, como dar total autonomia à execução do direito sem necessidade de custódia. Dito de outra forma: como dar vida aos Smart Legal Contract.

Tal como já aqui referimos, a web3 está em vias de promover uma reorganização sem precedentes de todo o tecido económico. Os Estados que queiram beneficiar mais depressa das vantagens da 4ª Revolução industrial irão conviver com a realidade não-custodial da Res Digitales.

A grande vantagem vem precisamente da eficácia da aplicação a priori da lei às transacções programáveis, pois é isso que assegura o aumento de confiança em cada ecossistema e a extraordinária redução dos custos de transacção na economia. Risco, incerteza ou desconfiança são custos que interessa diminuir.

As relações contratuais, em paralelo com os tribunais, existem precisamente para reduzir o risco e criar confiança. Ora, nos contratos tradicionais, são os seus intervenientes a zelar pelo cumprimento da lei. Já na web3, é a autoexecução da Res Digitales a garantir esse mesmo cumprimento transversalmente a cada ecossistema, sendo, portanto, necessário passar a incluir essa propriedade em cada ordenamento jurídico. É esse o desafio.

Assim, na web3, não bastará deixar as partes verter as cláusulas dos seus acordos no conteúdo dos contratos autoexecutáveis, pois, neste caso, é preciso verificar a priori o cumprimento da lei vigente. É que a Res Digitales só poderá executar cláusulas contratuais legalmente aceites, o que obriga a uma certificação do processamento legal.

Ora, este processo de certificação já é utilizado para a tokenização da identidade digital quando esta passa a ter valor jurídico. Assim, da mesma forma que a execução de um Smart Contract só é juridicamente válida se as entidades intervenientes estiverem devidamente certificadas, o mesmo tem de acontecer com as suas cláusulas, bastando, portanto, estender a certificação às mesmas.

A vantagem da tokenização na web3 está na auto-execução do direito incorporado nos Smart Legal Contract. Não é por acaso que a DeFi foi das primeiras indústrias a desenvolver-se na web3, desta feita com serviços não regulados. A DeFi representa sempre direitos concretos e programáveis, pois só estes podem ser externalizados na forma de serviço. Porém, a DeFi não carece de verificação legal ou regulatória, o que impede a sua aplicação na economia regulada.

No caso da economia incumbente, os bons candidatos à tokenização são os direitos associados às transacções programadas nos actuais sistemas informáticos centralizados. O desafio passará assim por colocar nas DLT todos os elementos legais assegurando a sua certificação antes de executados.

A certificação da identidade jurídica dos participantes, já aqui referida no terceiro artigo desta série, já está na calha da regulamentação na União Europeia, e as cláusulas dos Smart Legal Contract deverão seguir uma abordagem semelhante.

A minha experiência de vida diz-me que há cláusulas contratuais livremente acordadas entre as partes, e que outras há a depender do suporte jurídico ou mesmo da autorização de todo o tipo de autoridades, tais como tribunais, registos, ou quaisquer outros previstos por lei. É assim que a lei e a regulação têm garantido as suas regras. Então como se vai processar a certificação de cláusulas para tornar legal a execução de Smart Contract?

Quando as partes afirmam as suas vontades num contrato, estão a validar o seu conteúdo, tendo, portanto, liberdade para certificar as cláusulas que lhes dizem respeito. O mesmo vai acontecer com as outras cláusulas dependentes das entidades que velam pelo cumprimento da lei, pois é assim que se assegura o Estado de direito. Assim, serão estas entidades a certificar a validade legal dos Smart Legal Contract quando necessário.

Como ninguém está à espera de uma transformação relâmpago da essência do ordenamento jurídico, há que começar simplesmente pelas cláusulas mais simples, construindo uma nova arquitectura de autoexecução jurídica passo a passo, e sempre compatível com o ordenamento jurídico já estabelecido. Uma coisa é certa, um Smart Legal Contract só é válido se executar transacções devidamente certificadas, sejam estas a identificação jurídica dos intervenientes, dos bens ou direitos sujeitos a registo, ou das cláusulas em causa.

Repare-se que a certificação de uma cláusula pode incluir a existência prévia de outras cláusulas, sendo assim que se garante a integridade quanto às precedências de toda a lei assim executada.

E pronto, agora é só deitar as mãos à obra e adoptar do ponto vista legal uma tecnologia cuja promessa é o extraordinário aumento da criação de valor económico. Como já vimos, não é para construir a república das bananas, pois o código autoexecutável é para ser inquestionavelmente reconhecido por lei, em particular no que diz respeito (1) à identificação das pessoas jurídicas, (2) ao reconhecimento legal da informação externa, (3) à aceitação legal dos resultados do seu processamento e (4) à certificação das cláusulas quando aplicável.

O trabalho jurídico será ciclópico, e o informático nem tanto, pois segue uma abordagem já com mais de 30 anos de existência e que está na base dos Smart Contract (i.e., conhecida pelos informáticos por orientação a objectos). Precisamos, portanto, de trabalhar (i) o ordenamento jurídico, a lei e a regulação; (ii) preparar todas as instituições parte dos novos ecossistemas, incluindo as instituições públicas; (iii) e construir uma arquitetura de Res Digitales com Smart Legal Contract e Token que espelhe a forma como queremos viver como sociedade na era da 4ª Revolução Industrial.

Apetece dizer outra vez: vamos a isto?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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