A emocionante reflexão de Tiago Ilori: «Com as lesões, quase me auto-castigava»

8 meses atrás 89

Um ano sem futebol. Um ano sem competição, sem calçar as chuteiras e ir «lá para dentro». Um ano sem acordar de manhã e saber que há 90 minutos para jogar. Tiago Ilori deixa um testemunho fortíssimo ao zerozero, abre o peito para dissecar a via sacra percorrida de lesão em lesão, enche de amor o conceito de família e avisa estar preparado para voltar. Uma reflexão de um homem inteligente, um homem de convicções e preocupações sociais, certo de que aos 30 anos ainda tem uma nova vida a dar à modalidade que ama.  

[NOTA: a entrevista foi realizada dias antes de Tiago Ilori assinar pelo Belenenses - a Parte II será publicada às 15 horas]

PARTE I

zerozero - O último jogo oficial do Tiago foi feito a 5 de dezembro de 2022. Já lá vai mais de um ano desde essa noite no Dragão, em que saiu lesionado. E depois, o que se passou na sua carreira? 

Tiago Ilori - Em janeiro de 2023 voltei ao Sporting, o clube com quem tinha contrato. Mais tarde cheguei acordo para rescindir, já no verão. Fiquei livre e estive a pensar muito bem no próximo passo a dar. Já não jogo há um ano, na época anterior a essa já tinha passado por problemas físicos também. Julgo que por ter estado parado em toda a época 20/21. Não tive nada de grave, foram roturas musculares. 

zz - Voltemos a este verão de 2023. Rescindiu com o Sporting, ficou livre, não teve nenhum convite interessante? 

TI - Fui deixando passar o tempo, para ter um leque maior de clubes para escolher. Por um motivo ou outro, optei por não aceitar o que tinha em cima da mesa. O tempo foi passando e tenho-me dedicado a treinar, a trabalhar, para estar pronto quando surgir a oportunidade certa. 

qSomos todos diferentes. Não planeei nada, não tenho uma rotina específica, tenho dias melhores e dias piores. Nos dias menos bons... o que se faz? Não tenho a resposta para isso. Agarro-me aos meus filhos

Tiago Ilori

zz - A última imagem do Tiago é a de um jogador com problemas musculares recorrentes. O tipo de trabalho que está a fazer é preventivo para esse tipo de lesões? Está preparado para competir já em janeiro? 

TI - Sim. Só a meio do verão, em julho, é que deixei o Sporting e o trabalho em equipa. Nas últimas semanas já voltei a treinar integrado num grupo, deram-me essa oportunidade, e tem corrido bem. Já sabia que estava bem fisicamente, porque o trabalho feito anteriormente dava-me essa garantia. Quando tiver uma oportunidade em janeiro, vou agarrá-la e jogar de imediato. 

zz - Teve lesões no Lorient, no Boavista e no Paços. Os problemas foram semelhantes ou distintos? Em três anos fez apenas 16 jogos. 

TI - Foram sempre problemas do foro muscular. Uma rotura no gémeo, no Lorient, e roturas do isquiotibial [parte posterior da coxa] no Boavista. Nunca tive propensão para lesões, nos anos anteriores a esses raramente estive lesionado. Acredito que há sempre uma causa para as coisas acontecerem. Antes de ir em janeiro de 2021 para o Lorient tive uma paragem grande. Ia sair do Sporting, mas não sabia se seria em definitivo ou emprestado, a ideia não era clara. Analisei várias soluções, tive bastantes nessa altura, até porque tinha jogado com alguma regularidade pelo Sporting na época anterior - antes de irmos para casa devido à covid. 

zz - O último jogo pelo Sporting foi feito no fim de junho de 2020: 23 minutos contra a B SAD. 

TI - Exato, lembro-me de ter feito esses minutos. Na época seguinte, por opção, não fiquei no plantel e estive sem competir até ser emprestado ao Lorient em janeiro. Fiquei a treinar com um grupo de dez jogadores, que não entravam nos planos do Sporting e que não saíram para outro lado. Coisas do futebol. Acabei por ficar assim até janeiro, entre a equipa B e esse lote de atletas. 

zz - Até que surgiu o Lorient, na Ligue 1. 

TI - Uma semana depois de chegar lá, na véspera do primeiro jogo, lesionei-me. Foi uma lesão complicada porque impediu a minha utilização até ao fim da época. A recuperação foi boa, a rotura cicatrizou de forma ótima, mas demorou. É uma zona chata. Estive a recuperar esses meses todos. Cheguei no final de janeiro, lesionei-me e só voltei a treinar com a equipa no início de maio. Ou seja, estive em Lorient basicamente a recuperar dessa lesão (risos). No verão fui emprestado ao Boavista. 

Tiago Ilori não joga desde o Dragão, há mais de um ano @Kapta+

zz - E perdeu novamente parte da pré-época? 

