As estatísticas e a mensagem que queremos passar

4 meses atrás 97

Há muita verdade numa frase que Mark Twain atribuiu a Disraeli: “Existem três tipos de mentiras: mentiras, mentiras sujas e estatísticas”. Vem isto a propósito de um excelente artigo publicado pelo Prof. Manuel Caldeira Cabral na “Visão” de 9 de Maio.

Olhando para uma série de dados estatísticos relativos ao comportamento da economia portuguesa desde o início do século, o autor admite que o PIB per capita de Portugal, medido em termos de paridade de poder de compra, poderá já ter ultrapassado o Japão em 2023. E que se o ritmo de crescimento verificado nos últimos oito anos se mantiver nos próximos sete, em 2030 estaremos em termos de ter ultrapassado Espanha e já muito próximos de França, Reino Unido e Itália.

Imagine-se a surpresa. Portugal ultrapassar o Japão em termos económicos?! Como é possível? Então não estávamos prestes a ser ultrapassados pela Hungria e pela Roménia? Não tínhamos já sido deixados para trás pela Lituânia, pela Chéquia, pela Polónia, etc.? Então as estatísticas…

O problema está nas estatísticas que se escolhem, e na mensagem que queremos passar. É um facto que vários países que aderiram à União Europeia em 2004 tiveram, no mesmo período, taxas de crescimento do PIB superiores ao português, o que levou a que nos tivessem ultrapassado, ficando pelo menos teoricamente mais ricos do que nós. Isto em termos estatísticos.

Várias razões justificam que tenhamos crescido mais devagar do que a Polónia, a Chéquia ou os Países Bálticos. Um factor importante é a orientação macroeconómica escolhida. Mas há outros. Esses países tinham populações mais qualificadas. Têm uma posição geográfica que lhes facilita o acesso aos principais mercados. Tinham uma base industrial mais desenvolvida, embora historicamente menos eficiente. Isso facilitou-lhes a orientação para melhorar a produtividade através da produção de bens de elevado valor acrescentado, ou seja, aumento do valor da produção.

A Hungria, que tem uma dimensão análoga à de Portugal, tem fábricas da Mercedes-Benz, da Audi, da BMW, da Suzuki e prevê-se para breve a instalação da BYD, uma marca chinesa que produz veículos eléctricos. E a Roménia tem a singularidade da modernização económica ter sido acompanhada por uma redução de cerca de 15% do número de habitantes. Como é que o seu PIB per capita não há de estar a crescer rapidamente?

Mas isto não significa que Portugal esteja a ficar mais pobre. Significa que neste período crescemos menos do que aqueles, e outros. Mas não deixámos de crescer. E o ponto é que mesmo crescendo mais devagar do que aqueles países, crescemos mais rapidamente do que outros, designadamente os que são mais ricos do que nós – a Espanha, a França, o Reino Unido… e o Japão.

Temos de olhar seriamente para o problema fundamental da economia portuguesa – a baixa produtividade, que resulta do baixo valor do que produzimos, impede que a nossa economia obtenha os recursos necessários para melhorar a distribuição da riqueza. Uma verdadeira reforma económica tem de começar por atacar este problema.

E devíamos também olhar para as estatísticas que usamos e com que nos avaliamos. As nossas ignoram o enorme valor não declarado da economia informal, que é riqueza existente, mas sobre a qual não se pode actuar porque não existe nem informação, nem instrumentos para isso. E, tal como uma pescadinha-de-rabo-na-boca, voltamos à frase que Mark Twain imputou a Disraeli, com que comecei este artigo.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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