ANTÓNIO AREIA - PARTE II | «Temos uma geração que não dá nada por garantido»

3 meses atrás 66

António Areia é um dos nomes mais importantes da história recente do FC Porto. O ponta direita, atualmente com 34 anos, tornou-se peça fundamental para todos os treinadores que passaram no banco de suplentes portista, clube que representou entre 2015 e 2024, depois de abandonar o Benfica.

Os primeiros anos não foram fáceis, uma vez que o emblema da Invicta esteve habituado a vencer com sete campeonatos consecutivos. Durante algum tempo, a tendência não se verificou, mas tudo mudou a partir de 2018/2019, altura em que voltaram a um caminho vitorioso no que toca a títulos.

Nunca se escondeu das decisões @FPA

O camisola 25 sempre foi importante. Foi nessa temporada mencionada, aliás, que rubricou a melhor época da carreira em termos de golos - 246 em 55 jogos. O internacional português é sinónimo de remates certeiros e prepara-se, agora, para continuar a «espalhar classe» com a camisola do Tremblay HB, equipa que subiu ao principal escalão do andebol francês em 2024/2025.

Nesta segunda parte da entrevista ao zerozero, António Areia abordou o capítulo da Seleção Nacional e explicou que os pequenos detalhes fizeram a diferença para que os Heróis do Mar não pudessem atingir algo mais durante este ano. Lembra, também, os objetivos para o Mundial 2025 e argumenta no que toca à fórmula de sucesso portuguesa.

PARTE I

ZZ: Continua a ser dos jogadores chamados à seleção nacional. Este ano já disputaram o Euro 2024, a qualificação para os Jogos Olímpicos e a qualificação para o Mundial diante da Bósnia e Herzegovina. Que balanço é que faz até então?

AA: Bem, este ano está a ser o ano do 'quase'. No Europeu ficamos, por culpa própria, dependentes do resultado de outras seleções. O problema é que a Eslovénia ganhou à Dinamarca... Mas se tivéssemos vencido os Países Baixos pouco tempo antes, tínhamos resolvido o problema. Quase que conseguíamos aquilo que queríamos, que passava por disputar o top sete/oito. Ainda assim, acho que foi uma competição interessante, pois existiram algumas mudanças na equipa. Tivemos de lidar com algumas lesões e os mais jovens deram uma grande resposta. O Salvador Salvador revelou-se numa forma incrível, o Martim Costa esteve imparável e até contou com um primeiro jogo não muito feliz. A partir daí, levou uma injeção dos mais velhos [risos].

ZZ: Incluiu-se nesse lote?

AA: Sim, sim. Gosto de estar envolvido nessas situação quando acho que as pessoas merecem. O Martim é um miúdo que merece a ajuda quando é necessária. Um rapaz que faz muito por ter sucesso, de forma humilde.

Foi por pouco @Anze Malovrh / kolektiff

ZZ: Se calhar já tinham feito isso consigo no passado.

AA: Existiram vezes em que sim, outras que nem por isso. Também cresci com isso. Mas como estava a referir, senti que depositaram muita confiança no Martim pela época que fez. Depois daquele primeiro encontro, percebi que tinha o dever de agir. Não fui só eu, atenção. A maior parte do trabalho é dele, pois também quis mudar para melhor. Dei-lhe um boostzinho de confiança e acabou por fazer uma prova excecional. Acima de tudo, acho que estivemos a um nível altíssimo em todos os duelos, mas o resultado dos Países Baixos não ajudou. 

ZZ: Pode falar-se de cansaço? O FC Porto ainda estava a disputar a EHF Champions League e o Sporting encontrava-se na EHF European League.

AA: Pode, mas acho que não se deve. Nós, jogadores, se queremos ser chamados à seleção para disputar este tipo de competições, não podemos falar de cansaço. Colocando as coisas noutro tipo de perspetiva: podem argumentar com o cansaço, mas têm que fazer as coisas para que esse aspeto não interfira nas respetivas prestações individuais. Para te manteres neste nível, tens de estar sempre em competição e eu, como atleta, é o que me dá mais gosto. Treinar pouco e jogar muito [risos]. É necessário fazer uma recuperação pessoal com a ajuda de equipas médicas e fisioterapeutas.

ZZ: Acabou por se transferir para França, o país que irá acolher os Jogos Olímpicos de 2024. No entanto, Portugal não conseguiu carimbar esse passaporte.

