“A nossa família está a ser desmembrada.” Greve de funcionários do JN com quase “100% de adesão”

10 meses atrás 72

Esta quarta-feira, o Jornal de Notícias parou “completamente”. Ambas as redacções, do Porto e de Lisboa, esvaziaram-se de funcionários. Estão na rua, numa greve que contava, às 13h10 “com 100% de adesão”. Os cartazes, levantados em frente, não da “torre do JN”, para onde a força do hábito ainda nos atira o olhar, mas da nova sede, na Rua Monte dos Burgos, no Porto, resumem o estado de espírito: “Já nos tiraram da Baixa, agora querem tirar-nos das bancas.”

A 23 de Novembro último, um comunicado da administração da Global Media Group deixou (mais uma vez) os trabalhadores de órgãos de comunicação como o JN, o DN, O Jogo, a TSF e o Dinheiro Vivo, em alvoroço. Em causa estava o anúncio de uma “intenção de proceder a um despedimento colectivo” que pode envolver 150 trabalhadores do grupo.

Concentração de funcionários do JN no exterior da nova sede, na Rua Monte dos Burgos Fernando Costa

O Sindicato dos Jornalistas convocou então uma greve para todos os funcionários do grupo, a partir das 00h desta quarta-feira e até às 24h de quinta-feira (7 de Dezembro).

Rita Salcedas, delegada sindical e jornalista, sublinha que este pode vir a ser o “despedimento colectivo mais maciço da história do JN, em proporção com o número de trabalhadores”. Dos cerca de 90 funcionários, sobrarão cerca de 50. Pouco mais de metade.

“Não é possível produzir um jornal diário como fazemos com quase metade da redacção. Não seria o mesmo produto”, continua Rita Salcedas. No JN há sete anos, nunca passou por algo igual. “Nem eu, nem a malta que está cá há 20, 30 anos”, diz.

Quem está, efectivamente, há mais de 30 anos confirma. Uma jornalista, que preferiu resguardar o nome, fala da situação com uma tristeza que as lágrimas nos olhos não deixam fingir. “A nossa família está a ser desmembrada. Sentimos isso.”

Nova casa, novos problemas

O despedimento colectivo é uma das razões para a greve, mas não é a única. Somam-se os atrasos no pagamento dos salários, as falhas de comunicação com a administração e, entre outras, a mudança de instalações.

“Foi uma decisão muito negativa para nós. Ir para o extremo da cidade tirou-nos centralidade, visibilidade”, diz uma jornalista. Desde que o JN vive no Monte dos Burgos, há funcionários que perdem quatro horas por dia – duas para cada lado – em viagens. Para trabalhar num local onde, descreve quem melhor conhece o espaço, as condições não são suficientes.

“Há pessoas que para se levantarem têm de pedir ao colega do lado para passar”, queixa-se Rita Salcedas. “É um espaço muito pequeno.” Outros jornalistas queixam-se de “condições um bocado indignas em alguns aspectos”, como a falta de privacidade para algo banal no exercício do jornalismo como fazer uma entrevista.

“Fazemos milagres todos os dias ao produzirmos o produto que fazemos, que, assinale-se, é um produto lucrativo”, exclama a delegada sindical.

“Nunca houve uma greve como esta”

Augusto Correia, dirigente sindical e jornalista do JN, vê 2023 como um ano ímpar na história do JN. Esforça-se por manter o optimismo perante um futuro que, “assim, é negro”.

“Nunca houve uma greve como esta, os sinais são de muita motivação e de muita união. Mobilização total das redacções. As redacções do Porto e de Lisboa estão completamente paradas, o site está completamente parado”, diz, com um sorriso nos lábios.

Caso o despedimento colectivo aconteça, é “o quarto desde 2002”. Augusto Correia, porém, mantém esperança de que não aconteça. Até porque o plano inicial não era esse. “Publicamente, a administração desmentiu e até hoje não disse nada. A nossa esperança é que a administração tenha repensado e venha apresentar não um despedimento colectivo, mas, sim, um projecto de investimento e um plano de crescimento. Foi isso que a administração disse a uma delegação do sindicato da qual eu fiz parte, em 26 de Outubro, de que o grupo World Opportunity Fund vinha para investir e para fazer bom jornalismo.”

Agora que os funcionários do quadro já começaram a receber os salários, ainda há quem tenha ficado para trás. “No email que enviámos à administração aproveitámos para mostrar a nossa preocupação com o pagamento dos colaboradores, várias dezenas de pessoas que trabalham com o JN.” Nos últimos anos, frisa, estes colaboradores começaram a receber os salários uns dias mais tarde. Agora, teme-se que o salário possa, no limite, ser pago depois do Natal.

Esta quinta-feira, os trabalhadores do Jornal de Notícias voltam à rua, desta vez fazendo o percurso entre a torre do JN e a Câmara Municipal do Porto.

O jornal vai falhar as bancas na manhã de quinta-feira? Não se sabe. “É uma possibilidade”, responde Augusto Correia. “Se acontecer, é triste ter menos um jornal nas bancas. Mas do ponto de vista da nossa luta, é obviamente muito importante.”

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