Esta quarta-feira, o Jornal de Notícias parou “completamente”. Ambas as redacções, do Porto e de Lisboa, esvaziaram-se de funcionários. Estão na rua, numa greve que contava, às 13h10 “com 100% de adesão”. Os cartazes, levantados em frente, não da “torre do JN”, para onde a força do hábito ainda nos atira o olhar, mas da nova sede, na Rua Monte dos Burgos, no Porto, resumem o estado de espírito: “Já nos tiraram da Baixa, agora querem tirar-nos das bancas.”
A 23 de Novembro último, um comunicado da administração da Global Media Group deixou (mais uma vez) os trabalhadores de órgãos de comunicação como o JN, o DN, O Jogo, a TSF e o Dinheiro Vivo, em alvoroço. Em causa estava o anúncio de uma “intenção de proceder a um despedimento colectivo” que pode envolver 150 trabalhadores do grupo.
Concentração de funcionários do JN no exterior da nova sede, na Rua Monte dos Burgos Fernando CostaO Sindicato dos Jornalistas convocou então uma greve para todos os funcionários do grupo, a partir das 00h desta quarta-feira e até às 24h de quinta-feira (7 de Dezembro).
Rita Salcedas, delegada sindical e jornalista, sublinha que este pode vir a ser o “despedimento colectivo mais maciço da história do JN, em proporção com o número de trabalhadores”. Dos cerca de 90 funcionários, sobrarão cerca de 50. Pouco mais de metade.
“Não é possível produzir um jornal diário como fazemos com quase metade da redacção. Não seria o mesmo produto”, continua Rita Salcedas. No JN há sete anos, nunca passou por algo igual. “Nem eu, nem a malta que está cá há 20, 30 anos”, diz.
Quem está, efectivamente, há mais de 30 anos confirma. Uma jornalista, que preferiu resguardar o nome, fala da situação com uma tristeza que as lágrimas nos olhos não deixam fingir. “A nossa família está a ser desmembrada. Sentimos isso.”
Nova casa, novos problemas
O despedimento colectivo é uma das razões para a greve, mas não é a única. Somam-se os atrasos no pagamento dos salários, as falhas de comunicação com a administração e, entre outras, a mudança de instalações.
“Foi uma decisão muito negativa para nós. Ir para o extremo da cidade tirou-nos centralidade, visibilidade”, diz uma jornalista. Desde que o JN vive no Monte dos Burgos, há funcionários que perdem quatro horas por dia – duas para cada lado – em viagens. Para trabalhar num local onde, descreve quem melhor conhece o espaço, as condições não são suficientes.
“Há pessoas que para se levantarem têm de pedir ao colega do lado para passar”, queixa-se Rita Salcedas. “É um espaço muito pequeno.” Outros jornalistas queixam-se de “condições um bocado indignas em alguns aspectos”, como a falta de privacidade para algo banal no exercício do jornalismo como fazer uma entrevista.
“Fazemos milagres todos os dias ao produzirmos o produto que fazemos, que, assinale-se, é um produto lucrativo”, exclama a delegada sindical.
“Nunca houve uma greve como esta”
Augusto Correia, dirigente sindical e jornalista do JN, vê 2023 como um ano ímpar na história do JN. Esforça-se por manter o optimismo perante um futuro que, “assim, é negro”.
“Nunca houve uma greve como esta, os sinais são de muita motivação e de muita união. Mobilização total das redacções. As redacções do Porto e de Lisboa estão completamente paradas, o site está completamente parado”, diz, com um sorriso nos lábios.
Caso o despedimento colectivo aconteça, é “o quarto desde 2002”. Augusto Correia, porém, mantém esperança de que não aconteça. Até porque o plano inicial não era esse. “Publicamente, a administração desmentiu e até hoje não disse nada. A nossa esperança é que a administração tenha repensado e venha apresentar não um despedimento colectivo, mas, sim, um projecto de investimento e um plano de crescimento. Foi isso que a administração disse a uma delegação do sindicato da qual eu fiz parte, em 26 de Outubro, de que o grupo World Opportunity Fund vinha para investir e para fazer bom jornalismo.”
Agora que os funcionários do quadro já começaram a receber os salários, ainda há quem tenha ficado para trás. “No email que enviámos à administração aproveitámos para mostrar a nossa preocupação com o pagamento dos colaboradores, várias dezenas de pessoas que trabalham com o JN.” Nos últimos anos, frisa, estes colaboradores começaram a receber os salários uns dias mais tarde. Agora, teme-se que o salário possa, no limite, ser pago depois do Natal.
Esta quinta-feira, os trabalhadores do Jornal de Notícias voltam à rua, desta vez fazendo o percurso entre a torre do JN e a Câmara Municipal do Porto.
O jornal vai falhar as bancas na manhã de quinta-feira? Não se sabe. “É uma possibilidade”, responde Augusto Correia. “Se acontecer, é triste ter menos um jornal nas bancas. Mas do ponto de vista da nossa luta, é obviamente muito importante.”