Ansiedade, stress, depressão. Época de exames é uma fábrica de futuros adultos ansiosos

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Educação

26 jun, 2024 - 06:00 • Ana Kotowicz

O coração acelera, as pupilas dilatam e em 90 minutos é preciso fazer um exame que pode decidir a vida toda. A pressão, que só vai acabar a 28 de junho com o último dos exames nacionais, deixa marcas na saúde mental dos alunos, que nem sempre desaparecem. Repensar o acesso ao ensino superior é um pedido antigo das comunidades educativas, que, enquanto isso não acontece, tentam dar ferramentas aos alunos para lidar com o stress. Certo é que a ansiedade é cada vez mais visível nos bancos das escolas.

E se um mamute, ao vivo e a cores, se cruzasse no seu caminho? É garantido que o coração ia disparar (além de outros truques que o sistema nervoso usaria para o pôr em estado de alerta) –, mas isso seria positivo. Ou era, na Idade da Pedra, quando mamutes e homens coabitavam. Num cenário do século XXI, o stress causado pelo animal de dois metros pode ser provocado por uma pergunta de Física e Química, se for feita num exame fundamental para entrar no ensino superior. Ter de dizer quantos eletrões, protões e neutrões tem o ião 197Au3+ pode fazer dilatar as pupilas. De novo, há um lado positivo: essa ansiedade pode ser boa para quem sabe a resposta (76 eletrões, 79 protões e 118 neutrões), e péssima para quem se esqueceu que Au é o símbolo químico do ouro.

Mamutes, tigres de sabre, números atómicos e tabelas periódicas à parte, a época dos exames nacionais – que arrancou a 14 de junho e se prolonga até 28 – é sinónimo de stress e ansiedade para os alunos, especialmente para os que já se focam na passagem para o ensino superior.

Se borboletas na barriga sempre houve, os números mostram que a situação piora. As notas de entrada de alguns cursos estão em valores impossíveis, uma centésima a menos pode impedir a entrada na primeira escolha, e a competição é maior. A pressão vem de todos os lados — alunos, pais e escolas —, num sistema que os próprios diretores ouvidos pela Renascença consideram pouco saudável. O motivo? Põe a saúde mental num dos pratos da balança e o sucesso no outro. Mas, mesmo entre diretores, há quem não diabolize os exames, preferindo que a alternativa seja mexer no sistema de centésimas que impede alunos com notas elevadíssimas de chegarem ao curso desejado.

Entre psicólogos, alerta-se para uma sociedade competitiva que está a fabricar uma geração de adultos ansiosos, onde ter um 19 (quando a expectativa era um 20), pode ser um golpe na autoestima e levar o estudante a sentir que está perante um insucesso.

Nas escolas públicas e nos colégios procuram-se cada vez mais soluções que ajudem os jovens a encontrar a calma que precisam para lidar com momentos de avaliação, ajudando-os a perceber as próprias emoções. E se há ideias contraditórias, e as soluções preferidas nem sempre são as mesmas, há, pelo menos, uma em que os especialistas ouvidos pela Renascença são unânimes: o modelo de acesso ao ensino superior está doente e precisa, também ele, de cuidados médicos.

Exames mexem com os nervos, mas jovens estão mais ansiosos

“Nós somos humanos, não somos pedras”, diz Filinto Lima, líder de uma das duas associações de diretores das escolas públicas existentes em Portugal. “É evidente que quando somos avaliados, quando é avaliado um aluno, ou até um adulto, todos nós estamos nervosos. É intrínseco à condição humana”, diz o presidente da ANDAEP — Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas.

“As pedras é que não têm emoções”, sublinha Filinto Lima, frisando que, nesta altura do ano, os alunos estão a ser julgados pelos três anos de trabalho do ensino secundário e isso tem custos no sistema nervoso.

Quando é de ansiedade que se fala, estar numa escola pública ou numa privada pouca diferença faz. Também nos colégios, Rodrigo Queiroz e Melo vê acontecer o mesmo.

“A perceção que nos chega dos nossos associados é que têm aumentado os níveis de ansiedade. Não sabemos se é a geração dos que nasceram em 2000, ou em 1995. Enfim, há um agudizar desta questão”, refere o presidente da AEEP, Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo.