AA: Novamente: foi o 'quase' no jogo com a Hungria. Perdemos com a Noruega e depois ganhámos à Tunísia. No embate decisivo, o pavilhão estava brutal e com um ambiente incrível. Ainda assim, demos uma boa imagem e fomos sempre competitivos. Acabamos por cometer alguns erros infantis, desnecessários, que comprometeram o resultado final. A Hungria passou para a frente do resultado e não demos a volta até ao apito final. Tudo isto em poucos minutos. 

ZZ: São esses ambientes que os jogadores gostam.

AA: Claramente. Lembro-me de um jogo contra a Suécia, em que tinham mais de dez mil adeptos. Não sei se posso dizer isto desta forma, mas espetámos um cabaz à Suécia [risos]. Por outras palavras, conseguimos uma vitória de forma bastante distinguida [risos]. São essas vitórias que nos dão gosto.

ZZ: No jogo contra a Bósnia também lidaram com um forte apoio vindo dos adeptos da casa...

Amizade que vai para além dos clubes @Kolektiff / EHF

AA: É uma realidade diferente e são povos diferentes, a verdade é essa. Os balcãs sempre foram muito mais efusivos no que toca a apoiar as respetivas seleções e equipas. O ambiente estava espetacular, tal como tinha acontecido em Guimarães. Em Portugal contruímos uma vantagem que nos concedeu outro tipo de tranquilidade para a segunda mão. Estivemos relaxados, mas não devíamos, pois vão existir alturas em que poderá correr mal. Ainda assim, esteve tudo bastante controlado e era difícil perder. Claro que queríamos ganhar, mas isso não comprometeu o apuramento, o principal objetivo.

ZZ: No seu caso, já tinha lidado com esse ambiente na EHF Champions League, contra o RK Vardar, da Macedónia do Norte, por exemplo.

AA: Chegamos a empatar lá, se não me engano. Pavilhão incrível. Quando estava no Benfica, fui jogar ao recinto desportivo do RK Partizan. Tinha bandeiras por tudo o que era lado. Encontrava-me na ponta e as bandeiras passaram-me à frente de dez em dez segundos. Cigarros, tudo. Podia fumar-se lá dentro. Quer dizer, não se podia fumar, mas o que é certo é que cheirava a tabaco [risos]. 

ZZ: Já falámos anteriormente do jogo com a Bósnia e Herzegovina. Alcançaram a qualificação para o Mundial e sabem que vão enfrentar a Noruega, Estados Unidos da América e Brasil.

AA: A Noruega acaba por ser o adversário mais complicado. Temos algum historial com eles, tanto positivo como negativo, um cenário verificado de igual modo com o Brasil. Não me esqueço daquele encontro amargo em que tudo correu mal e empatámos no último lance. Inclusive, o fotógrafo que estava do lado de fora deu a bola rápida ao Brasil para permitirem que eles batessem o livre. Os Estados Unidos da América também são uma seleção a ter em conta. Não é um grupo nada fácil. O que vai facilitar a nossa passagem é o trabalho que fizermos e a competência que implementarmos. 

ZZ: Qual o objetivo da seleção para a competição?

O Europeu do 'quase' @FPA

AA: Passar a fase de grupos e depois ver com quem vamos cruzar, pois não será nada fácil. Suécia ou Espanha, salvo erro. A primeira meta passa por ganhar o primeiro jogo. A segunda meta passa por ganhar o segundo jogo [risos]. É cliché, mas a verdade é que temos de pensar desta forma. Já tivemos experiências negativas nesse sentido. Estamos tramados se pensarmos que vamos ter encontros fáceis. Somos um grupo ambicioso. Venha quem vier. 

ZZ: Já possuem razões para isso, pois Portugal tem crescido a olhos vistos e conseguiu lidar as melhores seleções do mundo ao longo dos últimos anos.

AA: Sim, também acho que sim. Faltam-nos pequenos pormenores para nos mantermos sempre no nível pretendido. É importante, também, ter jogadores com outro tipo de andamento, pois nem todos possuímos o mesmo nível ou estamos no mesmo nível. Acho que temos feito bem isso porque os atletas que estão no estrangeiro têm feito grandes campanhas. A juntar a isso, os mais velhos, que jogam em Portugal, mantiveram um excelente nível nas competições europeias. Os mais novos têm de perceber que há ali trabalhinho a fazer, mas é fruto de uma geração que não dá nada como garantido.

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