Brasileira que fugiu do Líbano: “Guerra nos tirou o direito de escolher onde viver”

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A brasileira Fadileh Kadoura, 48 anos, obrigada a fugir do Líbano por causa dos bombardeios feitos por Israel, está desolada. Ela conseguiu sair de casa apenas com uma mala de 15 quilos. Tudo o que construiu na vida ficou para trás. Não sabe se, um dia que retornar a Beirute, a casa que vivia com a família ainda estará de pé.

Fadileh, que também tem cidadania lusitana, foi resgatada com os três filhos — Aya, Ali e Lyna — e o avô deles, Barakat Waked, pela Força Aérea Portuguesa. Todos pousaram em Lisboa na noite de sexta-feira (04/10). Até deixar a capital libanesa, porém, a angústia foi grande. As bombas caíam constantemente ao lado do aeroporto de Beirute enquanto aguardavam o embarque.

Comentar sobre tudo o que viveu nos últimos dias no Líbano é doído demais para Fadileh. Mas ela diz, em entrevista exclusiva do PÚBLICO Brasil, que resolveu falar depois de saber que o diretor da escola dos filhos dela foi morto em um bombardeio. Ali Hajj tinha 43 anos. O pai dele também perdeu a vida e a mãe está em estado grave. O ataque ocorreu quase no mesmo horário em que a aeronave C-130 aterrissava em Lisboa.

“Explodiram a casa dele, que era como um pai para as crianças, não alterava a voz nunca e tinha um coração enorme. Morreram ele e o pai, e a mãe está em estado grave”, diz a brasileira. “Essa guerra nos tirou o direito de ter coisas simples, como a escolha de onde se quer viver”, lamenta. Veja os principais trechos da entrevista.

Por que decidiu falar sobre a atual situação no Líbano?
Essa guerra nos tirou o direito de ter coisas simples, como a escolha de onde se quer viver. As bombas mataram o diretor da escola dos meus filhos na noite de sexta-feira (04/10). Por isso, resolvi conceder essa entrevista. O diretor da escola de meus filhos era Ali Hajj. Eu brigava muito com ele, porque é normal você brigar com o diretor da escola dos seus filhos, mas ele era uma pessoa boa, professor de jiu-jitsu, que amava as crianças. Elas estão chocadas e decepcionadas, porque mataram uma pessoa que nós conhecíamos havia sete anos e tinha imensa importância para nós.

Quem a senhora acha que matou o diretor da escola?
Israel, claro. Existe uma diferença entre o Estado de Israel, que é sionista, e os judeus. Não temos nada contra os judeus. Esse é um ponto importante. Somos contra o Estado sionista de Israel, que está fazendo isso. Tem um louco no poder, que usa desculpas esfarrapadas. Antes, era o Hezbollah. Ele matou Hassan Nasrallah, que era o líder desse grupo. Agora, está atacando pessoas indefesas. Quem será o próximo? Qual será a próxima desculpa? Olha, sou uma pessoa que não sabe muito de política. Então, não posso dar certezas. Sei que vivemos de política, mas prefiro ficar longe disso tudo.

A política hoje se tornou sinônimo de intolerância em muitos lugares.
Ter uma opção política deveria ser uma coisa livre, ter o poder de escolher. Se sou de um partido e você, de outro, isso lhe dá o direito de me matar? Nós não temos as mesmas visões e a mesma religião. Discordo dos meus filhos que estão dentro da minha casa, do meu pai, da minha mãe, que me criaram. Então, como não posso discordar de pessoas de outros lugares? O diretor da escola dos meus filhos era importante para nós. Ele nos acolheu superbem, porque nem eu nem meus filhos sabíamos árabe, e ele nos ensinou. Ele brincava com meu filho toda vez que o encontrava. Explodiram a casa dele. Por sorte, as três filhas e a mulher dele não estavam lá, senão tinham ido junto. Mas o pai dele morreu e a mãe está em estado grave.

Como foi a fuga do Líbano?
Ter de sair da sua casa apenas com uma mala de 15 quilos, com a sua vida toda dentro dela, chegar no aeroporto, ao Deus-dará, e depender de um outro país, que não é o Líbano, para lhe tirar dali com segurança não é normal. Imagine que, enquanto estávamos no aeroporto de Beirute ontem (sexta-feira, 04/10), estavam bombardeando ao lado dali. Imagina você vendo aquela fumaça toda. Você diz: nossa, pedi auxílio ao consulado para não correr risco de vida.

Qual a real situação da região onde estavam?
Eu ligava para o Gabinete de Emergência Consular e perguntava se havia alguma novidade sobre o nosso resgate. Falava que as pessoas estavam com medo, pois estavam atacando ao lado do aeroporto. No gabinete, diziam para termos calma. Respondiam que estavam fazendo o possível para as autoridades autorizarem o pouso da aeronave que iria nos buscar. Asseguravam que não devíamos temer, pois Israel sabia que havia estrangeiros no aeroporto.

Seus filhos estavam estudando?
O ano letivo começou na semana passada. Meus filhos tiveram somente dois dias de aula. A minha filha voltaria na próxima semana para a faculdade, mas começaram os ataques. Todo mundo parou de ir às aulas. É terrível! É horrível! Os meus filhos choram o tempo todo. Nós tínhamos dois gatos. Eles eram da família. Tivemos de deixá-los para trás.

Qual a expectativa em relação ao futuro?
Não faço ideia do que vou fazer da minha vida. No fundo, queremos mesmo é voltar para o Líbano, mas sabemos que isto está cada vez mais difícil. Existem três mil brasileiros querendo sair de lá. Nós estamos seguros aqui em Portugal, onde também temos cidadania, porque minha mãe é portuguesa. Nesse momento, vamos para a cidade do Porto, onde mora um irmão meu, Charif, que vai nos abrigar por um tempo. Porém, teremos de ter uma alternativa, que ainda não sabemos qual é.

Que mensagem quer deixar para amigos e familiares que ficaram no Líbano?
Espero, de coração, que todos fiquem bem e seguros. Nós amamos todos e desejamos que isso tudo acabe o mais rapidamente possível. Que alguém que tenha algum poder interfira e salve todas as pessoas. Não só as brasileiras, porque também temos o povo libanês lá, que amamos. Temos parentes e o povo brasileiro que estão lá. Tenho esperança e fé de que vai terminar. Em relação ao governo do Brasil, se há um desejo do povo brasileiro que está no Líbano, é que consiga o mais rapidamente tirar as pessoas de lá, porque elas estão desesperadas, elas estão sem chão. E a maior parte delas perdeu tudo. Não tem o que fazer mais. O resgate delas será uma nova chance, uma nova esperança.

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