A monocultura dos painéis

6 meses atrás 98

Os portugueses são dados a um certo mimetismo comportamental que nem sempre revela o melhor de si.

No tempo em que o comércio tradicional, o de porta aberta para a rua, ainda dominava, era frequente que quando alguma actividade económica se iniciava, e se desse sinais de sucesso, rapidamente outros estabelecimentos concorrentes, do mesmo ramo, abririam portas nas redondezas.

Há que dizer que não é um comportamento muito abonatório, ainda que só surpreenda quem conheça mal as fraquezas da natureza humana.

Modernamente, fazendo apelo a outros recursos, e, certamente, com outras motivações, os portugueses, ou os que operam em Portugal, vão descobrindo outras actividades económicas, ainda que sem perder o mimetismo de outros tempos. Refiro-me à instalação de painéis solares para produção de energia, os painéis fotovoltaicos.

Não deixa de ser curioso que um país que tem cerca de 30% do seu território inculto, ou coberto de matos, que não consegue identificar os proprietários de mais de 30% dos seus prédios rústicos, que, admite-se, “possa ter 60% dos prédios rústicos inscritos em nome de pessoas falecidas”, que este país consiga sempre identificar propriedades de grande dimensão e com dono conhecido, desde que a finalidade seja a instalação de painéis solares.

Este é o mesmo país que diaboliza os eucaliptos, que critica os pinheiros, que tem hectares e hectares de solos agrícolas e florestais abandonados. O país que, ao que parece, acha que pode expropriar, de facto, os proprietários florestais para abrir “faixas antifogo”, sem qualquer notificação aos proprietários. Será assim que vão proceder quando se tratar de construir a linha de alta velocidade? Tenho a certeza que não.

Mas voltemos aos painéis solares.

Notícia recente (Público, 24 de Março de 2024, pag.13) talvez ajude a perceber melhor o que se passa.

Um processo visando a instalação de 1000 hectares de painéis terá sido licenciado pela APA. O MP impugnou tal licenciamento. Até aqui, diriam muitos, e nós também, “é o estado de direito a funcionar”. Ora, como certamente os Senhores Procuradores que prepararam a impugnação não são néscios, é especialmente interessante reter os argumentos/fundamentos da impugnação:

Os mil hectares de painéis implicarão o abate de um milhão e quinhentas mil árvores; Terão sido desconsiderados vários instrumentos legais que visam a protecção de recursos naturais; O ICNF e o Laboratório Nacional de Energia e Geologia terão dado parecer negativo ao empreendimento; Parte do parque fotovoltaico ficará instalado em área de Reserva Ecológica Nacional; No próprio instrumento de licenciamento se afirma a grande mortalidade de animais “pequenos e lentos” que a desflorestação causará.

Este exemplo apenas vem evidenciar o que já se sabia.

Onde, até agora, existia floresta – eucaliptos, pinheiros, sobreiros-, passamos a ter estruturas metálicas a suportar painéis.

Onde a biodiversidade nos ajudava a todos, a toda a humanidade, a sobreviver mais uns séculos passaremos a ter, a prazo, lixo tecnológico abandonado.

Solos agrícolas férteis e com dimensão adequados para explorações rentáveis são inutilizados, para sempre(?), em nome desta fonte energética da moda.

Compreendendo as vantagens da “diversificação das fontes de energia” pergunto-me:

Não será possível instalar os painéis fotovoltaicos em áreas já artificializadas, nomeadamente nos telhados dos edifícios? Não terá o país, nos mais de 20.000 km2 de terrenos incultos ou improdutivos, alguma área adequada à instalação de painéis fotovoltaicos? Já alguém estudou o assunto, tomando por orientação a preservação dos solos agrícolas e florestais para a finalidade para que estão vocacionados?

Talvez devêssemos todos parar para pensar que, contrariamente à energia, ainda não há forma de termos batatas, nabos, couves, maçãs, peras, ou madeira, que não seja semear e/ou plantar nas terras férteis.

Também por isso, a reforma em curso da propriedade rústica deve ter como objectivo dar dimensão adequada às explorações agrícolas e não criar “quintas fotovoltaicas”, sempre apetecíveis para o capital que Portugal não tem para investir. Por este andar, ainda vamos concluir que, em Portugal, “O sol quando nasce (não) é para todos”.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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