Direita nacionalista e radical na Europa. Retrato de uma viragem que atinge vários países

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Atualmente, partidos com o mesmo discurso de contracorrente do Chega e do seu líder, André Ventura, especificamente o Fratelli e o Fidesz, lideram os executivos em Itália e na Hungria.

O mesmo ideário, de cariz variado incluindo identitário, nacionalista, eurocético e antissocialista, está presente por outro lado nos governos da Eslováquia, através do SNS, o Partido Nacional Eslovaco, e da Finlândia, com o Partido dos Finlandeses. 

O Democratas da Suécia apoia por seu lado o Governo sueco sem participar do executivo, tal como o Chega poderá vir a fazer em Portugal nos próximos meses, mesmo que apenas de forma pontual.

E, caso um dia o Chega vença as eleições, Portugal poderá mergulhar no mesmo impasse que afeta os Países Baixos. Geert Wilders e o seu PVV (Partido pela Liberdade) venceram sem maioria as eleições em novembro de 2023, mas foram incapazes de formar Governo, mesmo com o apoio do pequeno BBB, o Movimento dos Cidadãos e Agricultores.

Wilders desistiu de ser primeiro-ministro esta quarta-feira devido ao impasse. “Só posso tornar-me primeiro-ministro se todos os partidos da coligação me apoiarem. Este não foi o caso”, afirmou.

Aguarda-se por outro lado o que poderá suceder na Áustria, onde o Partido da Liberdade, FPÖ, parece próximo de vencer as eleições de outubro.

Também a AfD, Alternativa para a Alemanha dos eurocéticos radicalizados, e a União Nacional, líder da oposição em França, têm quebrado recordes de popularidade.

Nem tudo têm sido ganhos. Na Polónia, em outubro de 2023 o ultraconservador PiS teve de ceder o poder, ao fim de oito anos, à coligação centrista liderada por Donald Tusk. E em Espanha, o Vox tem estado a perder popularidade, tendo caído de 52 para 32 deputados da Câmara Baixa do Parlamento nas eleições de julho passado.

Reviravolta em junho

Para as eleições europeias, a expetativa é de grandes ganhos para esta tendência política. 

Os partidos da direita mais radical poderão mesmo vencer em nove países, a saber, Áustria, França, Polónia, Bélgica, Chéquia, Hungria, Itália, Países Baixos e Eslováquia.

Noutros nove dos 27 Estados, como Alemanha, Portugal, Espanha, Bulgária, Estónia, Letónia, Roménia, Finlândia e Suécia, as projeções apontam para que os partidos ultraconservadores e nacionalistas fiquem em segundo ou terceiro na contagem de votos.

As projeções indicam que o PPE, de centro de direita, o S&D, dos socialistas e democratas, o RE, da renovação europeia centrista, e os Verdes, deverão todos perder deputados em junho.

A extrema-esquerda e, sobretudo, a direita mais populista, incluindo o grupo Europeu de Conservadores e Reformistas e a extrema-direita Identidade e Democracia, serão provavelmente os grandes vencedores nas próximas eleições europeias.

Em números, o austríaco FPÖ poderá duplicar para seis os seus eurodeputados, tal como o AfD que poderá ficar com 19. O Fratelli está projetado para obter 27 lugares no hemiciclo europeu e o RN, de Marine Le Pen, uns recordistas 25.

O ID poderá ganhar mais 40 lugares para um novo total de 98, tornando-se a terceira força política europeia.

Um cenário que poderá originar, pela primeira vez, uma significativa força parlamentar de direita no Parlamento Europeu, juntando o PPE, o RE e o ID, com 49 por cento dos eurodeputados, levando os socialistas europeus a começar já a exigir ao PPE que declare um "cordão sanitário" que impeça esta possibilidade.

A ascenção dos ultraconservadores e radiciais terá um provável impacto na legislação, desde o ambiente à imigração, ao alargamento da União ou ao apoio à Ucrânia – basta lembrar que a participação de vários ministros pró-russos do SNS no executivo na Eslováquia ditou o fim das contribuições do país para o esforço de guerra ucraniano.