Motivos? Encontra vários: “Parece-me que há alguns fatores diferentes que contribuem para isto. Por um lado, Portugal evoluiu muito no número de alunos que estão no ensino secundário. Se pensarmos nas percentagens de alunos que nasceram na década de 1970, apenas 15% foram para o secundário. Agora vão 100%. A competição em Portugal para o acesso ao ensino superior aumentou muitíssimo”, defende Queiroz e Melo.

Os números confirmam a sensação que se vive nas escolas. Se, no ano letivo 2021/22 um total de 42,2% dos adolescentes tinham “sintomatologia depressiva”, esse valor subiu para 45% em 2022-2023 — valor mais recente do estudo “Mais Contigo” que olhou para cerca de 13 mil adolescentes e é uma iniciativa da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra.

Além disso, entre os alunos do 3.º ciclo e do secundário, encontraram-se indícios e manifestações de depressão moderados (14,8%) ou graves (15,3%).

Sucesso académico como gerador de ansiedade

“Tem sido crescente o número de alunos, de estudantes, nomeadamente no secundário, mas também no próprio ensino superior, que manifestam sintomatologia ansiosa associada muito particularmente às questões académicas”, revela Sofia Ramalho, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos.

Tal como entre os adolescentes, um estudo realizado em 2022, mostra que quase metade (48%) dos universitários tem sintomatologia grave do foro psicológico, como depressão, ansiedade ou perda de controle. Estes dados da associação RYSE e da Associação Nacional de Estudantes de Psicologia foram divulgados em 2023.

“É cada vez maior o número de alunos que manifestam uma sintomatologia ansiosa, portanto uma ansiedade que interfere com a sua saúde mental quando estão perante questões de desempenho académico, seja no secundário, seja no ensino superior”, esclarece Sofia Ramalho. “É cada vez maior e, aliás, é um dos fatores que mais leva os estudantes à procura de apoio psicológico e à sua sinalização nos serviços de psicologia, seja das escolas, quando falamos no secundário, seja nas instituições de ensino superior.”

Este stress, que nestas semanas pode ser sentido de forma mais intensa, não é de cura instantânea e pode deixar marcas. “Sabemos que isto tem um peso muito significativo na saúde mental dos jovens. E porquê? Porque há uma pressão muito grande para o sucesso. É uma pressão do próprio aluno, é uma pressão dos outros amigos, dos seus pares, dos seus professores, que, no fundo, também têm de apresentar resultados nos rankings, vamos dizer assim”, afirma a psicóloga, referindo-se aos rankings das escolas que, anualmente, ordenam os estabelecimentos de ensino pelo sucesso académico dos alunos.

Este ano, os resultados serão conhecidos a 12 de julho.

Sem mudanças, o futuro não é brilhante. “Parece-me que estamos a criar jovens e adultos cada vez mais ansiosos, a partir do momento em que permitimos que este tipo de situações aconteçam, que este foco nos resultados, o foco no sucesso aconteça, porque isto interfere com várias componentes do ponto de vista da nossa saúde mental”, defende Sofia Ramalho.

As sociedades mais competitivas, argumenta a psicóloga, geram muito mais ansiedade, enquanto as sociedades mais cooperativas criam redes de apoio e favorecem o bem-estar. “A partir do momento em que cada vez mais as médias são elevadas, cada vez mais a competitividade aumenta, cada vez mais aquilo que esperam de mim, do ponto de vista do resultado — que é um resultado excecional —, está mais distante daquilo que sinto em mim como sendo o meu potencial... É esta diferença entre aquilo que eu sinto ser o meu potencial e aquilo que me é exigido do ponto de vista do resultado final, é esta diferença, que muitas vezes é muito grande, que gera realmente um problema.”

E, em última análise, pode ser “destrutivo do ponto de vista daquilo que é, por exemplo, o projeto de vida” de um jovem. “Estamos a fabricar cada vez mais estudantes com este tipo de dificuldades.”

Queiroz e Melo prefere antes falar de um movimento mais amplo, “de uma sociedade mais frenética e que não tem só a ver com o que se passa no sistema de ensino, mas que também está no sistema de ensino”, relacionado com “a velocidade a que as pessoas têm de agir, reagir — e que querem agir e reagir”. E há “os níveis de ansiedade provocados pelo FOMO, fear of missing out”, com grande impacto nos jovens.