TI - Sim, estive a trabalhar à parte no Sporting. Entrei no Boavista, senti que as pessoas contavam comigo para fazer a diferença, para jogar logo, e a verdade é que me sentia bem. Mas não tinha tempo de competição. Estive de junho de 2020 a agosto de 2021 sem jogar, cheguei ao Boavista, fiz alguns jogos exigentes, duros, contra equipas fortes e tive a primeira lesão. Num jogo da taça [Rio Ave, 17 de outubro] senti o músculo, por volta dos 70 minutos. Depois, enfim, são detalhes. Se calhar recuperei demasiado depressa, sem a melhor preparação, e a culpa não foi de ninguém. Foi minha. Agora, a esta distância, percebo que fazer quatro/cinco dias de treino com a equipa, depois de estar um mês parado, não chega. Mas queria ajudar a equipa, estava lá com esse propósito, o clube contratou-me para eu jogar. Voltei a jogar e tive uma recaída [Famalicão, 5 de novembro], porque não estava em condições.  

zz - Foi uma fase dura. 

TI - Claro que sim. Mas estou já há algum tempo bem, a atingir as metas que me são propostas para estar preparado. Tenho treinado muito, sem competição de jogo, mas nas últimas semanas já estou muito perto do meu normal. 

zz - No Paços de Ferreira só fez quatro jogos. A lesão foi parecida com a que teve no Boavista? 

TI - Um bocadinho diferente. Infelizmente, estive em Paços numa época difícil para o clube. Conheci lá pessoas espetaculares, os adeptos adoram o clube, e o ano até começou bem. Em que sentido? Perdemos o primeiro jogo, mas andámos próximos da vitória e mostrámos coisas boas. A equipa jogava bem com o César [Peixoto], só que à 10ª jornada tínhamos dois pontos. O César saiu e depois houve decisões que tiveram de ser tomadas e preparações que tiveram de ser feitas. Só posso especular. Eu, o Sporting e o Paços chegámos a um entendimento e achámos que para todos seria melhor interromper em janeiro o meu empréstimo. Regressei a Alvalade no final de janeiro e já nem pude ser inscrito. 

zz - O que sentiu ao lesionar-se no Dragão, mais uma vez, quando estava a fazer o quarto jogo seguido a titular no Paços e aparentemente a reentrar numa boa fase?

TI - Estava a sentir-me melhor, gradualmente. Mas lembro-me que nessa semana antes do jogo com o FC Porto não treinei. Já estava com queixas musculares. A semana de treinos é importante, mas o jogo também e por isso tivemos de gerir um bocadinho as cargas. Houve essa preocupação, só que o Paços estava numa fase difícil. Eu quis ajudar, eles quiseram que eu ajudasse e fui para o jogo. 'Vou tentar estar bem, mesmo não estando', foi o que eu pensei. Podia ressentir-me ao primeiro minuto ou ao minuto 90. Não queria prejudicar a equipa e estar lá dentro a 40 por cento, 50 ou 60, e rapidamente senti que não estava bem. Nunca me senti a 100 por cento, mas há decisões que são tomadas, conversas com a equipa técnica. E todos tentámos. 

zz - Sentiu mais um desconforto muscular. 

TI - A partir dos dez minutos, por aí, comecei a sentir isso. É difícil a um jogador pedir para sair de um jogo tão cedo, não queria, mas mal conseguia correr. Não estava em condições. Esse foi o meu último jogo. 

zz - Um problema muscular não melhora com o passar dos minutos. 

TI - É isso, é diferente de um traumatismo. E não é só uma questão de gerir a dor, porque a dor aguenta-se. É a movimentação, não dá, não conseguimos correr ou saltar. Eu até tinha tomado medicação para esquecer a dor, mas não dava. Se fosse só uma dor, eu aguentava (risos). 

«No Boavista, durante a fase das lesões, não tinha 'vida»

zz - Falemos do lado emocional de todos esses problemas. Como é que o Tiago tem gerido as emoções? Precisou de alguma ajuda especializada ou a família tem sido suficiente para superar esta via sacra de lesões? 

TI -

Não tenho tido acompanhamento psicológico. Hoje em dia falamos muito de saúde mental e acho que devemos procurar sempre condições para melhorar. Já tive sessões com performance coaches no passado - eles não se consideram psicólogos. Tentam ajudar-nos a ter melhor rendimento, a gerir emoções, mas no último ano não tive esse tipo de ajudas. No Sporting nunca me senti sozinho, havia o balneário da equipa B, conhecia pessoas de lá desde os meus 11 anos, sentia-me em casa nesse aspeto. O meu carro ia para lá de olhos fechados (risos). Acho que quem sente necessidade deve procurar ajuda. 

zz - O Tiago não sentiu essa necessidade? 

