ANDEBOL | O desafio do último Leão campeão: «Treinador do Sporting tem de querer ganhar tudo»

5 meses atrás 55

O Sporting parte para a Fase Final do Grupo A com uma vantagem de quatro pontos relativamente a FC Porto, Benfica e ABC, as restantes três equipas que conseguiram o apuramento para este lote que vai definir o campeão do Campeonato Placard Andebol 1.

Numa altura em que os leões estão com a confiança em altas e num trajeto vitorioso, o zerozero folheou os livros de história e foi ao encontro do último treinador campeão com a camisola verde e branca. Hugo Canela foi o obreiro desse feito, antes de abandonar o cargo para dar lugar a Thierry Anti, técnico francês que esteve à frente da equipa durante a época 2019/2020.

Em conversa com o nosso portal, o timoneiro português relembrou os tempos dourados de leão ao peito, deixou vários elogios ao Sporting atual e indicou alguns conselhos relativamente à disputa da segunda fase, pois o modelo competitivo de 2017/2018 era semelhante ao que a turma de Alvalade vai encontrar.

ZEROZERO (ZZ): Como é que olha para este Sporting? São 22 jogos e 22 vitórias no Campeonato Placard Andebol 1, além de uma excelente prestação da EHF European League, onde estão nos quartos-de-final.

HUGO CANELA (HC): Vejo este cenário com muita alegria, uma vez que as apostas que foram feitas estão a resultar. Acho que criaram outro tipo de dinâmica, principalmente com um conjunto de jovens que dão outra imagem ao andebol. Os miúdos que estão a começar a praticar a modalidade ficam motivados, uma vez que podem ambicionar chegar aos seniores. Acima de tudo, acho que toda a gente sabia que os irmãos Francisco e Martim Costa eram muito bons jogadores. No entanto, penso que ninguém estava à espera que rendessem tanto num futuro imediato. Quando assinaram pelo Sporting estava ciente da qualidade que tinham, mas a verdade é que começaram logo a render e a serem importantes. Ou seja, a juventude é a base do processo e deixa-me feliz ver que a modalidade tem futuro.

ZZ: Se calhar essa irreverência da idade acaba por contrariar a experiência do FC Porto, que tem tido uma época algo atípica, pois somam mais derrotas que o habitual...

Hugo Canela
3 títulos oficiais

HC: Essa irreverência é positiva nos dias em que corre bem, não é? Eles têm esse aspeto desde o início do trajeto sénior, mas nos últimos dois anos não correu de feição em termos de campeonato. Nos momentos mais complicados, a irreverência pode ter sido (ou não) a causa de alguns desaires. Mas faz parte quando arriscamos. Quem não arrisca não consegue fazer nada e essa irreverência dá-nos isso, essa liberdade de tentar algo mais. Além disso, como já têm um certo estatuto, possuem a possibilidade de experimentar aspetos diferentes. Este ano as coisas estão a correr muito bem e o FC Porto, tal como referiu, está a ter uma época diferente, uma vez que mudaram de treinador, contaram com algumas lesões e tiveram de assimilar novas ideias. O Sporting, pelo que observo, não parece muito preocupado como é que os rivais estão. Estão a continuar o seu projeto e a colocar em prática as suas ideias. Tudo isto resulta em apenas vitórias no campeonato.

ZZ: Qual é que acha que são as principais qualidades deste Sporting?

HC: Neste momento, têm um guarda-redes que está ajudar imenso, o André Kristensen, um aspeto que considero fundamental para ser campeão. Para além disso, têm um conjunto de jogadores que resolvem jogos sozinhos, um aspeto que coloca de parte algumas ações táticas. Jogam muito rápido e conseguem, de forma simples, recuperar a desvantagem no marcador. Partilho da opinião de que estes são os principais aspetos a travar por parte dos adversários.

ZZ: Na última vez que o Sporting foi campeão, em 2017/2018, o Hugo Canela estava no banco de suplentes. Curiosamente, a prova tinha duas fases, mas mais equipas, seis no Grupo A e oito no Grupo B. Que dificuldades é que um treinador encontra neste tipo de formato, onde os pontos são transportados para a segunda fase?

HC: Acho que, inicialmente, o primeiro pensamento passa por achar que é um bocado injusto. Depois de fazermos um campeonato num excelente nível, irmos para a próxima etapa com a possibilidade de não ganhar... Neste momento, existem dois conjuntos que ainda têm possibilidades (matemáticas) de serem campeões, o Benfica e o FC Porto. O andebol tem destas coisas e existem exemplos passados que demonstram isso mesmo. Lembro-me do ABC, que teve o Carlos Ferreira lesionado durante a época quase toda, mas quando voltou... o ABC foi campeão através dos play-offs. Ou seja, existe esta apreensão inicial, mas depois, eu falo por mim, o que me dava segurança era o trabalho desenvolvido durante a fase regular, que tinha sido bastante sólido. Estávamos muito contentes, confiantes nos processos e acreditávamos no que fazíamos. Isso fez com que algumas dúvidas desaparecessem facilmente. Acima de tudo, a segunda fase é a continuação do trabalho. Portanto, acho que o Sporting não tem razões para ter fantasmas, basta acreditar no que está a fazer e, como todos podem observar, está a correr muito bem.

