Autor de 'A Geração Ansiosa' defende redes sociais apenas aos 16 anos

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'A Geração Ansiosa', do psicólogo norte-americano Jonathan Haidt, promete ser um dos livros mais explosivos do ano. A obra, que é best-seller nos Estados Unidos, investiga o colapso da saúde mental entre os jovens - e oferece um plano urgente para uma infância mais saudável e livre de ecrãs.

As taxas de depressão, ansiedade, automutilação e suicídio aumentaram exponencialmente a partir de 2010 entre os mais novos, mais do que duplicando em muitos indicadores. Porquê? O psicólogo mostra como as brincadeiras normais começaram a declinar na década de 1980 e como foram substituídas, a partir de 2010, pelo telemóvel. Apresenta mais de uma dúzia de mecanismos de como esta grande reconfiguração da infância interferiu no desenvolvimento social e neurológico, abrangendo tudo, desde a privação do sono à fragmentação da atenção, dependência, solidão, contágio social, comparação social e perfecionismo.

O autor explica por que razão as redes sociais prejudicam mais as raparigas do que os rapazes e porque é que os rapazes têm vindo a retirar-se do mundo real para o mundo virtual, com consequências desastrosas para si próprios, as suas famílias e para a própria sociedade.

Nesta obra, Jonathan Haidt conclui que não podemos ignorar os danos psicológicos que uma vida baseada no telemóvel provocou em pais e filhos e propõe quatro acções urgentes:  

Smartphones só depois dos 14 anos; Redes sociais aos 16 anos; Escolas com espaços completamente livres de telemóveis e outros ecrãs; Substituir a dependência tecnológica por uma infância plena de brincadeiras e jogos.

Notícias ao Minuto© Dom Quixote

Leia aqui o excerto sobre privação social, de sono, atenção fragmentada:

DANO #1: PRIVAÇÃO SOCIAL

De modo a promover o desenvolvimento social, as crianças preci­sam de muito tempo para brincar umas com as outras, cara a cara. No capítulo 2, contudo, mostrei que a percentagem de jovens no 12.º ano que afirmavam estar com os amigos "quase todos os dias" dimi­nuiu abruptamente em 2009. 

Sem grande surpresa, o grupo mais jovem (15-24) passa mais tempo com os amigos, comparado com o grupo mais velho, cujos membros têm maior probabilidade de estar empregados e casados. A diferença era muito significativa no início da década de 2000, mas estava a estreitar-se, e essa aproximação acelerou-se após 2013. Os dados para 2020 foram recolhidos depois da chegada da pandemia da Covid, o que explica porque é que as linhas sofrem uma curva des­cendente nesse último ano em ambos os grupos. Em 2020, começá­mos a aconselhar toda a gente a evitar a proximidade com pessoas fora da nossa "bolha", mas os membros da Gen Z começaram a pra­ticar o distanciamento social assim que tiveram os seus primeiros smartphones.

Claro que os adolescentes se calhar não se aperceberam logo de que estavam a perder amigos; pensavam que estavam só a transferir as suas amizades do mundo real para o Instagram, Snapchat e video­jogos online. Não são igualmente bons? Não. Como Jean Twenge mostrou, os adolescentes que passam mais tempo a utilizar redes sociais são mais propensos a sofrer depressão, ansiedade e outras perturbações, enquanto os adolescentes que passam mais tempo com grupos de outros jovens (como pertencer a equipas desportivas ou a participar em comunidades religiosas), apresentam melhores índices de saúde mental. 

Faz sentido. As crianças precisam de interações lúdicas cara a cara, sincrónicas e corpóreas. As brincadeiras mais saudáveis são os realizadas fora de portas e incluem algum risco físico e algum sentido de aventura e emoção. Falar no FaceTime com um amigo chegado é bom, como a antiga conversa telefónica, à qual foi acres­centada um canal visual. Em contraste, estar sentado no quarto sozinho a consumir um feed interminável de conteúdos produzidos por outros, ou estar horas a fio a jogar videojogos com um elenco variável de amigos e desconhecidos, ou a publicar os nossos pró­prios conteúdos e esperar que outras crianças (ou estranhos) gostem ou comentem, são atividades que estão tão longe daquilo que uma criança precisa, que não deveriam ser consideradas formas novas de interação adolescente saudável; são alternativas cujo consumo de tempo é de tal ordem que reduzem a quantidade de tempo que os adolescentes têm para estarem juntos. 

