Alain Delon. Uma vida marcada tanto pelo brilho quanto pela polémica

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O ator, conhecido pela “cara de anjo” – como era descrita – e pelo talento para a representação, faleceu aos 88 anos enquanto enfrentava os fantasmas do passado e a luta árdua entre os filhos.

Alain Delon, uma das maiores estrelas do cinema francês, famoso pela sua beleza e também pela presença marcante, construiu uma carreira de mais de meio século com 90 filmes aclamados, incluindo “Plein Soleil”, “Le Samouraï” e “The Leopard”. O seu fim chegou aos 88 anos com muita polémica nos últimos meses. Mas recuemos no tempo. O ator teve uma infância difícil, marcada pela separação dos pais aos quatro anos e um período num orfanato. A sua juventude foi conturbada, vivendo entre a casa do pai, que era projecionista de cinema, e a da mãe, que se casou novamente. Delon teve uma educação instável, tendo sido expulso de várias escolas devido ao seu comportamento rebelde. Também teve uma tentativa frustrada de fugir para os EUA na adolescência, o que resultou na sua prisão. Depois de abandonar os estudos, trabalhou na charcutaria do padrasto, mas continuou envolvido em brigas e gangues, o que lhe valeu uma reputação nada boa. Aos 17 anos, alistou-se no exército francês e foi enviado para a Guerra da Indochina, onde acabou por ser dispensado desonrosamente por roubo.

De volta a França, em 1956, afastou-se dos pais e passou a viver por conta própria, fazendo trabalhos temporários e envolvendo-se com o submundo de Paris. A boa aparência aproximou-o de várias mulheres, o que lhe garantiu abrigo e sustento. A sua carreira começou a mudar quando conheceu a atriz Brigitte Auber e, posteriormente, foi descoberto durante o Festival de Cannes em 1957. Recebeu uma oferta para atuar nos EUA, mas decidiu permanecer em França, onde iniciou a sua trajetória no cinema com pequenos papéis. Através de filmes como “Sois belle et tais-toi” (1959), tornou-se num galã em ascensão. Já em 1958, fora escolhido para atuar ao lado de Romy Schneider no filme “Christine”. Embora o relacionamento entre os dois tenha começado de forma conturbada, acabaram por se apaixonar. Contudo, a vida sentimental de Delon foi tudo menos calma. Apesar do sucesso, a sua relação com Schneider terminou em 1964, mas continuou a fascinar o público, com Delon a admitir em 2018 que Romy fora “o grande amor” da sua vida. Em 1961, Delon teve um caso com a atriz Nico, que deu à luz um filho, Ari, em 1962, mas Delon nunca reconheceu a paternidade. Em 1963, conheceu a modelo Nathalie Barthélémy, com quem se casou em 1964 devido a uma gravidez inesperada. Tiveram um filho, Anthony Delon, mas o casamento terminou em divórcio em 1969. Nos anos 60, Delon teve outros relacionamentos, incluindo com as atrizes Dalida – com quem cantou a famosa “Paroles, Paroles” -, Mireille Darc e Anne Parillaud. Teve também uma longa relação com Mireille Darc, que durou até 1982. Depois, Delon envolveu-se com a modelo holandesa Rosalie van Breemen, com quem teve dois filhos, Anouchka e Alain-Fabien, antes de se separarem em 2001.

Amores à parte, a carreira de Delon foi repleta de êxitos. Em “Plein Soleil”, de 1960, dirigido por René Clément, Delon interpretou Tom Ripley, uma personagem complexa e ambígua baseada no livro “The Talented Mr. Ripley”, de Patricia Highsmith. Este papel ajudou a consolidar a sua reputação internacional. Em “Rocco e i suoi fratelli”, do mesmo ano, dirigido por Luchino Visconti, Delon interpretou o sensível e sacrificado Rocco, numa história épica sobre uma família do sul de Itália que se muda para Milão. Em “Il Gattopardo”, de 1963, também dirigido por Visconti, Delon deu vida a Tancredi, ao lado de grandes nomes como Burt Lancaster e Claudia Cardinale. Já em “Le Samouraï”, de 1967, dirigido por Jean-Pierre Melville, Delon interpretou um assassino, criando uma das personagens mais icónicas da sua carreira e um exemplo clássico do “anti-herói”. Em “Le Clan des Siciliens”, de 1969, Delon fez o papel de um criminoso que se junta a uma família mafiosa siciliana. O filme foi um grande sucesso e é lembrado como um clássico do género de crime. Em “Le Cercle Rouge”, de 1970, mais uma colaboração com Melville, Delon foi um ladrão profissional envolvido num elaborado roubo. O filme é um dos grandes clássicos do cinema noir francês. E em “Monsieur Klein”, de 1976, dirigido por Joseph Losey, Delon interpretou um negociante de arte na França ocupada pelos nazis que se vê envolvido num caso de identidade trocada. Este papel complexo recebeu elogios dos críticos.