De notar que, até agora, os eurodeputados eleitos pelas diferentes forças políticas se têm espalhado por outros grupos parlamentares europeus ou, como os húngaros, são não-inscritos.

O grande dilema

O crescimento da direita mais radical afeta toda a Europa, do norte ao sul, do extremo leste ao extremo ocidental, e tem vindo a cimentar-se. Até há poucos anos um fenómeno dado como temporário e marginal, fixou-se no eleitorado.

O grande dilema das forças políticas convencionais que ainda retêm o maior peso político apesar da tendência, tem sido a atitude a tomar perante tal onda de popularidade. As escolhas têm variado, da cooperação ao desdém.

A Hungria é por enquanto o único país da UE em que a direita não conformista, no caso do primeiro-ministro Viktor Orbán, governa sem aliados, tendo recebido recentemente o quarto mandato consecutivo.

Em Itália, o Fratelli pós-fascista da primeira-ministra Giorgia Meloni, governa em coligação com a Liga, o partido de extrema-direita de Matteo Salvini, e a formação Forza Itália, do recém-falecido Sílvio Berlusconi, ambos próximos do radicalismo de direita e com experiência governativa.

Na Finlândia, a coligação centro-direita de Petteri Orpo, vencedora das eleições legislativas de abril de 2023, governa com o Partido dos Finlandeses, que foi segundo por uma magra diferença de 0,7 por cento dos votos.

O Partido Popular finlandês e os cristãos-democratas, que conseguiram respetivamente 4,3 e 4,2 por cento dos votos, também incluem o executivo. Mas o Partido dos Finlandeses conseguiu a nomeação da sua líder, Riikka Purra, como vice-presidente do Governo, em acumulação com a pasta das Finanças.

Na Eslováquia, o cenário é mais estranho. Robert Fico, dirigente do Smer-SD, historicamente considerado de centro-esquerda, regressou ao poder a 25 de outubro último, pela terceira vez, depois de ter vencido as eleições legislativas de setembro.

Para governar, o líder socialista, populista, aliou-se ao SNS, da outra ponta do espectro político. A audácia custou-lhe ver três dos seus eurodeputados serem suspensos do Grupo Socialista e Democrata.

Na Suécia, a oposição de membros da aliança dos partidos de direita e extrema-direita vencedora das eleições legislativas de 11 de setembro, impediu o partido Democratas da Suécia, SD, de Jimmie Akesson, de obter lugares no executivo, apesar de ter ficado em segundo atrás dos vencedores social-democratas.

O SD, nacionalista e que inclui neonazis confessos nas suas fileiras, vota apesar disso a legislação sueca e contribui na definição da linha política do executivo, liderado por Ulf Kristersson, dos Moderados (liberais-conservadores) e que inclui ministros cristãos-democratas e liberais.

Impossíveis de ignorar

Em Espanha, o Partido Poular tentou durante muito tempo ignorar e depois denunciar o Vox. Ambos fizeram contudo alianças regionais e o PP estava disposto a um acordo nacional, não fosse o resultado surpreendente do PSOE de Pedro Sánchez.

Já em França, o RN de Le Pen lidera a oposição e forçou recentemente o executivo do presidente Emmanuel Macron, a adotar uma linha mais dura na nova legislação sobre migrantes.

Na Alemaha, a AfD, que deu os primeiros passos com os eurocéticos, rapidamente se transformou em refúgios dos descontentes radicais de direita. Será, atualmente, a segunda força política nacional.

Para as eleições do outono na Saxónia, em Brandeburgo e na Turíngia, as sondagens apontam para que os ramos locais da AfD obtenham de 31 a 36 por centos dos votos. Na Turíngia, o líder da AfD, Bjorn Hocke, que muitos consideram fascista, pode ascender a primeiro-ministro.

"Em cada vez mais países, a extrema-direita está a obter 15 a 20 por cento do eleitorado, ou mais ainda", afirmou esta semana ao Guardian o cientista político da Universidade de Oxford, Vicente Valentim, autor de um livro no prelo sobre a normalização da extrema-direita. "Isso significa que é cada vez mais difícil garantir a alternância governativa sem os incluir".
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