«Acho que a FIFA está a fazer um jogo geopolítico»: porquê um Mundial no Usbequistão?

2 semanas atrás 42

12 anos depois, o Campeonato do Mundo de futsal regressa ao continente asiático. A edição de 2024 vai ser organizada pelo Usbequistão e tal significa que a Ásia já é o continente que mais vezes acolheu a maior prova mundial ao nível de seleções, com quatro de dez Mundiais. A escolha pelo território usbeque, no entanto, foi recebida com surpresa.

Numa altura em que Marrocos surgia como forte candidato a receber a fase final, a FIFA surpreendeu e levou a prova para um dos últimos lugares que o adepto podia estar à espera. Mas o que leva o Usbequistão a conseguir uma surpreendente nomeação? É a questão do milhão de euros à qual o zerozero procura responder.

«A FIFA está a tentar entrar sem olhar para o jogador principal: a Rússia»

Para procurarmos perceber o que pode estar na origem da decisão da FIFA em atribuir a organização do Campeonato do Mundo ao Usbequistão, sentimos a necessidade de recorrer a quem vive diariamente a realidade asiática de perto. Steve Harris, baseado no Japão, é um entusiasta, naturalmente, do futsal japonês, mas também do futsal asiático como um todo.

«Acho que isto finalmente explica a lógica inexplicável da FIFA em ter também escolhido a Lituânia [em 2021]», começou por nos dizer. Antes de prosseguir para a opinião propriamente dita sobre o que considera ter estado na origem da escolha, Steve Harris deixou o aviso: «Eu tenho noção de que a minha opinião sobre este tema pode acabar por me rotular como um conspiracionista.» 

qA comunidade global de futsal tinha assumido que Marrocos seria a escolha óbvia. O nosso problema é que estávamos a pensar em futsal, ao passo que a FIFA parece ter os olhos noutras questões

Steve Harris

A explicação dada é relativamente simples: tudo não passará de um jogo político. «Acho que a FIFA está a fazer um jogo geopolítico. Tal como a Lituânia foi simbólico por ser um membro novo da NATO no pós-Euromaidan [revolução ucraniana, em 2014], porque certamente não merecia o direito de organizar um Mundial, o Usbequistão está no coração de uma nova organização de cooperação internacional policêntrica que engloba os rivais da NATO/G7 como a Organização de Cooperação de Xangai (SCO), a Nova Rota da Seda (BRI) e a União Económica Eurasiática (EAEU). O Usbequistão talvez até se candidate, eventualmente, a uma entrada no BRICS», disse.

No meio de tudo isto, há um jogador importante, a Rússia, do qual a FIFA parece querer fugir. «Um novo mundo está a ser construído na Eurásia, muito distante da esfera de influência transatlântica. Acho que a FIFA está a tentar arranjar um caminho para entrar sem ter que olhar para um dos jogadores principais: a Rússia. O Usbequistão é um parceiro muito mais fácil de se trabalhar», acrescentou ainda.

Para Steve Harris, este jogo de interesses políticos acabou por atirar para segundo plano o que realmente importa aos aficionados do futsal, a modalidade em si. E a crítica de Harris é forte nesse sentido: «A comunidade global de futsal tinha assumido que Marrocos seria a escolha óbvia. O nosso problema é que estávamos a pensar em futsal, ao passo que a FIFA parece ter os olhos noutras questões.»

Um «colosso regional» pouco atrativo para turistas

Já ultrapassámos a questão do porquê da escolha, até porque essa já não pode ser alterada. O Usbequistão foi selecionado e no Usbequistão se vai concentrar o espetáculo. A dúvida que se segue é mesmo essa: há condições para um bom espetáculo? É o Usbequistão um país capaz de proporcionar um bom Campeonato do Mundo? 

qSe as pessoas vão encher os pavilhões? Acho que não vai ser muito diferente dos outros Mundiais. O Usbequistão não parece ser um grande centro turístico

Steve Harris

«Não serei a pessoa mais qualificada para falar da popularidade do futsal no Usbequistão, mas penso que é, sobretudo, um país de futebol. É um facto que o Usbequistão tem sido há muito tempo uma das quatro melhores seleções da Ásia e já organizou a Taça Asiática por três vezes, sempre com medalhas de prata conquistadas. Nesse sentido, numa perspetiva eurocêntrica, penso que se pode comparar o Usbequistão a um Cazaquistão ou Ucrânia: um colosso regional que ainda não conseguiu a medalha de ouro», atirou Steve Harris.

Sendo um país mais atento ao futebol, embora tenha já historial a organizar fases finais de competições de futsal, cria-se a questão em relação às assistências. Para um bom espetáculo é sempre necessário ter um pavilhão bem composto, algo que pode vir a não acontecer: «Se as pessoas vão encher os pavilhões? Acho que não vai ser muito diferente dos outros Mundiais. O Usbequistão não parece ser um grande centro turístico e tenho algumas dúvidas se os adeptos dos países vizinhos se vão sentir tentados a viajar até lá. Esperemos que viajem, caso contrário pode haver alguns jogos com assistências residuais.»

O Campeonato do Mundo arranca a 14 de setembro, em Bukhara, com um confronto entre Croácia e Tailândia. No mesmo dia, o anfitrião Usbequistão estreia-se, em Tashkent, frente à seleção dos Países Baixos.

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