A vitória do Chega no Congresso do PSD

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Fazer a bancada do Chega passar de 50 deputados para 5 é um objectivo patriótico, partilhado por todos aqueles que não se revêem nos discursos xenófobos do partido português irmão de Marine Le Pen.

É verdade que o Chega foi buscar muita da sua votação ao praticamente extinto CDS (a AD deu ao partido uma nova vida a que a solidão de uma candidatura autónoma o condenaria) e aos votos que já foram do PSD. Também foi buscar à abstenção.

Como se recuperam estes votos? A questão é difícil, mas o discurso de Luís Montenegro no final do congresso foi um exemplo de como a direita tradicional está a tentar desesperadamente diminuir a votação do Chega à conta de comprar bandeiras perigosas – o discurso anti-imigrante, o discurso reaccionário contra as “aulas de cidadania de facção”, o discurso securitário.

A estratégia não é de hoje. Apesar de todos os números que são apresentados sobre a necessidade profunda de imigrantes em Portugal, Luís Montenegro tem-se gabado de que, desde que é Governo, o número de pedidos de autorização de residência diminuiu. Não sei como são as conversas do primeiro-ministro com os representantes do patronato, assustadíssimos com as políticas anti-imigração, mas tinha curiosidade em saber.

No Governo, considera-se que esta estratégia pode colher votos a prazo no eleitorado do Chega e que Luís Montenegro a faz sem pôr em causa os princípios constitucionais. O problema é que, não tendo evidentemente o discurso xenófobo de André Ventura, o primeiro-ministro toca-o e dá-lhe uma vitória.

Em que é que as aulas de cidadania não são propriamente constitucionais, como o primeiro-ministro sugeriu no seu discurso? Por lá se admitir a existência de famílias diversas? Mas isso é totalmente constitucional. Trata-se simplesmente de ir buscar uma das principais bandeiras do Chega, a que aliás o outrora muito liberal Pedro Passos Coelho já tinha recorrido no discurso de apresentação do já famoso “livro da família”.

O discurso anti-imigração começa por ser bastante anti-cristão (é interessante ver como tantos alegados católicos não se revêem na doutrina da Igreja neste domínio). É também antipatriótico: até aos anos 70, Portugal foi um país de emigrantes e não dos emigrantes qualificados que o Governo agora tanto diz acarinhar. Eram pessoas que fugiam da fome e da pobreza, e eram muitas vezes humilhados e ofendidos nas terras de destino, tal como os imigrantes que hoje chegam a Portugal. Qualquer discurso anti-imigrantes é um insulto à memória deste país, mas a extrema-direita e agora a direita – às vezes tão ciosa dos nossos “heróis nacionais” – nem se apercebe disso.

A extrema-direita pode ganhar tudo, mesmo que o Chega venha a diminuir substancialmente a votação em próximas eleições. O Chega é um exemplo da transumância entre a direita tradicional e a direita populista: tanto André Ventura como muitos dos seus dirigentes vieram do CDS e do PSD. O problema é que agora pode ocorrer em sentido inverso, com a AD a captar o discurso do Chega.

A nível europeu, já estamos a assistir à contaminação total das ideias da direita radical pelo establishment. O recente encontro do primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, trabalhista, com a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, para discutir imigração, foi um exemplo. Starmer é um óbvio flop nesta como em outras matérias: combateu a “política Ruanda” do governo conservador e agora aconselha-se com Meloni.

A classe política tem de fazer uma reflexão profunda sobre as razões do Chega ter atingido os 50 deputados. Saquear-lhes as bandeiras, contaminando o discurso social-democrata com a retórica da extrema-direita, é uma estratégia que apavora.

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