A súbita redução do tempo passado com amigos subestima, na verdade, a privação social causada pela Grande Reconfiguração, porque mesmo quando os adolescentes estão a poucos metros dos amigos, a infância baseada no telefone prejudica a qualidade do tempo que passam juntos. Os smartphones prendem a nossa aten­ção de forma tão poderosa, que basta vibrarem nos nossos bolsos durante uma décima de segundo para muitos de nós interromper­mos uma conversa cara a cara, não vá o telefone ter alguma infor­mação importante para nos dar. Normalmente não pedimos à outra pessoa que interrompa o que está a dizer; limitamo-nos a tirar o telefone do bolso e a espreitar o ecrã, deixando o nosso interlocu­tor a sentir que é menos importante do que a última notificação. Quando um parceiro de conversa puxa do telefone, ou quando há um telefone meramente à vista (nem tem de ser o nosso), a quali­dade e intimidade da interação social fica reduzida. Quando as tec­nologias de ecrã passam dos nossos bolsos para os nossos pulsos e para auscultadores e óculos, é provável que a nossa capacidade para prestar total atenção aos outros se deteriore ainda mais. 

Ser ignorado é doloroso, em qualquer idade. Imaginem como será ser um adolescente que está a desenvolver o sentido de quem é e onde se encaixa, enquanto todas as pessoas que conhece lhe dizem, indiretamente: não és tão importante como os contactos que tenho no meu iPhone. Agora imaginem como será para uma criança pequena. Um inquérito de 2014, levado a cabo pela revista Highlights a crianças com idades entre 6-12, descobriu que 62% das crianças afirmavam que era "frequente" os seus pais estarem distraídos quando tentavam falar com eles. Inquiridas sobre as razões que levavam os pais a estarem distraídos, os telemóveis estavam no topo da lista. Os pais sabem que estão a defraudar os seus próprios filhos. Um inquérito da Pew de 2020, revelou que 68% dos pais afirmavam que às vezes, ou com frequência, se sentiam distraídos pelos telefo­nes enquanto passavam tempo com os filhos. Esses números eram mais elevados entre pais jovens com formação superior. 

A Grande Reconfiguração devastou as vidas sociais dos membros da Gen Z ao ligá-los ao mundo inteiro, menos às pessoas à sua volta. Como me escreveu um aluno universitário canadiano: 

A Gen Z é um grupo de pessoas incrivelmente isola­das. Temos amizades superficiais e relacionamentos românticos supérfluos, em grande medida mediados e governados pelas redes sociais… Não existe quase nenhum sentido de comunidade no campus e isso é bastante evidente. Muitas vezes, chego cedo a uma aula e deparo com uma sala com 30 alunos, todos sentados em silêncio absoluto, absorvidos nos seus smartphones, com medo de falar e serem ouvidos pelos seus pares. Isto reforça ainda mais o isolamento e enfraquece a identidade própria e a autoconfiança, algo que sei por experiência própria.  

DANO #2: PRIVAÇÃO DE SONO 

Há muito que os pais travam uma luta para conseguir que os filhos se deitem mais cedo nos dias de escola e os smartphones vieram exa­cerbar ainda mais esse combate. Os padrões normais de sono alte­ram-se durante a puberdade. Os adolescentes começam a deitar-se mais tarde, mas como as suas manhãs, aos dias de semana, são dita­das pelo horário escolar, não podem dormir até mais tarde. Em vez disso, a maioria dos adolescentes começa a dormir menos do que o que os seus cérebros e corpos precisam. É lamentável, porque o sono é vital para o bom desempenho na escola e na vida, especialmente durante a puberdade, quando o cérebro está a reprogramar-se ainda mais depressa do que nos anos anteriores à puberdade. Os adoles­centes com privação de sono não conseguem concentrar-se, estar atentos, ter uma memória tão boa como os adolescentes que dor­mem bem.  A aprendizagem e as notas ressentem-se.

Os tempos de reação, de decisão e as capacidades motoras sofrem, aumentando o risco de acidentes. Ficam mais irritáveis e ansiosos durante todo o dia e as suas relações sofrem com isso. Se a privação de sono se prolongar, comprometerá outros sistemas psicológicos, levando à perda de peso, supressão imunitária e outros problemas de saúde.  

Os adolescentes precisam de dormir mais do que os adultos – pelo menos nove horas por noite para os pré-adolescentes e oito horas para os adolescentes.32 Em 2001, um consagrado especialista do sono escreveu que "quase todos os adolescentes, à medida que chegam à puberdade, ficam transformados em zombies ambulantes, porque estão a dormir muito pouco". Na altura em que o escreveu, a priva­ção de sono vinha a aumentar há uma década. Depois disso, a privação de sono estabilizou-se ao longo da década de 2010. Após 2013, retomou o seu trajeto ascendente. 

