A ternura dos quarenta

Na antiga e mui nobre cidade Invicta, não é só o vinho que melhora à medida que o tempo passa. Kepler Laveran De Lima Ferreira, globalmente conhecido como Pepe, celebra o seu quadragésimo aniversário e a sua carreira parece não querer baixar de nível. 

Natural de Maceió, no nordeste brasileiro, Pepe foi ´descoberto` no Corinthians Alagoano pelo Marítimo, mais concretamente por Nelo Vingada, treinador da equipa insular em 2001, altura em que o central chegou à Madeira, ainda para representar a equipa B. Depois, seguiram-se FC Porto, Real Madrid e Besiktas, antes de regressar aos dragões, em 2019.

Voltou já com 35 anos e, com certeza, muitos apontavam para breve o fim de ciclo de uma carreira tão titulada e bem reputada, depois de uma experiência menos positiva na Turquia. No entanto, Pepe foi dono do seu próprio destino e teve uns planos bem diferentes para a sua carreira.

Em jeito de comemoração, o zerozero falou com Nelo Vingada, o Pedro Alvares Cabral que passou o Oceano Atlântico para trazer o menino brasileiro de terras de Vera Cruz. O técnico, agora com 70 anos, mantem-se no ativo, sempre em low-profile, e mostrou-se satisfeito a falar de um jogador por quem guarda ´muito carinho`.

Foi em Maceió, no nordeste do Brasil, que Nelo Vingada descobriu Pepe, curiosamente, quando foi observar outro jogador: «Eu e o presidente (Carlos Pereira) fomos ao Corinthians Alagoano para trazermos um central. Vimos o jogo e quem escolhemos foi o Ezequias, que depois jogou no Porto também. O presidente da equipa disse que tinha um miúdo em quem tinham muita esperança e organizou um treino conjunto para o vermos.»

«Já se destacava no meio dos outros, com 17 anos. Era rápido, alto, muito agressivo, no bom sentido, lia bem o jogo e era forte no ar. Tinha algumas fragilidades musculares e era um pouco descoordenado, mas estava ali potencial. Conseguimos incluir o Pepe no pacote do Ezequias e veio para a equipa B, num primeiro momento», confessou Nelo Vingada ao zerozero.

«O que achei mais fascinante no Pepe foi a preocupação de se incluir na cultura, nos hábitos e na mentalidade da Madeira. Teve essa preocupação de experimentar as comidas e saber a história. A primeira vez que ele jogou na seleção, cantou melhor o hino que muitos dos portugueses». Nelo Vingada destacou também as suas qualidades humanas e a sua identificação com a cultura madeirense, considerando que, passado um ano da sua chegada, «já era mais madeirense do que brasileiro.»

Na segunda época ao serviço dos verde-rubros, Pepe teve um companheiro no eixo da defesa que o treinador considerou fulcral para a sua evolução: «Beneficiou muito da vinda do Van der Gaag, acho mesmo que foi uma bênção para o Pepe ele ter vindo. Ajudou-o muito, sendo um líder, e foi puxando pelos outros. O Pepe começou a jogar mais e a mostrar a sua qualidade.»

«Talvez se tivesse noutro clube, com tudo igual, mas numa região diferente não conseguia ter este rendimento.»

O ex-treinador do internacional português relembrou ainda, aquele que acha que foi o momento que colocou Pepe na órbita do Porto, em 2003. «Lembro-me de um jogo frente ao Porto, em que o coloquei a jogar a médio defensivo. Pedi para ele não marcar homem a homem, porque queria que também jogasse, mas o Deco não podia tocar na bola. Fez um jogo fantástico, o que demonstra o nível de cultura futebolística que tinha, ainda muito jovem. O Mourinho estava cego, o Deco não tocava na bola e o Pepe estava a jogar muito. O Deco acabou por agredir o Pepe e acabaram os dois expulsos, mas fez um jogo excelente. Acho que esse jogo acabou por traçar muito do que foi o destino dele.»

E qual o segredo para esta longevidade? Para Nelo Vingada; «O treino, o descanso, o repouso, a família e o contexto em que está inserido à volta dele»

«Para continuar a jogar a este nível tem de ser um profissional de eleição. Tem de ter uma vida familiar estável, cumprir horários de refeições, repouso. Atualmente não basta treinar bem, é preciso recuperar bem e descansar bem. Além do mais tem uma genética fantástica. Tem 40 anos e quase não perdeu velocidade, é incrível. Acho que a genética é um dos fatores diferenciadores, pois muitos jogadores continuam a jogar bem, mas chegam aos 35/36 anos e deixam de ter essa velocidade. O Pepe continua com esses argumentos.»

Sérgio Conceição falou, na antevisão ao jogo frente ao Gil Vicente, falou da importância de Pepe na equipa e no clube, dizendo que é o jogador que «melhor encarna os quatro pilares inegociáveis da equipa», sendo eles o rigor, competência, ambição e a paixão. Nelo Vingada orientou o técnico portista na seleção nacional de sub-20 e destacou a importância de Sérgio para a longevidade de Pepe: «Sem dúvida que o Sérgio conseguiu potenciar as capacidades do Pepe desde há cinco anos para cá. Quando chegou diziam ´Ele está velho, vai-se arrastar` e isso não aconteceu. Acredito que isso tenha muito a ver com a liderança e o estilo de comunicação que o treinador tem com o jogador.»

«O enquadramento Porto é fundamental para um jogador como ele. A cidade e o clube exaltam os valores de jogadores que têm estas características. Talvez se tivesse noutro clube, com tudo igual, mas numa região diferente não conseguia ter este rendimento. O Pepe esteve na Turquia e talvez foi onde passou a fase mais fraca da carreira. Passado cinco anos de Porto, o Pepe é melhor jogador agora do que foi no Besiktas.»

Como diz Paco Bandeira, na música A Ternura dos 40, ´Seguir viagem, com coragem, que é preciso`. E coragem, a Pepe, nunca faltou.