Nas aldeias do Alentejo, novas regras põem vida dos imigrantes em suspensão

2 horas atrás 16

“Se não fossem os imigrantes, em muitas destas aldeias e vilas, a situação seria pior para os portugueses que cá estão”, porque “sem gente não há terras”, afirmou Timóteo Macedo.

O vazio legal preocupa muito os imigrantes sul-asiáticos que apanham, sob o sol alentejano, as verduras e as frutas que chegam às prateleiras dos supermercados, e veem o processo de regularização cada vez mais longe.

“Estamos aqui, estamos a trabalhar, mas ansiosos em relação ao nosso futuro”, afirmou à Lusa Ganesh Guragain, que chegou a Portugal há três meses e está a viver há dois meses num contentor de uma multinacional agrícola perto da aldeia de Fataca, concelho de Odemira, a poucos quilómetros de Vila Nova de Milfontes.

Nas casas em redor, praticamente só se veem nepaleses, bangladeshianos ou indianos, e nas aldeias já há alguns estabelecimentos que não vendem café, apenas chá, a principal tradição daquela região do mundo. A poucos quilómetros, já noutra freguesia, São Teotónio, é um dos maiores centros de imigrantes sul-asiáticos do país, que organizam festas populares e transformaram, nos últimos anos, a paisagem humana alentejana.

Para quem veio há pouco tempo, a ansiedade é maior. “Ouvimos nas notícias que Portugal quer mudar as leis” da imigração e “isso preocupa”, reconheceu Ganesh Guragain, pouco depois de uma reunião com os dirigentes da maior associação de imigrantes do país, a Solidariedade Imigrante.

O seu presidente, Timóteo Macedo, esteve reunido com mais de meia centena de imigrantes nepaleses para discutir os desafios legais que enfrentam.

Em junho, o Governo suspendeu as manifestações de interesse, uma figura jurídica que permitia a legalização no país de quem chegasse a Portugal com um visto de turismo desde que tivesse 12 meses de descontos para a segurança social e para as finanças.

Era com esse recurso que Ganesh Guragain contava e agora não sabe como poderá regularizar-se no país onde trabalha e faz descontos. Uma situação que revolta Timóteo Macedo.

“Nós estamos no terreno, conhecemos a realidade dos imigrantes em Portugal”, um país que “precisa de muita gente” para trabalhar e para dar “novas vivências”, principalmente no interior despovoado, onde apenas há trabalho braçal para fazer.

“Se não fossem os imigrantes, em muitas destas aldeias e vilas, a situação seria pior para os portugueses que cá estão”, porque “sem gente não há terras”, afirmou Timóteo Macedo.

Na sua conversa com os imigrantes nepaleses da herdade, num dos contentores onde convivem, com ténis de mesa e máquinas de vending, a um euro cada lata de refrigerante, o dirigente recordou-lhes que “sem documentos as pessoas ficam fragilizadas e mais sujeitas à exploração”.

Hoje, a “política europeia criminaliza os imigrantes”, aprova um “pacto contra quem imigra” e “cria centros de detenção fora” do continente, uma tendência de isolamento de que Portugal é também parte.

“Portugal criou um mini-SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) dentro da PSP para fazer deportações e fechar as portas à imigração”, afirmou, salientando que esta política contraria a posição das associações empresariais.

“Os empresários dizem que sem vocês não havia agricultura. Os patrões da pesca dizem que sem imigrantes já não havia pesca. Sem imigrantes não havia restauração”, resumiu Timóteo Macedo, questionando logo de seguida: “Se os imigrantes fazem tanta falta então porquê querer mandar embora todos os imigrantes?”

Em declarações à Lusa, após a reunião, Timóteo Macedo lamentou que o tema não mobilize mais os portugueses. “Queremos um estado social forte, mas queremos uma sociedade civil muito mais forte, com poder de intervir e agir sobre as politicas”, defendeu.

No caso das imigrações, é necessário que o Governo “valorize o trabalho que as associações fazem”, em vez dos tradicionais “apoiosinhos para que façam umas atividades culturais e mais nada”.

Para tal, considerou, é essencial que a Agência para a Integração, Migrações e Asilo “retome o processo de regularização permanente para as pessoas que aqui estão a trabalhar e que contribuem para o desenvolvimento económico, social e cultural do nosso país”.

A manifestação organizada por várias associações de imigrantes para o dia 25 de outubro será uma forma de pressionar o Governo para recuar nas medidas protecionistas. “É preciso conquistarmos outros direitos e é aquilo que vamos fazer”, prometeu.

Shanta Bhandari veio do Nepal há seis meses para trabalhar numa empresa do setor ambiental e não sabe se vai conseguir regularizar a sua situação, tudo porque a suspensão das manifestações de interesse fechou-lhe a porta, por não ter 12 meses de descontos.

Mas o Governo português continua a autorizar descontos, mesmo a quem tem as portas fechadas para a regularização. “Não tenho acesso ao sistema, estou a descontar, mas não me sinto segura”, afirmou Bhandari.

Na mesma situação está Shyam Chapagain, a trabalhar há cinco meses em Portugal nesta herdade onde dorme num contentor fornecido pela multinacional. “Eu quero ficar cá, quando chegámos disseram que era possível resolver a nossa vida”, mas agora o seu caso “não é bom”, admitiu.

“Eu quero ficar em Portugal, mas temos de estar legais”, disse Chapagain.

Opinião semelhante tem Ganesh Guragain, que gosta do emprego na herdade, que lhe permite o sonho europeu.

“É um trabalho, não é mau. Mas isto só faz sentido se conseguirmos legalizar-nos”, resumiu.

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