Será apenas uma coincidência ou existem dados que liguem diretamente o aumento dos problemas do sono com a chegada de uma infância baseada no telefone? As provas são abundantes. Uma análise de 36 estudos correlacionais revelou relações significativas entre a utilização intensiva de redes sociais e a falta de sono, assim como entre a utilização intensiva de redes sociais e más condições de saúde mental.

A mesma análise também revelou que a utiliza­ção intensiva de redes sociais previa problemas de sono em determi­nado período e problemas de saúde em períodos posteriores. Uma experiência descobriu que os adolescentes que restringiam a utili­zação de aparelhos com ecrã depois das 21h em noites de escola, durante duas semanas, registavam um aumento no tempo total de sono, maior rapidez a adormecer e melhor desempenho numa tarefa que exigia atenção concentrada e reações rápidas.

Outras experiên­cias que testaram uma variedade de tecnologias de ecrã (incluindo leitores digitais, videojogos e computadores), também revelaram que a sua utilização a altas horas da noite prejudica o sono. Assim, as ligações entre as duas coisas não são meramente correlacionais, mas sim causais. 

Intuitivamente faz sentido. Um estudo realizado por Jean Twenge e colegas seus sobre uma grande base de dados do Reino Unido, des­cobriu que "existia uma associação entre o uso intensivo de ecrãs digitais e menor tempo de sono, maior latência do sono e maior fre­quência de despertares noturnos". As perturbações do sono eram maiores entre aqueles que utilizavam as redes sociais ou navegavam na Internet quando estavam na cama.

As redes sociais nos smartphones são as únicas responsáveis pelas perturbações do sono da Geração Z; a privação de sono é agra­vada pela facilidade de acesso a outras atividades altamente estimu­lantes nos smartphones, incluindo os jogos online e o streaming de vídeo. Como respondeu o CEO da Netflix numa reunião de apresen­tação de resultados com investidores, quando questionado sobre os concorrentes da Netflix, "Pensem bem, quando veem uma série da Netflix e ficam viciados nela, ficam acordados até tarde. Estamos a competir com o sono pela margem." 

O que é que a privação de sono faz aos cérebros em rápida muta­ção dos adolescentes? Para responder a esta pergunta, podemos recorrer aos dados do "Adolescent Brain Cognitive Development Study", que examinou os cérebros de mais de 11 mil crianças de 9 e 10 anos em 2016 e tem estado a segui-las ao longo da puberdade e da adolescência. Esta enorme colaboração tem produzido cente­nas de ensaios académicos, vários dos quais analisaram os efeitos da privação de sono. Um estudo de 2020, por exemplo, revelou que o aumento das perturbações do sono e a diminuição do tempo de sono tinham estavam associadas a pontuações mais altas na escala de comportamentos de internalização (que incluem a depressão), assim como pontuações mais altas na escala de comportamentos de externalização (que incluem a agressão e outros comportamen­tos antissociais ligados à falta de controlo dos impulsos).

Também descobriram que a dimensão da perturbação do sono no início do estudo «permitia prever com bastante rigor a depressão e as pontua­ções nas escalas de internalização e externalização no ano seguinte de acompanhamento». Por outras palavras, ficamos mais propensos a ter depressões e a desenvolver problemas comportamentais. Os efeitos eram maiores entre as raparigas. 

Em suma, as crianças e os adolescentes precisam de dormir bastante para favorecer um desenvolvimento saudável do cérebro e boas capacidades de atenção e boa disposição no dia seguinte. Quando deixamos que os ecrãs entrem no quarto, contudo, muitas crianças tenderão a usá-los noite fora – especialmente se têm um ecrã pequeno que possam usar de baixo do cobertor. A deterioração do sono associada aos ecrãs é provavelmente um fator que contribui para a onda gigante de doenças mentais que assolou os adolescentes em muitos países do mundo no início da década de 2010. 

DANO #3: ATENÇÃO FRAGMENTADA 

O conto de 1961 de Kurt Vonnegut, Harrison Bergeron, passa-se numa América do futuro, onde vigora um regime muito igualitário, em que a Constituição proíbe que qualquer pessoa seja mais inteli­gente, bonita, ou fisicamente capaz do que qualquer outra. O "gene­ral incapacitante" é o agente do governo responsável por aplicar a igualdade de capacidades e resultados. Qualquer pessoa que tenha um QI elevado é obrigada a andar sempre com uns auscultadores que emitem um apito ensurdecedor a aproximadamente cada 20 segundos, com uma variedade de sons concebidos para interromper o raciocínio continuado, fazendo assim baixar a inteligência funcio­nal da pessoa para os níveis do cidadão médio. 