Os filmes em que participou posteriormente não foram sucessos de bilheteiras, mas a sua carreira brilhante não foi esquecida. No Festival de Cannes de 2019, realizado entre os dias 14 e 25 de maio, Delon recebeu uma Palma de Ouro honorária. Uma retrospetiva dos seus filmes foi exibida no festival. No entanto, a homenagem gerou controvérsia devido a comentários que Delon supostamente fez sobre o tratamento das mulheres na sua vida pessoal e carreira. Thierry Fremaux, diretor artístico do festival, abordou a polémica durante a cerimónia, destacando que “sabemos que a intolerância está de volta”. “Estamos a ser levados a acreditar que se todos pensarmos da mesma forma, estaremos protegidos do risco de sermos desaprovados ou de estarmos errados. Mas Alain Delon não tem medo de estar errado, de ser desaprovado, e ele não pensa como os outros, nem teme ficar sozinho”, afirmou. Delon, emocionado, afirmou: “Para mim, é mais do que o fim de uma carreira. É o fim de uma vida. Sinto como se estivesse a receber uma homenagem póstuma enquanto estou vivo”. Recebeu o prémio das mãos da sua filha, Anouchka Delon.

Os últimos anos de Delon foram tudo menos agradáveis. No ano passado, enfrentou controvérsia naquilo que diz respeito à sua ex-governanta, Hiromi Rollin, que disse ter tido uma relação de 33 anos com o ator. E também foram apreendidas muitas armas na sua propriedade. Para além disso, ainda no início deste ano, esteve envolvido numa árdua disputa familiar, com os seus três filhos a trocarem acusações públicas e a encetarem ações legais. A tensão começou quando Anthony acusou Anouchka de manipular informações médicas sobre o pai. Anouchka respondeu na televisão e Alain-Fabien apoiou Anthony, aumentando o conflito. A luta, que alguns dizem não ser motivada por dinheiro, reflete uma relação complicada entre Delon e os seus filhos, exacerbada por um histórico de relacionamentos conturbados e rivalidades. A tensão escalou de tal forma que, a 4 de janeiro, Alain Delon apresentou uma queixa contra o seu filho Anthony após uma entrevista deste à revista Paris Match. Na entrevista, Anthony falou sobre a saúde frágil do pai e acusou a sua meia-irmã, Anouchka, de manipular Delon em relação à herança. Anthony revelou que o seu pai está “enfraquecido” e que não aguentava mais “ver-se assim, diminuído”. 

De seguida, Anthony registou uma ocorrência contra Anouchka, acusando-a de não informar a família sobre os resultados de cinco testes cognitivos realizados pelo pai entre 2019 e 2022, após este ter sofrido um grave AVC em 2019. Por outro lado, Anouchka acusou os irmãos de colocarem em risco a vida do pai e garantiu ter tentado levá-lo à Suíça para continuar o tratamento. Anunciou que processaria Anthony por difamação, falsas acusações, ameaças e assédio. O advogado de Alain Delon declarou que o seu cliente não suportava “a agressividade do filho Anthony”, que continuava a dizer que o artista estava “senil”.

A 29 de março, Anouchka processou os irmãos por invasão de privacidade após a divulgação de uma gravação de uma conversa entre ela e o pai, no Instagram, em janeiro. Anthony e Alain-Fabien serão julgados por “uso, retenção ou divulgação de um documento ou gravação obtidos por invasão de privacidade”, com o julgamento marcado para abril do próximo ano. Apesar desta batalha, foram os filhos que anunciaram a sua morte. “Alain-Fabien, Anouchka, Anthony, assim como (o seu cão) Loubo, têm a imensa tristeza de anunciar a partida do seu pai. Faleceu pacificamente na sua casa em Douchy, rodeado pelos seus três filhos e pela sua família. (…) A família pede gentilmente que respeitem a sua privacidade neste momento de luto extremamente doloroso”, lê-se no comunicado divulgado, citado pela AFP.

Como se tudo isto não bastasse, Delon não estava a cair nas boas graças de muitas pessoas. Foi criticado pelo seu relacionamento próximo com Jean-Marie Le Pen, figura central do partido de extrema-direita da Frente Nacional da França, com quem disse ter “uma amizade de 50 anos”, segundo a BFMTV. Declarou igualmente que lamentava a abolição da pena de morte, segundo a Reuters, e manifestou-se contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o direito dos casais homossexuais de adotarem crianças. A enfrentar os fantasmas do passado e a luta familiar que não cessava, bem como enfraquecido fisicamente pelo cancro que o consumia, Delon foi colocado sob tutela reforçada por decisão judicial em abril, após uma audiência no tribunal de Montargis, na presença dos seus três filhos. Esta medida seguiu-se a um período em que Delon já estava sob tutela desde 25 de janeiro, com o curador nomeado pelo juiz a ter o poder de administrar as suas despesas. O cancro levou a melhor e partiu aos 88 anos. As homenagens multiplicam-se.

 Por exemplo, o presidente francês, Emmanuel Macron, descreveu Delon como “um monumento francês” que desempenhou papéis lendários. A seu lado, Jack Lang, ex-ministro da Cultura durante a presidência de François Mitterrand, lembrou a sua grande amizade com Delon, artista que descreveu como um “imenso ator”. Apesar das diferenças políticas, Lang destacou o respeito e afeto entre Delon e Mitterrand, mencionando a homenagem que prestou ao ator no Festival de Cannes enquanto era ministro. Rachida Dati, ministra da Cultura demissionária, também expressou pesar pela morte de Delon, afirmando no X (antigo Twitter) que França perdeu “a sua mais bela encarnação no ecrã”.

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