Começa o julgamento da derrocada em Borba. “Vamos apontar o dedo a quem?”

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 Nuno Veiga/ Lusa O acidente, ocorrido em novembro de 2018, causou a morte de dois operários e três homens, ocupantes de duas viaturas automóveis que seguiam no troço da estrada.Foto: Nuno Veiga/ Lusa

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Num quiosque no centro de Borba, assim que se ouve a palavra “derrocada” há quem diga que já não se lembra ou que é “assunto encerrado”. Contudo, no momento em que alguém começa a descrever o dia 19 de novembro de 2018, de imediato cruzam-se as histórias daqueles que estavam lá quando aconteceu. Passaram seis anos.

“Lembro-me mais ao menos, eu andava a trabalhar." João Padre, 76 anos, estava a poucos metros da derrocada do dia 19 de Novembro. Trabalhava na poda quando ouviu um barulho estranho, mas só quando regressava pela Estrada Municipal 255 se apercebeu que o piso tinha abatido.

“Há uma história que se conta de um senhor que quando olhou pelo retrovisor viu a estrada a cair, tinha passado por ela há pouco tempo”, conta outro habitante de Borba.

Manuel Clérigo mostra no seu telemóvel as imagens da estrada, o habitante esteve lá tempos depois da tragédia.


 Lara Castro/RRNo quiosque, as histórias daqueles que estavam em Borba no dia da derrocada cruzam-se, Manuel Clérigo mostra no seu telemóvel as imagens que tirou à estrada.Foto: Lara Castro/RR
 DRA Estrada Municipal 255 antes da derrocada. Foto: DR DRA estrada ruiu em novembro de 2018. Foto: DR

Na tarde de 19 de novembro de 2018, um troço com cerca de 100 metros da Estrada Municipal 255 (EM255), entre Borba e Vila Viçosa, ruiu devido ao deslizamento de um grande volume de rochas, blocos de mármore e terra para o interior de duas pedreiras.

O acidente causou cinco mortes: dois operários da empresa de extração de mármore e três homens, ocupantes de duas viaturas que seguiam no troço de estrada que colapsou.

No quartel dos bombeiros de Borba, está Pedro Lapão, o primeiro operacional a chegar ao local. Seis anos depois, continua a ser bombeiro. Conta à Renascença aquele que foi um dia que o marcou.

“Não sabíamos para o que íamos”, diz. Assim que chegou ao local, um carro estava a trancar a estrada - a fazer sinais, gestos para o interior da pedreira. Pedro acredita que foi o que os salvou.”Se calhar, se não estivesse lá o carro, seguíamos em frente e podíamos já cá não estar.”

Foram 13 dias de operações com mais de 100 entidades envolvidas. Joaquim Branco, comandante dos Bombeiros de Borba, esclarece que a derrocada “foi uma ocorrência preocupante, não pela dimensão, mas pela complexidade”.


 Lara Castro/RRPedro Lapão foi o primeiro bombeiro a chegar ao local.”Secalhar se não estivesse lá o carro seguíamos em frente e podíamos já cá não estar.” Foto: Lara Castro/RRPara Joaquim Branco, Comandante dos Bombeiros de Borba a derrocada foi uma ocorrência preocupante pela complexidade.Para Joaquim Branco, Comandante dos Bombeiros de Borba a derrocada foi uma ocorrência preocupante pela complexidade.

 Nuno Veiga/LusaForam 13 dias de operações com mais de 100 entidades envolvidas. Foto: Nuno Veiga/Lusa Rui Minderico/LusaO acidente causou cinco mortes: dois operários da empresa de extração de mármore e três homens, ocupantes de duas viaturas que seguiam no troço de estrada que colapsou. Foto: Rui Minderico/Lusa

 Rui Minderico/LusaOs habitantes de Borba sentem falta da estrada histórica que já na altura da idade média era usada pelos reis. Foto: Rui Minderico/Lusa

Uma estrada sem reabilitação em vista

De volta ao quiosque do centro da cidade, António Alegria conta que estava a regressar a Borba quando ouviu na rádio que a estrada tinha caído. Recorda que antes de ser uma pedreira, o local da tragédia era um olival.