Lembrei-me deste conto quando, há uns anos, estava a conversar com os meus alunos sobre os efeitos que os telefones estavam a ter na sua produtividade. Desde finais da década de 1990, os jovens têm utilizado as mensagens de texto como meio de comunicação prefe­rencial. Têm os telefones em modo de silêncio, o que significa que passam o dia a vibrar continuamente, especialmente quando estão a participar em conversas de grupo. Mas a situação era muito pior do que eu imaginara. A maioria dos meus alunos recebe alertas de dezenas de aplicações, incluindo aplicações de mensagens (como o WhatsApp), aplicações de redes sociais (Instagram e Twitter) e uma variedade de websites noticiosos que lhes enviam toques de «últi­mas notícias» sobre política, desporto e as vidas sentimentais dos famosos. Os meus alunos de mestrado (que na sua maioria têm vinte e muitos anos), também têm aplicações de trabalho como a Slack. A maioria dos meus alunos também tem os telefones configurados para vibrar cada vez que recebe uma nova mensagem. 

De acordo com um estudo, quando se soma isto tudo, o número médio de notificações provenientes das principais aplicações sociais e de comunicação chega aos 192 alertas por dia. Ou seja, o adolescente médio, que agora só dorme sete horas por noite, recebe cerca de 11 notificações em cada hora de vigília, ou uma a cada cinco minutos. E isso é só contando com as aplicações relaciona­das com comunicação. Quando acrescentamos as dezenas de outras aplicações que não têm as notificações push desligadas, o número de interrupções é ainda mais elevado. E estamos ainda só a falar do adolescente médio. Se olharmos para os grandes utilizadores, como as raparigas adolescentes mais velhas, que usam as mensa­gens e as aplicações de redes sociais com muito mais frequência do que qualquer outro grupo, chegamos à ordem de uma interrupção por minuto. Graças à indústria tecnológica e a concorrência voraz por esse recurso limitado que é a atenção dos adolescentes, muitos membros da Gen Z estão agora a viver na distopia de Kurt Vonnegut.

Em 1980, o grande psicólogo americano William James, descre­veu a atenção como "a apropriação por parte da mente, de forma clara e distinta, de um entre vários objetos ou linhas de pensamento aparentemente possíveis ao mesmo tempo… Implica o afastamento de alguns desses objetos de modo a lidar eficazmente com outros". A atenção é uma escolha que fazemos para nos mantermos numa tarefa, numa linha de pensamento, num percurso mental, mesmo quando solicitados por distrações aliciantes. Quando não conse­guimos fazer essa escolha e nos deixamos desviar com frequência, acabamos por ficar naquele "estado de confusão, atordoamento e dispersão" que James descreveu como sendo o oposto da atenção.

Permanecer com os olhos postos num único caminho tornou-se muito mais difícil com a chegada da Internet, transferindo grande parte da nossa leitura para os meios digitais. Cada hiperligação é um desvio, suplicando-nos que abandonemos a escolha que fizemos uns momentos antes. No seu livro, apropriadamente intitulado The Shal­lows: What the Internet is Doing to Our Brains, Nicholas Carr lamen­tou ter perdido a capacidade para se manter concentrado num caminho. A vida na Internet mudou a forma como o seu cérebro procura informação, mesmo estando offline, a tentar ler um livro. Reduziu a capacidade de se focar e refletir, porque agora necessitava da corrente constante de estimulação: "Houve um tempo em que eu era um mergulhador no mar das palavras. Agora ando a acelerar à superfície, como um tipo numa mota de água." 

O livro de Carr era sobre a sua experiência da Internet nas déca­das de 1990 e 2000. De vez em quando, menciona os BlackBerrys e os iPhones, que se tinham tornado populares poucos anos antes da publicação do seu livro. Mas um smartphone a tocar é muito mais ali­ciante do que uma hiperligação passiva e muito mais mortífera para a concentração. Cada app é um desvio; cada notificação um néon ao estilo de Las Vegas, pedindo-nos que viremos o volante: "toca aqui e digo-te o que alguém acabou de dizer a teu respeito!" 

E por muita dificuldade que um adulto tenha em manter um determinado rumo mental, é muito mais difícil para um adolescente que tem um córtex pré-frontal imaturo e, portanto, uma capacidade limitada para rejeitar os desvios. James descreveu as crianças assim: "a atenção na infância e juventude caracteriza-se pela suscetibili­dade a estímulos sensoriais imediatamente excitantes… a criança parece pertencer menos a si própria do que a cada objeto que calha prender a sua atenção". Superar esta tendência para a dispersão é "a primeira barreira que um professor tem de transpor". É por isso que é tão importante banir os telefones das escolas durante todo o período letivo, recorrendo a cacifos ou estojos com chave.

