A mulher enquanto agente económico

9 meses atrás 93

“As vidas dos homens têm sido usadas para representar as da humanidade em geral. Quando se trata das vidas da outra metade da humanidade, muitas vezes, há apenas silêncio.” – Caroline Criado Perez, Invisible Women

O trabalho inovador de Claudia Goldin, distinguida com o prémio Nobel da Economia em 2023, destaca-se por reconhecer a mulher enquanto agente económico com incentivos e restrições próprios.

Até recentemente, os bonecos de teste de acidentes de automóvel eram baseados na altura e peso do homem mediano. Como consequência, a probabilidade de ficar seriamente ferida é muito maior para as mulheres do que para os homens, em caso de acidente automobilístico. Só em 2011 foi introduzida uma boneca de teste representando a mulher mediana.

Também na ciência económica, até ao trabalho de Claudia Goldin, o estudo das diferenças entre géneros no mercado de trabalho era descurado, ignorando a função da mulher enquanto agente económico. Goldin foi pioneira na utilização de um enquadramento económico em que a educação, fertilidade e produtividade estão interligadas com a identidade e aspirações das mulheres, assim como com as mudanças institucionais.

Uma das grandes contribuições de Goldin foi mostrar que, contrariamente ao que se pensava, a participação das mulheres no mercado de trabalho não depende positivamente do desenvolvimento económico. As variações na taxa de emprego feminino devem-se, sobretudo, às flutuações da participação das mulheres casadas no mercado de trabalho.

A revolução industrial deu origem à transição das mulheres do mercado de trabalho para o lar e, por isso, a uma diminuição da taxa de emprego feminino. Quando anteriormente trabalhavam na agricultura ou negócios familiares, a industrialização implicava o trabalho manual fora do lar, ao qual estava associado um estigma social negativo.

Só com o desenvolvimento do sector dos serviços é que a participação feminina no mercado de trabalho começou a aumentar sustentadamente, uma vez que este tipo de trabalho era visto como respeitável e aceitável para ser exercido por uma mulher casada.

Esta transformação teve também impacto na educação. A decisão de investir em educação depende da expectativa do benefício desse investimento. Na primeira metade do século XX, as mulheres esperavam estar empregadas apenas antes do casamento e, consequentemente, o benefício do investimento era baixo.

Na segunda metade do século, ocorreu uma inovação tecnológica importante – a pílula contracetiva – que permitiu reduzir a incerteza para a população feminina sobre quanto e quando trabalhar. Esta inovação, em conjugação com o aumento dos serviços, levou a um aumento da educação feminina.

O estudo das decisões de educação femininas contribuiu também para compreender o porquê da morosidade na redução das disparidades de género. A importância das decisões de investimento em capital humano enquanto jovens, faz com que só se observem mudanças quando grupos de mulheres jovens entram no mercado de trabalho, o que leva tempo.

O papel das mulheres no mercado de trabalho é também fundamental para o crescimento económico. Segundo Goldin, o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho foi a alteração laboral que mais contribuiu para o aumento do PIB nas últimas décadas.

Apesar de ser indiscutível o mérito do trabalho e o conhecimento desenvolvido por Claudia Goldin, a atribuição deste Nobel é muito importante numa ciência em que a baixa representatividade de mulheres continua a ser um problema.

Goldin é apenas a terceira mulher a receber um Nobel da Economia, e a primeira a não partilhar com outros investigadores. Adicionalmente, um Nobel reconhece não só um indivíduo, mas também uma área de investigação. Este Nobel é, portanto, o reconhecimento da importância de dar visibilidade a metade da humanidade que anteriormente tinha sido ignorada.

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