Hugo Canela ganhou dois campeonatos @Federação de Andebol de Portugal/PhotoReport.in

ZZ: O fator psicológico também assume um papel importante, pois basta perder um ou outro encontro para os adversários diretos se aproximarem da liderança. Ou seja, precisam de existir cuidados redobrados nesse sentido...

HC: Claro. A questão é que estamos a falar de jovens, mas jovens com muita experiência acumulada, devido ao percurso que tiveram no clube e nas seleções. Já estão a disputar as competições europeias há três anos consecutivos e, ao mesmo tempo, a lutar pelo título de campeão nacional, algo que já foge há algum tempo. Falo do Salvador Salvador, Martim Costa ou do Francisco Costa. Eles sabem muito bem o que querem e isso, na minha opinião, vai ser mais forte do que as dúvidas, medo ou inexperiência. Nós sabemos que o FC Porto tem atletas muito experientes e que sabem controlar os ritmos do jogo. Eles também já estiveram nesta fase.

ZZ: E a questão de existirem mais seis encontros? Na época em que foi campeão, existiam duas equipas, teoricamente, acessíveis, a Artística de Avanca e o Madeira SAD. Apesar de serem adversários com bastante valor, são diferentes dos duelos contra Benfica e FC Porto. Este ano, não existem 'jogos para descansar'.

HC: Acho que existem dois aspetos que adicionam dificuldades acrescidas. O primeiro passa por esta paragem da competição, pois as equipas que não estão assim tão bem, aproveitam para melhorar alguns aspetos e alguns atletas lesionados acabam por regressar. Por outro lado, os conjuntos que estão melhor, ficam com o ritmo quebrado. Uma pessoa, às vezes, pensa que disputar o título de campeão e estar nas competições europeias é desgastante, mas traz-nos outro tipo de aspetos: um ritmo elevado. Ou seja, o treino de hoje é o aquecimento de amanhã. De repente, paramos e isso pode mexer um bocadinho com o aspeto mental. Depois, temos de pensar que já não vão existir encontros desequilibrados como na fase regular, onde existem três ou quatro partidas muito complicadas e, de vez em quando, alguém cria dificuldades às equipas de topo. Não há tempo para nos reorganizarmos, mas quando os processos estão bem definidos...

ZZ: Volto a fazer uma comparação com 2016, pois conquistaram a Taça Challenge e, no ano seguinte, foram à Champions League. Em 2023, o Sporting tem esse tipo de exigência, pois vai defrontar o Rhein-Neckar Lowen. Como é que um técnico olha para este paradigma? O campeonato é o objetivo principal e tudo o resto vem por acréscimo.

Hugo Canela confiante num desfecho positivo @PhotoReport.in/Federação de Andebol de Portugal

HC: Um treinador do Sporting tem sempre de querer ganhar tudo. O Campeonato Placard Andebol 1 é o aspeto mais importante, mas num momento de forma destes, acho que temos de ser ambiciosos para tentar ir o mais longe possível. Os jogadores também querem isso. Conquistar um título europeu é algo espetacular, portanto, eu vejo isso como um aspeto positivo. Mas tudo isto é aproveitado se não existirem lesões. Imaginem se o Martim ou o Francisco Costa se lesionarem... Nós, quando estamos felizes e contentes, não pensamos noutro tipo de cenários. Só queremos ganhar o próximo jogo.

ZZ: Para terminar, gostava de propor um desafio ao Hugo. Quais é que acha que vão ser as principais surpresas e o campeão desta Fase Final?

HC: Estou muito curioso com o Benfica, pois os treinadores espanhóis têm uma ideia de jogo muito própria. De jogar dois contra dois e com os pivôs. Quero ver o que tem reservado para esta fase. Para além disso, o FC Porto, que conta com um Carlos Resende e jogadores bastante experientes, vai lutar para ganhar o campeonato mais uma vez. Um dos aspetos giros do andebol é este, pois as equipas estão praticamente no mesmo nível e o outcome é difícil de adivinhar. Nós podemos dizer que o Sporting esteve melhor na fase regular, mas não podemos deixar as restantes fora da corrida. Temos que acrescentar a esta equação a pressão, os resultados e as exibições. Existe alguma imprevisiblidade no que toca ao desfecho final, o que é ótimo para a prova.

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