Os habitantes de Borba sentem falta da estrada histórica, uma via que já na Idade Média era utilizada até pelos reis.

“Faz muita, muita falta. Agora, temos de ir dar uma volta do caneco”, atira João Padre.

Com o passar dos anos, a antiga Nacional 255 passou a ser estrada municipal, mas nunca deixou de ser a via principal para grande parte das populações dos concelhos de Borba e Vila Viçosa. A EM255 fazia a ligação entre Borba e Vila Viçosa ao longo de quatro quilómetros. A derrocada fez aumentar a distância para 11.

“Toda a gente dizia que a estrada estava perigosa, mas toda a gente passava lá”, afirma Rui Pereira.

Por entre histórias do dia da derrocada, ouve-se um habitante questionar: “Vamos apontar o dedo a quem?” Seis anos depois dos factos, arranca, esta quinta-feira, o julgamento.


 Nuno Veiga/LusaCom o passar dos anos a antiga Nacional 255 passou a ser estrada municipal, mas nunca deixou de ser a principal para grande parte das populações dos concelhos de Borba e Vila Viçosa. Foto: Nuno Veiga/Lusa
“Dizem que o presidente da câmara é culpado. Sou sincero, o homem estava cá há meia dúzia de meses, que culpa terá a pessoa?”, afirma João Padre. Foto: Lara Castro/RR“Dizem que o presidente da câmara é culpado. Sou sincero, o homem estava cá há meia dúzia de meses, que culpa terá a pessoa?”, afirma João Padre. Foto: Lara Castro/RR Lara Castro/RR“Toda a gente dizia que a estrada estava perigosa, mas toda a gente passava lá”, afirma Rui Pereira. Foto: Lara Castro/RR

Autarca no banco dos réus “sem culpa nenhuma”

No julgamento que começa esta quinta-feira, há seis arguidos e entre eles está o presidente da Câmara Municipal de Borba, António Anselmo. A acusação não é bem vista pela população, que sai em defesa do autarca.

“Dizem que o presidente da Câmara é culpado. Sou sincero, o homem estava cá há meia dúzia de meses, que culpa terá a pessoa?”, afirma João Padre.

Para a população de Borda, o julgamento desta quinta-feira “não faz sentido”. Rui Pereira vê a situação como injusta e aponta a culpa para a “engenharia das pedreiras”. O habitante de Borba explica que um dos motivos é o facto do dono da pedreira já ter falecido.

O gerente da sociedade que possuía a licença de exploração da pedreira estava acusado, em conjunto com o responsável técnico, de 10 crimes de violação de regras de segurança.

Quem partilha da mesma opinião é António Alegria. "O presidente não tem culpa nenhuma, porque aquilo já vem muito detrás.”

Rui Pereira acredita que o julgamento já nada acrescenta à situação.

“O dinheiro já não traz a vida aquelas pessoas, e o julgamento também já não traz- as pessoas já estão a viver com aquilo”, pensou Rui Pereira.

A julgamento estão também funcionários da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), pronunciados por dois crimes de homicídio por omissão. O vice-presidente da Câmara de Borba, Joaquim Espanhol, está acusado de três crimes de homicídio por omissão.

A constituição dos arguidos foi divulgada em fevereiro de 2020, pelo Ministério Público (MP). No mês de dezembro desse mesmo ano arrancou a fase de instrução do processo. Depois dessas sessões, na fase de instrução foram ouvidas várias testemunhas pelo juiz titular do processo.

Em janeiro de 2021, no debate intrudutório, o Ministério Público afirmou que “mantém todos os factos da acusação imputados aos arguidos”. Em 2022, quatro anós após a derrocada ainda não havia arguidos no “banco dos réus”. Este ano, o ínico do julgamento já esteve marcado para 3 de abril, mas foi adiado para esta quinta-feria, por motivos de saúde da presidente do coletivo que vais julgar o caso.

Os 19 familiares e herdeiros das cinco vítimas mortais da derrocada receberam indemnizações do Estado, num montante global de cerca de 1,6 milhões de euros, cujas ordens de transferência foram concluídas em 2019.


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