Prender a atenção da criança com "estímulos sensoriais imediatamente ali­ciantes" é o objetivo dos criadores de apps e são muito bons naquilo que fazem. 

Esta corrente interminável de interrupções – esta constante frag­mentação da atenção – desgasta a capacidade de pensamento dos adolescentes e pode deixar marcas permanentes em cérebros que ainda estão num processo de reconfiguração rápida. Muitos estu­dos mostram que os alunos que têm acesso aos telefones usam-nos durante as aulas e prestam muito menos atenção aos professores. As pessoas não são realmente capazes de realizar várias tarefas ao mesmo tempo; a única coisa que conseguimos fazer é reorientar a nossa atenção de uma tarefa para outra, perdendo muito tempo com cada uma dessas reorientações. 

Mas mesmo quando os alunos não olham para os telefones, a mera presença de um telefone prejudica a sua capacidade de pen­sar. Num certo estudo, os investigadores levaram um grupo de alu­nos universitários para o laboratório e pediram aleatoriamente aos diferentes membros do grupo que: (1) Deixassem a mochila e tele­fone no vestíbulo do laboratório; (2) Ficassem com o telefone no bolso ou guardado na mochila; ou (3) Pusessem o telefone em cima da mesa, ao seu lado. Pediram depois aos alunos que completassem tarefas que testavam a sua inteligência fluida e a sua capacidade de memória funcional, como resolver problemas matemáticos ao mesmo tempo que memorizavam uma série de letras. Descobriram que o desempenho era melhor quando os telefones tinham sido deixados na outra sala e pior quando os telefones estavam visíveis, sendo intermédio quando os telefones estavam guardados no bolso. O efeito era ainda mais acentuado entre os utilizadores frequentes. O título do artigo resultante do estudo era "Brain Drain: The mere presence of One’s Own Smartphone Reduces Available Cognitive Capacity".

O acesso continuado dos adolescentes a um smartphone nessa idade sensível de desenvolvimento, pode interferir com o amadure­cimento da sua capacidade de concentração. Os estudos mostram que os adolescentes com Transtorno do Défice de Atenção com Hiperatividade (TDAH) são utilizadores mais frequentes de smart­phones e videojogos, e a pressuposição do senso comum é a de que as pessoas com TDAH são mais propensas a procurar o estímulo dos ecrãs e o aumento de concentração que os videojogos propor­cionam. Mas será que o nexo causal também se aplica na direção contrária? Poderá uma infância baseada no telefone exacerbar os sintomas existentes de TDAH? 

Parece que sim. Um estudo longitudinal realizado na Holanda descobriu que os jovens que faziam uma utilização mais proble­mática (aditiva) das redes sociais uma durante determinado tempo de medição, apresentavam sintomas mais fortes de TDAH no tempo de medição seguinte.51 Um outro estudo realizado por um grupo diferente de investigadores holandeses recorreu a um método semelhante e também obteve dados que sugerem que o multitasking digital frequente causava problemas de atenção mais tarde, mas descobriu este efeito causal apenas entre os adolescen­tes mais novos (idades 11-13) e era particularmente forte nas rapa­rigas.  

O cérebro desenvolve-se durante a infância, acelerando-se essa mudança durante a puberdade. Uma das principais capacidades que os adolescentes devem desenvolver, à medida que avançam no 3.º ciclo e secundário, é a "função executiva", que se refere à cres­cente capacidade que uma criança tem para planear e depois seguir os passos necessários à execução desses planos. As capacidades da função executiva desenvolvem-se lentamente, já que em grande medida se baseiam no córtex pré-frontal, que é a última parte do cérebro a ser reconfigurada durante a puberdade. As capacidades essenciais para a função executiva incluem o autocontrolo, a con­centração e a resistência a distrações.

É provável que uma infância centrada no telefone interfira com o desenvolvimento da função executiva. Não posso afirmar que a utilização moderada destes produtos seja prejudicial para a atenção, mas entre os utilizadores mais frequentes observamos resultados consistentemente piores, em parte porque esses utilizadores estão, em maior ou menor grau, viciados. 

