Caso das Gémeas. Onde começa o processo e termina a sombra sobre Marcelo?

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07 jun, 2024 - 22:37 • Fábio Monteiro

O caso das gémeas luso-brasileiras é uma sombra sobre Marcelo – mesmo sem ser arguido no processo. O caso começa na Presidência. Nuno Rebelo de Sousa deverá ser constituído arguido e ouvido pela PJ quando voltar a Portugal.

Tudo começou com uma notícia. A 3 de novembro do ano passado, poucos dias antes de o Governo de António Costa cair, a TVI/CNN revelou que o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, havia aberto uma auditoria para perceber como é que duas gémeas, que viviam no Brasil, tinham recebido em Lisboa um tratamento para atrofia muscular espinhal, uma doença rara, no valor de quatro milhões de euros.

Dado o valor da terapêutica e as dificuldades financeiras conhecidas do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o caso teria logo, à partida, impacto mediático. Mas a notícia da TVI/CNN acrescentava outro detalhe: existiam “suspeitas” de que o tratamento tivesse “acontecido por influência do Presidente da República”.

Por outras palavras, Marcelo Rebelo de Sousa estaria, alegadamente, envolvido. Porquê? O pedido partira do filho, Nuno Rebelo de Sousa.

Como começou tudo?

Nuno Rebelo de Sousa mora no Brasil, já há alguns anos. Até abril passado, desempenhou funções como presidente da Câmara Portuguesa de Comércio de São Paulo. E é amigo dos pais das gémeas que receberam o tratamento com o medicamento Zolgensma.

Em 2019, Nuno escreveu – diretamente para a Presidência da República – um email ao pai, Marcelo Rebelo de Sousa, a pedir ajuda.

Na mensagem, lia-se: “Temos estado 100% focados tentando ajudar as gémeas a conseguir os cartões de cidadão portugueses, o que já está. (…) Agora precisamos de uma ajuda maior para que elas consigam o único tratamento no Mundo que as pode salvar. O pai pode ajudar?”

O que aconteceu depois é a parte problemática.

Primeiro problema: nacionalidade em tempo recorde

Em tempo recorde, as gémeas brasileiras conseguiram a nacionalidade portuguesa.

De acordo com o Ministério da Justiça, os pedidos de nacionalidade deram entrada a 2 de setembro de 2019 no Consulado em São Paulo. Ainda no mesmo dia, foram remetidos à Conservatória dos Registos Centrais (Lisboa). A 16 de setembro, já haviam sido emitidos os assentos de nascimento.

Segundo problema: consulta marcada pelo Governo

Marcelo remeteu o pedido do filho para a Casa Civil, que, por sua vez, o terá remetido para o Governo.

Assim, ainda nem as gémeas haviam pisado solo português, já alguém da Secretaria de Estado de Saúde, então liderada por António Lacerda Sales, havia marcado consulta na especialidade de neuropediatria para as crianças no Hospital de Santa Maria.

Uma auditoria interna do Hospital de Santa Maria concluiu que a marcação de consulta fugiu às regras internas. O mesmo documento indica que foi Lacerda Sales que fez o pedido, por intermédio de uma secretária do seu gabinete.

Também de acordo com o último relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), o acesso à consulta de neuropediatria das crianças foi ilegal.

Terceiro problema: autorização de tratamento em dois dias

As gémeas receberam autorização para receber tratamento com o medicamento Zolgensma, conhecido como “o mais caro do mundo”, em dois dias. Mais uma vez, uma aprovação em tempo recorde.

A decisão terá partido de Luís Pinheiro, à data diretor clínico do Hospital de Santa Maria.

O medicamento foi administrado a uma das crianças no dia 23 de junho de 2020 e à irmã dois dias depois.

Então, e Marcelo?

A princípio, Marcelo Rebelo de Sousa negou ter conhecimento do caso das gémeas. Afirmou mesmo não se lembrar de nenhum pedido de ajuda do filho. E rejeitou ter feito qualquer intervenção.

Mais tarde, deu o dito por não dito. Mas afastou sempre qualquer favorecimento.

Até ao momento, o Presidente da República não foi constituído arguido. (O Supremo rejeitou investigar Marcelo Rebelo de Sousa no caso das gémeas, de acordo com nota do tribunal.)

Ainda esta tarde, numa nota publicada no site da Presidência da República, Marcelo garantiu que ia enviar documentação à Comissão Parlamentar de Inquérito, que decorre no Parlamento, sobre o caso das gémeas.

A Presidência "acaba de receber, da Comissão Parlamentar de Inquérito, um requerimento da documentação nela disponível, que, aliás, é a mesma já enviada à Procuradoria-Geral da República, e que será remetida no próximo dia 11 de junho", lê-se no documento.

Quem já foi constituído arguido?

Ao contrário do pai, o filho de Marcelo deverá ser chamado a responder. (Alegadamente, os dois estão de relações cortadas.)

Segundo a CNN, Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República, deverá ser constituído arguido no caso das gémeas e ser interrogado quando vier a Portugal. O mesmo deverá acontecer com o pai das crianças luso-brasileiras.

Na segunda-feira, António Lacerda Sales, ex-secretário de Estado da Saúde, foi constituído arguido no processo. E a casa do ex-governante foi alvo de buscas pela Polícia Judiciária.

Segundo uma nota do Ministério Público, estão em causa factos suscetíveis de configurar "crime de prevaricação, em concurso aparente com o de abuso de poderes, crime de abuso de poder na previsão do Código Penal e burla qualificada".

Luís Pinheiro, antigo diretor clínico do Hospital de Santa Maria, também foi constituído arguido.

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