TI - O que eu tenho feito é isto: tenho dois filhos maravilhosos, não sou casado mas é como se fosse, tenho uma família próxima e bons amigos. Somos todos diferentes. Não planeei nada, não tenho uma rotina específica, tenho dias melhores e dias piores. Nos dias menos bons... o que se faz? Não tenho a resposta para isso. Agarro-me aos meus filhos. Todos os dias é uma nova oportunidade para estar bem. Vou tentando estar bem, sou uma pessoa positiva, não deixei de trabalhar e isso ajuda. Treino cedo, continuo com muitos objetivos, não estou perdido. Se calhar, o futebolista que deixa de jogar fica um pouco confuso no início. Acredito que isso aconteça até criar uma nova identidade. Não estou a jogar agora, mas continuo aqui. 

Ilori esteve no 2-2 entre Boavista e Benfica @Catarina Morais / Kapta +

zz - Há pessoas que resolvem os seus dilemas com uma caminhada, uma aula de yoga...

TI - Sem dúvida. Se tivesse sentido necessidade de um psicólogo, claro que o teria procurado. 

zz - Nestas pancadazinhas que foi levando, alguma vez sentiu que já chegava? «Eh pá, não estou para isto, já chega.»

TI - Não, não. Já chega de lesões (risos), isso sim. 'Tenho de resolver isto que me está a acontecer'.  Falei com várias pessoas que estudam o corpo humano e outras que passaram por casos semelhantes aos meus. As coisas não acontecem por acaso. Tive de perceber o que estava a acontecer comigo e procurei corrigir o que estava mal. Já não vejo nenhuma ponta solta. Podemos fazer sempre mais, mas também tem de haver um equilíbrio para não sermos excessivos. Descansar é importante, uma boa dieta. Também temos de viver. No Boavista, durante a fase em que tive as lesões, não tinha 'vida'. Quase que me auto-castigava: 'Até isto estar bem, cada segundo tem de ser dado à minha recuperação'. Isso também não faz bem. Temos de desligar-nos e descansar. O desligar faz parte do descanso. 

zz - Nunca colocou em causa a continuidade da sua carreira. 

TI - Não, porque nunca senti que tinha algo realmente grave. Foram sempre coisas que tinham uma explicação simples. E uma solução. Tive sempre a curiosidade de perceber o que se estava a passar comigo. Recolhi opiniões de quem sabia, o que podia fazer para melhorar e todos me diziam que eram coisas normais e naturais, fruto das minhas paragens. Nada problemático. Isso também me levava a não sentir o tal 'já chega'. 

zz - Os problemas nunca estiveram ligados a um estilo de vida de boémia, de falta de descanso, de saídas à noite? Percebe-se que o Tiago é muito agarrado à família. 

TI - Não, nada a ver com isso. Já tenho 30 anos (risos). E vou ser pai novamente. Teve a ver com falta de conhecimento: a forma de descansar e recuperar melhor. E, acima de tudo, saber gerir as entradas em competição. Estava muito tempo parado e entrava em competição precipitadamente. Somos todos diferentes. Uma das minhas características boas é a velocidade. Sou explosivo, salto bem, sou rápido, e essas características acabavam por me castigar depois de paragens grandes. Não era ao primeiro sprint ou ao segundo, mas em 90 minutos colocava muito stress num músculo que estava a recuperar. Isso foi o que aconteceu comigo e provocou a recorrência de lesões. 

zz - Como é que vai ser o primeiro jogo do Tiago nesta nova vida no futebol? [pelo Belenenses, sabe-se agora]

TI - Vai ser muito bom. Os primeiros passos no relvado vão deixar-me um bocadinho nervoso, mas é uma coisa que quero muito já há bastante tempo. Treinar com um propósito, jogar todas as semanas, sentir-me bem. Tenho saudades de sentir isso. Mesmo quando estava emprestado, não era a mesma coisa. Dava tudo, mas era uma ligação pontual. Ia para lá ajudar, defender esses clubes, mas era transitório. No Lorient tive um problema físico e sabia que ia estar lá quatro meses e meio. A minha filha tem oito anos, o meu filho tem três e nunca viu um jogo meu (risos). E vem aí mais uma menina.

zz - Não dar as coisas como um dado adquirido obriga-o a olhar para elas de uma forma diferente. Os próximos 90 minutos do Tiago não serão um dado adquirido, como eram há uns anos. 

TI - Sem dúvida. Se calhar é parecido com o que sentimos quando acabamos de vez de jogar. Ou quando paramos para férias e sentimos saudades. As férias estão a acabar e sentimo-nos um bocadinho culpados se não estivermos a treinar. Com as lesões é igual. Vemos os outros a treinar... por algum motivo esforçámo-nos tanto para chegar aqui. Esta está a ser uma paragem longa e a saudade está a bater. 

Portugal

Tiago Ilori

NomeTiago Abiola Delfim Almeida Ilori

Nascimento/Idade1993-02-26(30 anos)

Nacionalidade

Portugal

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Dupla Nacionalidade

Inglaterra

Inglaterra

PosiçãoDefesa (Defesa Central)

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