DANO #4: DEPENDÊNCIA

Quando a minha filha se confrontou com a incapacidade de levantar os olhos do meu iPad, o que se estava a passar no seu cérebro, exatamente? Thorndike desconhecia a existência de neu­rotransmissores, mas adivinhou acertadamente que a repetição de pequenos prazeres desempenhava um papel importante no traçado daqueles novos caminhos no cérebro. Agora sabemos que quando uma ação é seguida de um bom resultado (conseguir alimento, ali­viar a dor ou apenas atingir um objetivo), certos circuitos cerebrais relacionados com a aprendizagem libertam um pouco de dopamina – o neurotransmissor mais diretamente relacionado com sentimen­tos de prazer e dor. A libertação de dopamina dá prazer; é registada pela nossa consciência. 

Mas não é uma recompensa passiva que nos satisfaça e reduza o nosso desejo. Ao contrário, os circuitos de dopamina estão dire­tamente relacionados com o querer, como quando dizemos "aquilo era ótimo, quero mais!" Quando comemos uma batata frita, recebe­mos uma pequena dose de dopamina e é por isso que depois temos ainda mais vontade de comer a segunda. 

O mesmo acontece com as máquinas de casino. Ganhar uma vez dá-nos imenso prazer, mas não implica que os viciados em jogo peguem nos seus proventos e vão para casa satisfeitos. Ao contrário, o prazer motiva-os a continuar. É exatamente igual com os video­jogos, as redes sociais, websites de compras e outras aplicações em que as pessoas habitualmente gastam mais tempo e dinheiro do que tinham pensado gastar inicialmente. A base neuronal das depen­dências químicas a redes sociais ou videojogos não é exatamente a mesma das dependências químicas à cocaína ou aos opiáceos.

No entanto, todas elas envolvem a dopamina, o desejo, a compulsão e o sentimento expresso pela minha filha – a incapacidade de agir con­forme os ditames da sua vontade consciente. Esses produtos foram assim concebidos. Os criadores dessas apps recorrem a todos os tru­ques existentes nos manuais de psicologia para prender os utiliza­dores com a mesma força que as máquinas de casino prendem os jogadores.  

Para que fique claro, a grande maioria dos adolescentes que usam o Instagram ou que jogam Fortnite, não são viciados, mas ainda assim os seus desejos estão a ser pirateados e as suas ações a ser manipuladas. Como é evidente, há muito que os publicitários o têm procurado fazer, mas os ecrãs tácteis e as ligações de inter­net abriram uma vastidão de novas possibilidades para empregar as técnicas behavioristas, que funcionam melhor quando existem ciclos ou circuitos rápidos de comportamentos e recompensas. Um dos investigadores que exploraram estas possibilidades foi B. J. Fogg, um professor de Stanford que, em 2002, escreveu um livro intitulado Persuasive Technology: Using Computers to Change What We Think and Do.Fogg também ensinava uma disciplina de «Tecnologia Per­suasiva» em que ensinava os alunos a usarem as técnicas comporta­mentalistas para treinar cães e aplicá-las em humanos. Muitos dos seus alunos foram depois trabalhar para empresas de redes sociais, como foi o caso de Mike Krieger, cofundador do Instagram. 

Como é que os produtos que criam habituação conseguem viciar os adolescentes? Pensemos no exemplo de uma rapariga de 12 anos, sentada à sua secretária em casa, esforçando-se por perceber a fotos­síntese para um teste de ciências que vai ter no dia seguinte. Como é que o Instagram consegue desviá-la do que está a fazer e depois mantê-la presa durante uma hora? Os criadores de apps recorrem muitas vezes a um processo de quatro passos que gera um circuito que se autoperpetua.

O modelo viciado conduz os criadores através do circuito que têm de conceber se quiserem induzir hábitos fortes nos utilizado­res. O circuito começa com um sinal externo, como uma notificação avisando que alguém comentou um dos posts da rapariga no nosso exemplo. Esse é o primeiro passo, a distração a convidá-la para se desviar do caminho em que estava. Aparece no seu telefone e auto­maticamente desencadeia um desejo para realizar uma ação (Passo 2) que já tinha sido recompensada: tocar na notificação para abrir a aplicação do Instagram. A ação leva depois a um acontecimento agradável, mas só às vezes, e este é o Passo 3: uma recompensa variá­vel. Talvez descubra algum tipo de elogio ou expressão de amizade, talvez não. 

