António Guterres: o primeiro não-Nobel da Paz português

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Atribuir o Nobel da Paz ao secretário-geral da ONU seria o mesmo que atribuir o Nobel da Guerra ao primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu. Talvez o Comité não pudesse ir tão longe.

Os israelitas queixar-se-iam, e não haveria como deixar de lhes dar razão: a atribuição do Nobel da Paz ao secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres, seria uma evidência da animosidade do comité eleito pelo Parlamento da Noruega (Stortinget) para com as manobras que o governo de Benjamin Netanyahu tem mandado executar na Faixa de Gaza, na Cisjordânia, no Iémen, na Síria, no Líbano, no Irão e onde quer que seja que a sua unívoca vontade o determine. De algum modo, a atribuição do Nobel da Paz a Guterres teria equivalido à atribuição do Nobel da Guerra a Netanyahu.

De facto, António Guterres tem-se empenhado com um compreensível fervor na tentativa de resolver a questão da Palestina – e nesse quadro, o seu empenhamento está muito para lá dos limites que os seus antecessores na Secretaria-Geral de uma organização que não é conhecida pela sua eficácia política impuseram a si próprios. A tradição manda que o secretário-geral da ONU seja uma espécie de antecâmara da atribuição do papel seguinte, o de Pai Natal: o secretário-geral deve ser um tipo sorridente mas comedido na propagação da felicidade, generoso mas contido nos gastos, incisivo mas só até ao ponto de não abrir feridas.

Ora, Guterres tem sido tudo menos isso. A sua gestão da crise do Médio Oriente, mas antes disso a dos refugiados, a da fome, a das alterações climáticas, colocaram o ex-primeiro-ministro português num papel de uma espécie de Robin dos Bosques moderno que o transformaram num estadista global que não muitas vezes se encontra à frente da ONU. Talvez o peruano Javier Pérez de Cuéllar (secretário-geral entre janeiro de 1982 e janeiro de 1992) tenha sido, antes de Guterres, o homem que se destacou como secretário-geral que tivesse sido mais que uma figura de retórica a embelezar uma organização que não funciona.

De qualquer modo, se tivesse ganho, os detratores de Guterres lembrariam que a prestação do secretário-geral em torno da guerra da Ucrânia seria suficiente para não lhe atribuir o cobiçado prémio – tendo nisso alguma razão. Num certo sentido, Guterres chegou ‘atrasado’ à guerra – e foi um dos últimos líderes mundiais a sentar-se naquele enorme cogumelo branco que, algures numa qualquer divisão do Kremlin, chegou a servir de fronteira entre Vladimir Putin e os seus visitantes.

Guterres chegou atrasado e por ter chegado atrasado não cumpriu as funções para que tinha sido investido – o que não é verdade: o secretário-geral da ONU deve como principal função não fazer frente a nenhum dos países que fazem parte do Conselho de Segurança da própria organização. Chegar atrasado era cumprir as funções – e isso parece ter sido uma grande irritação para António Guterres, que se vingou (mas não muito) com uma contribuição determinante para o acordo sobre a venda de cereais ucranianos através do Mar Negro. Mas, nesse contexto, será Recep Erdogan e não António Guterres a ser recordado.

O contrário se passará com a guerra na Palestina: Guterres será sempre recordado como a figura mundial que mais determinadamente se opôs aos assassinatos em massa ordenados por Benjamin Netanyahu e pelo seu horroroso gabinete de pecadores.

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