Angra do Heroísmo: a cidade classificada que renasceu dos escombros e tem a história nas paredes (e no prato)

9 meses atrás 87

Ana Baiao

Uma das vigas desta casa é um mastro de uma nau quinhentista. Foi recentemente desvendado, depois de se retirar o teto que o escondia. De nariz no ar, Jorge Santos aponta a poderosa trave de madeira, um dos vários tesouros que encontrou na casa que comprou há um ano na rua do Santo Espírito, no centro de Angra do Heroísmo. O imóvel, de três pisos, vai ser transformado num boutique hotel com 33 quartos. Mas antes disso, é uma escavação arqueológica de onde já saíram moedas do reinado de D. Sebastião. O proprietário está encantado: “procurava um edifício com interesse histórico para fazer um projeto hoteleiro diferenciador”.

Quando visitou o imóvel e o anexo, Jorge suspeitou que tinha ali aquilo que procurava. Viu as paredes largas em construção tradicional, as lajes do pavimento, sabia que a construção era antiga. Mas os últimos meses superaram as expetativas. No piso térreo da casa são visíveis as condutas onde correu a Ribeira dos Moinhos, que serpenteava pela cidade, e ali há vestígios de moinhos, no quintal das traseiras apareceram duas moedas, uma do tempo de D. Sebastião (1580), outra de D. António Prior do Crato – que chegou a ser aclamado rei na Terceira.

“Durante um mês e meio parecia o Indiana Jones, a descobrir coisas”, diz Jorge Santos. Hoje percorremos os vários espaços com o brilho dos seus olhos a iluminar o caminho. É o primeiro projeto deste terceirense de 38 anos, que regressou à ilha em 2018 com a mulher (natural de Angra) e os filhos, disposto a fixar-se e a investir aqui, depois de 12 anos em Lisboa a trabalhar em mediação de aquisições de empresas. Prevê que a obra, um investimento de €2,2 milhões, dure três anos, e não parece inquieto: “Ainda não construímos um tijolo que seja. Estamos na fase de demolição, de escavar”.

Os trabalhos arqueológicos decorreram com o apoio de técnicos da Direção Regional de Cultura dos Açores (DRAC) – a entidade que tutela a zona de Angra de Heroísmo classificada como Património da Humanidade em 1983. Um reconhecimento com 40 anos e que surgiu três anos depois de um violento sismo que deixou a cidade de rastos, com mais de 80% dos edifícios danificados.

Nem assim se apagou a história. A viga de madeira no teto da casa de Jorge veio de uma das muitas naus que naufragaram nestes mares no século XVI a caminho das Índias ou do Brasil. A madeira era vendida ou leiloada, passando a fazer parte desta e de outras casas da cidade. “Chamavam-lhe o vento Carpinteiro”, diz o arquiteto Ângelo Santos, referindo-se aos vendavais que destruíam os barcos e davam trabalho aos carpinteiros da ilha.

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