Esta é uma descoberta chave da psicologia comportamenta­lista: é melhor não recompensar um comportamento sempre que o animal faz o que lhe pedimos. Ao recompensar o animal seguindo um esquema de razão variável (como uma em cada dez vezes, em média, mas pode ser às vezes menos ou mais), o comportamento resultante é mais forte e persistente. Ao colocar um rato numa gaiola onde aprendeu a obter comida carregando numa alavanca, o animal tem um pico de dopamina em antecipação da recompensa. Corre em direção à alavanca e começa a carregar. Mas se aos pri­meiros esforços não obtiver uma recompensa, não desanima. Pelo contrário, à medida que continua a carregar, os níveis de dopamina continuam a subir, antecipando a recompensa, que deve chegar a qualquer momento! Quando a recompensa acaba por vir, dá uma enorme satisfação, mas os níveis elevados de dopamina fazem que o rato continue a carregar, em busca da próxima recompensa, que acabará por chegar… após um número indeterminado de tentativas, por isso continua a carregar! As aplicações com feeds infinitos não contêm desvios, ou seja, não têm nenhum sinal para parar. 

Estes três primeiros passos são comportamentalismo clássico. Empregam o condicionamento operante, tal como ensinado por B. F. Skinner na década de 1940. Aquilo que o modelo viciado acres­centa para os humanos e que não era aplicável a quem trabalhava com ratos, é o quarto passo: o investimento. Os humanos podem ser convidados a deixar algo de si na app, de modo que se torne mais importante para eles. A rapariga do exemplo já tinha preenchido o seu perfil, publicado muitas fotografias de si própria e ligado a todos os seus amigos, além de centenas de outros utilizadores do Insta­gram (o irmão, que está a estudar para um exame no quarto ao lado, passou centenas de horas a acumular emblemas digitais, já com­prou skins e fez outros investimentos em videojogos como o Fortnite e o Call for Duty). 

Uma vez chegada a esse ponto, após realizar o investimento, o sinal para a próxima ronda de comportamentos pode passar a ser interno. A rapariga já não precisa que uma notificação push a atraia para o Instagram. Enquanto está a reler uma passagem difícil do seu manual, de repente surge-lhe uma ideia: "Será que alguém gostou da foto que publiquei há 20 minutos?" Abre-se um desvio na sua cons­ciência (Passo 1). Tenta resistir à tentação e continuar com o seu trabalho, mas a mera ideia de uma possível recompensa desenca­deia a libertação de alguma dopamina, fazendo-a querer ir imedia­tamente ao Instagram. Sente um desejo. Vai (Passo 2) e descobre que ninguém gostou ou comentou a sua publicação. Sente-se dececio­nada, mas o seu cérebro, preparado para a dopamina, ainda deseja uma recompensa, por isso começa a percorrer as suas outras publi­cações, ou as mensagens diretas, ou qualquer coisa que lhe mostre que alguém se importa com ela, ou então algo que que a entretenha e que acaba por encontrar (Passo 3). Vagueia pelo seu feed e, pelo caminho, vai deixando comentários aos seus amigos. Efetivamente, um amigo corresponde, gostando da sua última publicação. Uma hora mais tarde, volta para o seu estudo da fotossíntese, mais can­sada e menos capaz de se concentrar.

Quando os sentimentos do próprio utilizador são suficientes para desencadear um comportamento que é recompensado a uma razão variável, o utilizador já está "viciado". Ficámos a saber que o Facebook viciou intencionalmente os adolescentes com recurso a técnicas comportamentais, graças aos Facebook Files – o acervo interno de documentos e capturas de ecrã de apresentações, tor­nado público pela whistleblower Frances Haugen, em 2021. Numa das suas secções mais arrepiantes, um trio de funcionários do Facebook fazem uma apresentação intitulada "The Power of Iden­tities: Why Teens and Young Adults Choose Instagram."

O obje­tivo declarado era "apoiar a estratégia transversal do Facebook, Inc. para prender os utilizadores mais jovens." Uma das secções, intitulada "As Bases da Adolescência", abordava as neurociên­cias, mostrando o amadurecimento gradual do cérebro durante a puberdade, em que o córtex pré-frontal só atinge a maturidade aos 20 anos. Uma outra fotografia mostra a imagem de uma res­sonância magnética de um cérebro, acompanhada da seguinte legenda: 

O cérebro adolescente está cerca de 80% amadurecido. Os restantes 20% encontram-se no córtex pré-frontal… Nesta idade os adolescentes estão altamente depen­dentes do seu lobo temporal, onde as emoções, memó­ria, aprendizagem e sistema de recompensa são reis e senhores. 

