*com Vítor Hugo Monteiro Portugal é conhecido por ter treinadores espalhados pelo mundo, muitas das vezes, com sucesso. Bruno Cancela, técnico português, faz parte desse lote, mas com uma particularidade: trabalha nas remotas e exóticas Ilhas Caimão, país situado no Caribe e que não é propriamente conhecido pela prática futebolística. Lá iremos... O território ultramarino britânico ficou, em 2014, nas bocas do mundo. Jeffrey Webb, na altura presidente da federação caimanesa e líder da CONCACAF, viu-se envolvido num escândalo de corrupção em conjunto com a FIFA e foi, inclusive, detido. Desde então, o território paradisíaco tem tentado recuperar de algumas mazelas deixadas por esta infame situação. @Arquivo pessoal O zerozero esteve à conversa com o treinador português para conhecer a realidade competitiva do país e falar sobre o quotidiano de um sítio tão fora da caixa. Bruno Cancela representa, atualmente, a Academy SC de George Town (capital das Ilhas Caimão) e é treinador adjunto da equipa principal, acumulando a essa função vários cargos nos escalões de formação. A figura principal desta entrevista começou, aos 24 anos, na equipa técnica do Fiães SC, tendo, mais tarde, ingressado no Boavista. Cancela esteve três anos na formação do clube axadrezado e em 2021/2022 foi campeão distrital de sub-13. A chegada às Ilhas Caimão consumou-se em março de 2023, por intermédio de outro lusitano: «Cheguei por intermédio do Paulo Mourinho, outro português que já cá estava. Ele contactou-me por um amigo que temos em comum e achei que estava na altura de ter uma experiência fora, até para o meu próprio desenvolvimento. Entretanto, o Paulo já não está cá e agora estou com o irmão dele, o Nuno Mourinho. Agradeço imenso a oportunidade que me deram e ainda mais pela forma como fui acolhido.» Bruno Cancela com os responsáveis pela sua chegada às Ilhas Caimão @Arquivo pessoal qO meu objetivo principal era conhecer realidades opostas às que viva em Portugal e foi sem dúvida o que descobri Bruno Cancela, treinador do Academy FC «É uma vida absolutamente distinta e, em termos monetários, é claramente superior a Portugal. A curto/médio prazo tenho a meta de voltar ao meu país. A vinda para cá foi mesmo para isso. Queria abrir portas a novos cenários e, quem sabe, ingressar em projetos profissionais», acrescentou. A Academy SC, no site oficial, apresenta-se como uma organização sem fins lucrativos e aceita voluntários para funções de técnico e jogador. Bruno Cancela explicou que existe, de momento, um projeto de profissionalização a decorrer: «Quando chegamos ninguém recebia contrapartidas financeiras. De momento, temos apenas um voluntário como treinador e estamos a tentar profissionalizar o clube a 100 por cento. É complicado porque as Ilhas Caimão sofreram um grande revés depois dos escândalos FIFA.» Numa nação com, sensivelmente, 68 mil habitantes, sente-se dificuldade para arranjar jovens atletas: «O problema é mesmo a população ser muito curta. Ainda assim, temos 400 jogadores. Devemos ser os únicos em conjunto com o 345 FC, que é o nosso grande rival. Nós exportamos muito para os Estados Unidos, ainda agora foram dois miúdos para lá e isso ajuda a que nos procurem.» Academy SC Ao contrário do que se poderia imaginar, o técnico afirmou que o futebol é o desporto mais praticado nas ilhas: «Quando cheguei, o futebol estava muito descredibilizado pelos escândalos FIFA, mas ainda assim continua a ser o desporto mais praticado e com mais visibilidade. Está a passar por um processo de readaptação e reestruturação e já se começa a ver mais gente nos estádios, incluindo no feminino.» @Arquivo pessoal Questionado sobre o nível das instalações, Bruno reconheceu o investimento insuficiente: «Aqui baseiam-se muito nas ajudas que o Estado oferece. Nós [Academy SC] temos um relvado natural e nas Ilhas Caimão existem apenas mais três. De resto é tudo sintético, alguns treinam em escolas e outros no complexo da Cayman Islands Football Association.» Uma das coisas que desperta natural interesse é o dia a dia de alguém que vive num país conhecido como um autêntico paraíso. Bruno ilustrou, na totalidade, como é habitar num lugar desses: «Isto é absolutamente relaxado a todos os níveis. As pessoas vivem de forma muito calma. Não se importam de não fazer tudo hoje, sabem deixar as coisas para amanhã. Absolutamente o oposto da Europa. Aqui não há trânsito, só à sexta-feira é que a estrada principal enche, de resto é tranquilo.» Relativamente ao estilo de vida nas Ilhas Caimão, Bruno Cancela montou o guarda-sol e deu-nos um aperitivo de como é viver nas Caraíbas: «A manhã é completamente nossa [equipa técnica]. Vivemos num condomínio com piscina e ginásio, sendo que passamos lá algum tempo. Estamos muito por casa a planear os treinos, falamos sobre as sessões anteriores e debatemos sobre o que melhorar. Da parte da tarde estamos no clube e saímos por volta das 18 horas. Estou aqui há um ano e nunca vesti umas calças, o clima é fenomenal. As pessoas aqui são bastante dóceis e acolhem muito bem.» @Arquivo pessoal Uma região tão inusitada, no que ao futebol diz respeito, não podia deixar de ter algumas histórias caricatas. O entrevistado, em clima de boa disposição, decidiu partilhar algumas delas. Numa das ocasiões, a equipa de sub-17 do Academy estava na primeira posição do campeonato «com 13 golos de vantagem perante o adversário direto», o 345 FC. « Acontece que o 345 FC tinha um jogo em atraso com outro adversário e acabou por golear... 17-0 (!). Nós, na última jornada, íamos defrontar esse mesmo oponente com a certeza que iríamos ganhar por uma larga margem.» É aqui que a história sofreu um revés: «O outro conjunto desistiu porque não tinha motivação para nos defrontar, ganhámos 3-0 e acabámos por ficar em segundo lugar.» Outra situação pouco usual foi o facto de Bruno, naquele momento no comando técnico dos sub-11, defrontar rapazes de 15 anos. «Eu disse ao outro treinador que eles eram enormes para a idade e ele respondeu-me que não tinha mais ninguém para jogar, por isso convidou miúdos quatro anos mais velhos. Eu disse que não tinha mal e agradeci-lhe a honestidade.» De Portugal para as Ilhas Caimão, a volta ao mundo... sempre em calções. Em busca de uma realidade alternativa
Ilhas Caimão: uma caixinha de surpresas
3 títulos oficiaisQuotidiano paradisíaco que traz boas histórias