“De alguma forma, isso não tem só a ver com as escolas, mas com a vertigem e a voracidade da vida moderna, com o mundo digital constante e com os choques de dopamina dos likes... Tudo isso tem impacto necessariamente em jovens que estão em desenvolvimento. Diria que não é o resultado da escola, é o resultado com que depois também temos que lidar na escola”, conclui o professor.

O sistema não é saudável?

Apesar de haver ferramentas legislativas que permitem fazer uma avaliação mais abrangente – os decretos leis em causa, do ministro Tiago Brandão Rodrigues, ficaram conhecidos como o da Flexibilidade Curricular e o da Educação Inclusiva — a prática das escolas continua a ser muito centrada nas notas, defende Sofia Ramalho.

Para se passar da teoria à prática, acredita que os próprios professores têm também de ser formados para perceberem como se valorizam competências transversais. “Como é que podem pontuar, por exemplo, a criatividade? Como é que podem pontuar, por exemplo, a capacidade de resolução de problemas? — e não estamos a falar da resolução de problemas matemáticos meramente. Isto implica mudanças efetivas e, para isso, é preciso preparar também os profissionais”, defende a psicóloga.

Quando se fala de exames nacionais, e do seu peso na passagem para o ensino superior, Manuel Pereira, presidente da ANDE — Associação Nacional de Dirigentes Escolares, é uma das vozes que recorrentemente pede que se repense a forma de acesso às universidades.

“O atual modelo de acesso, em que alguns cursos são definidos por uma centésima, não é um modelo saudável. É um modelo que cria injustiças e, em muitos casos, cria problemas de saúde que dificilmente são ultrapassados nos tempos seguintes”, diz o diretor do agrupamento de Escolas de Cinfães. E reforça a ideia. “Não é um modelo saudável. Não é. Porque? Há esta pressão que os próprios alunos colocam sobre si, às vezes acrescida pela pressão dos pais, das escolas”, acrescenta, recordando que as médias para o ensino superior estão cada vez mais altas.

Um desses exemplos é o do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa. Em 1997, em Engenharia Aeroespacial havia 35 vagas e a nota do último colocado era de 155 pontos. Em 2023, as vagas disparavam para 120. A média? 188,5, depois de em 2020 ter chegado aos 191,3 pontos.

“Nós sabemos que se olharmos, por exemplo, para aquilo que são as médias nacionais, numa boa parte dos cursos no ensino superior, são médias elevadíssimas: isso, por si só, traz um peso muito significativo para a importância dos exames”, conclui Sofia Ramalho. “Todos querem que o aluno tenha a melhor nota possível, incluindo o próprio estudante, para poder entrar no curso que quer.”

Para Manuel Pereira, há uma mensagem importante a passar. A escola tem a obrigação de desdramatizar, preparar os alunos para os exames, mas deixando claro que “os exames nunca são uma questão de vida ou de morte” e que devem fazer o seu melhor, mas sem angústia. “O melhor pode não ser aquilo que os pais querem ou que a própria sociedade quer. Importante é que eles percebam que na escola, como na vida, somos obrigados a fazer o nosso melhor e, a partir daí, não temos mais obrigações, digamos assim.”

A mensagem nem sempre passa e ficar longe da nota pretendida pode ser encarado como um falhanço na vida académica e que pode ser superado, ou não.

“Estas experiências de insucesso fazem com que, na vez seguinte, os alunos já vão com a perceção de competência mais baixa, uma perceção de autoestima mais baixa e isso gera em si mesmo uma maior probabilidade do resultado também ser mais baixo”, explica a psicóloga Sofia Ramalho. E essa sensação de derrota académica tem pouco a ver com a nota em si.

“O que é que é o insucesso? Não é tirar negativa. O insucesso é não ter alcançado aquilo que pus como meta. Se a minha meta era 20, e tirei um 19, posso ter uma sensação de insucesso. Se a minha meta era um 18 para poder entrar na faculdade e tirei 17,7 e não vou entrar, isso é sentido como insucesso”, esclarece a vice-presidente da Ordem dos Psicólogos.