No seu livro dopamine nation, a especialista em dependências da universidade de stanford, Anna Lembke, explica esse modo de funcionamento nos seus pacientes, que sofrem de uma variedade de dependências de substâncias e de caráter comportamental (como jogo, compras ou sexo). Na década de 2010 começou a tratar cada vez mais adolescentes com dependências digitais. Como acontece às pessoas dependentes da heroína e da cocaína, os viciados em ati­vidades digitais chegam a um ponto em que "já nada é bom" quando não estão na sua atividade preferida. A razão para isso é que o cére­bro adapta-se a longos períodos com elevados níveis de dopamina, ajustando-se de modo a manter a homeostase. A adaptação mais importante acontece através da "dessensibilização" dos recetores de dopamina. O utilizador precisa de aumentar a dosagem da droga para voltar a sentir prazer. 

Infelizmente, quando o cérebro de uma pessoa viciada se adapta, contrariando o efeito da droga, num estado de défice quando o uti­lizador não está a tomar a droga. Se a libertação de dopamina causa prazer, o défice de dopamina produz uma sensação desagradável. Sem a droga, a vida normal torna-se aborrecida e até penosa. Já nada é bom, exceto a droga. A pessoa dependente entra num estado de abstinência que só passa se conseguir manter-se sem droga o tempo suficiente para o seu cérebro voltar ao estado predefinido (normal­mente algumas semanas). 

Lembke diz que "os sintomas universais da abstinência de qual­quer substância viciante são a ansiedade, irritabilidade, insónia e disforia". A disforia é o inverso da euforia: refere-se a uma sen­sação generalizada de desconforto e desassossego. É no essencial o que muitos adolescentes dizem sentir – e que os pais e médicos observam – quando as crianças que são utilizadoras frequentes de redes sociais ou videojogos são afastadas dos telefones e consolas contra a sua vontade. Os sintomas de tristeza, ansiedade e irritabili­dade estão entre os sinais de abstinência para pessoas diagnostica­das com transtorno de dependência ao jogo online.

A lista que Lembke apresenta dos sintomas universais da absti­nência mostra como a dependência amplifica três outros danos fun­damentais. A dificuldade em adormecer é particularmente evidente entre as pessoas viciadas em atividades de ecrã, devido tanto à sua concorrência direta com o sono, como pela dose elevada de luz azul recebida pela retina a poucos centímetros de distância, que está a dizer ao cérebro: «É de manhã! Para de produzir melatonina!» Além disso, enquanto a maioria das pessoas acorda várias vezes durante a noite e depois adormece logo de seguida, as pessoas que ficaram viciadas muitas vezes procuram o telefone e começam a percorrer as páginas de Internet. 

Lembke escreve, "O smartphone é a seringa dos tempos moder­nos, libertando dopamina digital 24/7 para uma geração de pessoas ligadas online." A metáfora ajuda a explicar o motivo pelo qual a transição da infância baseada em brincar para a infância baseada no telefone tem sido tão devastadora e a razão por que a crise se manifestou de modo tão súbito no início da década de 2010. Os ado­lescentes Millennials das décadas de 1990 e 2000, tinham acesso a todo o tipo de atividade dependente nos seus computadores pes­soais e alguns ficaram efetivamente viciados. Mas não podiam levar os computadores para todo o lado. Após a Grande Reconfiguração, a geração seguinte de adolescentes podia e, com efeito, fê-lo. 

Para visualizarem o enorme alcance dos efeitos provocados pela transição para os smartphones, imaginem uma aluna com privação de sono, ansiosa, irritável e socialmente isolada, a interagir com as colegas na escola. Não é provável que corra bem, especialmente se nessa escola é permitido ter o telefone durante as aulas. Ela passará a maior parte do intervalo de almoço e dos intervalos entre as aulas a atualizar-se nas redes sociais em vez de ter os períodos de convívio sincrónico e presencial de que precisa para o seu desenvolvimento saudável, reforçando assim ainda mais os seus sentimentos de iso­lamento social. 

Agora imaginem uma aluna com privação de sono, ansiosa, irri­tável e socialmente isolada, a tentar concentrar-se nos trabalhos de casa enquanto as distrações vindas do telefone ao seu lado na secretária chamam por ela. As suas reduzidas capacidades executi­vas esforçar-se-ão por mantê-la concentrada na sua tarefa mais do que um minuto ou dois de cada vez. A sua atenção está fragmen­tada. A sua consciência começa a entrar no estado de "confusão, atordoamento e dispersão" que William James dizia ser o oposto da atenção. 

Quando demos smartphones às crianças e adolescentes no início da década de 2010, demos também às empresas a capacidade para aplicarem esquemas de reforço de razão variável durante todo o dia, treinando-os como ratos durante a maior parte dos anos sensíveis de reconfiguração cerebral. Essas empresas desenvolveram aplica­ções causadoras de dependência que gravaram caminhos muito profundos nos cérebros das nossas crianças. 

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