Benfica, tempo de decisões

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Enquanto Bruno Lage prepara como pode os próximos três jogos do Benfica, duas assembleias gerais consecutivas prometem mais pelo futuro do clube do que a maior das goleadas.

A primeira AG, este sábado 21 de setembro, talvez a mais simples, mas nem por isso menos relevante, pede aos sócios que votem a revisão dos estatutos. Aprovar estes estatutos é entregar mais soberania aos sócios, desde logo na redação proposta para o Artigo 45º: se o Relatório e Contas não for aprovado, há eleições em 45 dias.

Na segunda AG, convocada para a noite de 27 de setembro, sexta-feira, os sócios são chamados a apreciar e votar o Relatório e Contas do exercício de 2023-2024.

Se não o aprovarem, portanto, e de acordo com os estatutos que podem sair da primeira AG, a Direção de Rui Costa pode submeter novo relatório mas, sendo reprovado uma segunda vez, fica automaticamente demissionário e o presidente da Assembleia Geral convoca eleições em 45 dias.

Leu bem: a direção de Rui Costa poderia começar a cair já na próxima sexta-feira se estes novos estatutos não valessem apenas a partir do próximo mandato.

Sou favorável a estes novos estatutos, claro, e não é pelo que podem fragilizar Rui Costa. Acredito na virtude de sistemas de governação com pesos e contrapesos desenhados para travar desmandos e autoritarismos, como aqueles que a recente entrevista de Luís Filipe Vieira facilmente recorda a qualquer benfiquista.

Não antecipando o resultado da AG de dia 27, antecipo uma noite difícil para a equipa de Rui Costa.

Há dois bons exemplos.

O primeiro vê-se nos gastos com segurança, integrados na célebre rubrica dos Fornecimentos e Serviços Externos (FSE).  Em 2022, o Benfica gastou cerca de 3 milhões de euros na sua equipa de segurança. Em 2023, esse valor saltou para 3,6 milhões, um aumento de 17%. Este ano de 2024, este valor caiu apenas 100 mil euros Não é assunto menor: quem acompanha a vida do Benfica sabe que a zanga entre Rui Costa e o seu financeiro, Luís Mendes, aconteceu justamente por causa desta fatura.

Ao que consta, o CFO queria cortar a direito em todos os FSE’s – o corte na rubrica da segurança, porém, terá gerado uma tal convulsão nos corredores do clube que, assustado, Luís Mendes procurou confirmar junto do presidente a firmeza da decisão. Recebeu hesitação. Apresentou a demissão.

Um segundo exemplo percebe-se no passivo (corrente) de cerca de 210 milhões de euros. Esta “dívida” cresceu nos últimos dois anos com a justificação do investimento no futebol profissional, o mesmo período em que – como sublinhou muito bem Diogo Luís (antigo jogador agora comentador financeiro) – o clube arrecadou quase 400 milhões de euros com vendas de jogadores como Félix, Enzo, Darwin e Gonçalo Ramos.

Ora, e nestas mesmas contas, o Benfica apresenta um ativo corrente de pouco mais de 100 milhões – metade, portanto, do seu passivo de curto prazo. O que isto quer dizer é que se o Benfica não vender um jogador por 100 milhões de euros, não se equilibra.

É este descontrolo financeiro e desportivo que vai estar em discussão na AG de dia 27, num simples mas exigente desafio: continuar a considerar que futebol e gestão são palavras que não casam ou, pelo contrário, exigir esse casamento de rigor e competência à equipa de Rui Costa.

Tenho escrito nos últimos tempos que o desafio de Rui Costa não se ganha na paixão que demonstra pelo clube. Ganha-se na capacidade de gestão.

A economia portuguesa é feita de pequenas e médias empresas cuja faturação média raramente ultrapassa os 5 milhões de euros. Esses negócios são liderados por mulheres e homens que também amam as suas empresas. São “gestores” que conhecem o seu meio, que demonstram intuição e saber fazer, mas que descobrem, tantas vezes tarde demais, que isso não é suficiente para gerir com rigor e competência as empresas – e por isso 30% delas apresentam resultados líquidos negativos.

O Benfica, 40 vezes maior, tem a mesma gestão baseada na intuição e na experiência. Não chega.

Luis Filipe Vieira disse, há dias, que gestão era com ele. Agradeço-lhe, como julgo que todos os benfiquistas, o que de bom se consegue extrair do demasiado tempo que se perpetuou no poder. Mas boa gestão não é sinónimo daquilo que Vieira representa.

Boa gestão é rigor e contas certas, o que é mais do que avaliar a simplicidade dos resultados líquidos positivos – obriga a uma rigorosa gestão de tesouraria e fundo de maneio, o que por sua vez implica antecipar cenários, justamente aquilo que terá falhado e obrigado à venda de João Neves.

Boa gestão é valorização de ativos, o que é diferente de vender sempre por um euro mais do que se comprou – diz também respeito à produtividade do que se tem, rentabilizando ao máximo a “capacidade instalada”, justamente o que não se fez nas vendas de João Neves e David Neres.

Boa gestão é estratégia e antecipação, que não é o mesmo do que planear uma pré-época – trata-se de selecionar as grandes variáveis do mercado e liderá-las, exatamente aquilo que não está a ser feito pelo Benfica na centralização dos direitos desportivos, por exemplo, tema tão decisivo para o futebol nacional.

Boa gestão é também responsabilidade e competência, o que não se resume a declarações de amor – supõe uma liderança forte capaz de desenhar uma missão, fixar um calendário e reunir à sua volta os melhores recursos humanos disponíveis para a implementar, bem diferente do que prometer o próximo campeonato.

Olhem o nosso rival Sporting: já se vê muito do que acima se descreve. Também há sorte – antes de Ruben Amorim foram muitos os remates ao lado. Mas a sorte é apenas uma das variáveis que influencia o trabalho do bom gestor.

Dirão: os bons gestores dificilmente se deixam seduzir pelo estranho mundo do futebol. Verdade. Mas tão importante como trazer boa gestão para uma empresa é limpá-la da má gestão. Ainda há muito má gestão na equipa de Rui Costa. Apontei alguns nomes no texto que publiquei em “A Bola” antes da última Assembleia Geral. Agora até Vieira atira setas com veneno a Nuno Costa e Rui Pedro Braz.

Rui Costa, nesta AG, vai procurar eleger também uma nova equipa de gestão – há nomes, como o de Nuno Catarino, que parecem saber o que fazem. Mas Rui Costa precisa de recordar que deixar má gestão nos velhos lugares já lhe custou a saída de Luís Mendes e de Lourenço Pereira Coelho da anterior administração, cansados de o ver hesitar perante a incompetência de outros.

Nenhum benfiquista quer ver na Luz o que se passou em Alvalade, com administrações sucessivas a deixar o clube um pouco pior do que o encontraram. Mas acredito que também ninguém no Benfica pretende assistir à queda vertiginosa do nosso clube por razões tão óbvias e identificadas.

Não desejo que se reprove este Relatório e Contas: Rui Costa tem mais um ano de mandato que deve cumprir até ao fim.

Mas desejo o seguinte: se não lhe sobram competências de gestão, deixe pelo menos que a sua paixão pelo clube o impeça de pactuar com quem prejudica o Benfica. Ao menos nisso, não hesite.

Martim Avillez Figueiredo, sócio 5000 do SLB e gestor

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