As centésimas e a pressão que destroem o aluno

“Em algumas situações, há uma competição doentia entre os nossos alunos, mas devido ao modelo de acesso que temos”, defende Filinto Lima, que dirige um agrupamento de Vila Nova de Gaia, o Doutor Costa Matos. “Por uma centésima, o aluno pode não entrar na faculdade que pretende ou no curso com que sempre sonhou. Por uma centésima, a vida de um aluno pode estar hipotecada. Isso é demasiado errado.”

Rodrigo Queiroz e Melo reconhece que há um nível de ansiedade entre os alunos potenciado pela maior competição que existe. E as centésimas decisivas não ajudam. Na AEEP, quando se fala em mexer no acesso ao ensino superior, fala-se, por isso mesmo, de rever estas minudências.

“O que distingue um aluno que tem 17,8 ou 17,7 é a mera sorte. É aleatório, é porque saiu uma pergunta que entendeu de forma mais fácil”, defende Queiroz e Melo. “Se é uma questão de sorte, então que seja por sorteio, a partir do 17. Isto é apenas uma ideia para mostrar que se estamos a usar as centésimas, que são aleatórias, então usemos uma aleatoriedade que não implica na ansiedade do exame.”

Uma ideia que assume, “pode parecer estranha”, mas que representa o pensamento da associação de escolas privadas: “É importante continuar a ter exames. Não é importante distinguir os alunos à centésima através de exames.”

Outra questão levantada por Queiroz e Melo é o papel dos pais. “Há uma sensação, certa ou errada, de que esta geração de pais está muito preocupada com o futuro profissional dos seus filhos e, portanto, com o sucesso escolar na medida em que bons resultados levam a um bom curso superior, com alta empregabilidade.”

Mas a pressão parental pode começar anos antes de uma universidade estar no horizonte do aluno. “Hoje em dia temos algo que antes não se passava. Temos famílias que reclamam das notas no ensino básico. Isto é um nível de preocupação que antes não existia e que necessariamente contamina toda a relação dos filhos com as escolas.” Ou seja, parte da ansiedade dos alunos pode ser induzida pela pressão dos adultos.

Filinto Lima também já se deparou com esta realidade. “Há pais que pressionam os filhos desde o primeiro ano de escolaridade. Alguns deles, até desde o pré-escolar. Querem Cristianos Ronaldos da educação. Acho que isso é uma grande asneira”, defende o diretor. “Pressionam os filhos a uma competição muitas vezes doentia, que não serve para nada.”

E há soluções nas escolas?

Psicólogos a trabalhar com os alunos, atividades extracurriculares que promovem o autoconhecimento, ou sessões de esclarecimento sobre saúde mental e o seu equilíbrio são algumas das fórmulas encontradas nas escolas, como descreveram os vários diretores ouvidos pela Renascença. E, contam, se há mais alunos a procurar ajuda, também há professores mais preparados para detecar sinais de alarme.

“Cada vez mais temos associados a adotar momentos ligados ao lidar com as emoções, o quiet time, os iogas, as escolas religiosas sempre tiveram o olhar para dentro, ter momentos de relaxamento, controle de emoções. Hoje em dia, geralmente como extracurricular, é muito, muito presente e muito forte em muitos colégios”, diz Queiroz e Melo que compara o momento atual com aquele em que o inglês começou a surgir no 1.º ciclo, ainda antes de estar no currículo nacional.

“Neste momento, talvez ainda timidamente, já há em muitos colégios esta abordagem às emoções e estou convicto que com o passar do tempo vai acabar por ser uma coisa generalizada”, acredita.

De resto, não tem dúvidas sobre os benefícios. “Para um processo educativo bem sucedido, preciso ter alunos com as emoções equilibradas. E não é o processo educativo mal sucedido que está a desequilibrar as emoções. O aluno que se desequilibra de forma relevante no exame, não foi o exame. O exame é o fator catalisador de um mal-estar”, argumenta o líder da AEEP.

Com esta abordagem, evita-se que o momento de avaliação seja o gatilho, além de se ensinar a ter um equilíbrio emocional e a gerir as suas emoções, uma lição que fica para a vida e que pode tornar a época de exames mais fácil, sem a sensação de que um mamute acabou de entrar na sala.

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