Discussões dos Conceição e a pressão em Viseu: «Assinei e no dia seguinte falou-se em Europa»

6 meses atrás 174

O desafio prometia e não desiludiu. Atrás de uma imagem séria e assertiva, o nosso portal conheceu um Vítor Martins de apurado sentido de humor e com apetitivas histórias das muitas experiências acumuladas com apenas 37 anos. Na ressaca de um projeto menos feliz em Viseu, o técnico dá-se a conhecer com uma grande entrevista.

Na primeira de duas partes, o técnico aborda a passagem pelo Académico e as recordações dos vários anos de FC Porto, além do trabalho com Luís Castro. Entre os craques que passaram pelas suas mãos, hilariantes revelações ao zerozero dos irmãos Conceição, da magia de Eustaquio e da adaptação de Danny Namaso ao futebol português.

«O Académico teve quatro treinadores na época anterior»

zerozero - Há descanso ou analisa-se jogos de forma mais intensa durante estes períodos sem trabalhar?

Vítor Martins - Descanso não é a palavra certa. Toma conta de nós alguma ansiedade. Vemos os colegas a trabalhar ao fim de semana e, sem desejar mal a ninguém, fica sempre o pensamento de "e se fosse eu". Acordar e saber que não vamos apanhar a chuva no treino, não vamos ter contacto com o balneário. Tento regenerar energia para voltar em força.

zz - Tem neste período uma abordagem mais abrangente ou concentra atenções em campeonatos mais prováveis de treinar no futuro?

VM - Tenho estudado outros campeonatos. Passei recentemente um período considerável em Itália, um futebol que sempre me seduziu. Gosto muito do lado mais tático do jogo, momento em que os treinadores têm mais intervenção. Vi muitos treinos e vários jogos. Claro, não esqueço o que tem sido a minha realidade, a II Liga. Jogadores que podem ficar livres, etc. Quem não está no terreno tem de matar o bichinho.

zz - Passados alguns meses, que aspetos aponta para a aventura em Viseu não ter corrido como esperado?

VM - Ficaria mal se fizesse uma análise muito específica, pois a nova equipa técnica e o grupo de jogadores merece e a melhor sorte. Torço por fora pelo Académico. O plantel foi muito dedicado e gosto muito deles. Agarrou-se muitos às nossas ideias de treino e jogo.

Passagem em Viseu durou apenas dez jogos @Rogério Ferreira / Kapta+

As expetativas eram grandes. Um dia após assinar o presidente falou de Liga Europa. Deu uma ideia que o projeto estava tão sustentado que a subida ia ser algo natural. Empatámos um jogo, dois, ganhámos o terceiro... As expetativas foram tomando conta de nós. Trabalhámos para que as coisas tivessem corrido bem.

Para quem quer subir a nossa média de pontos foi baixa. Custa. Há aspetos muito bons em Viseu e que podem solidificar uma equipa num patamar diferente, mas também jogam outros clubes com as mesmas ambições. Em nada quero arranjar desculpas. Mesmo quando ganhas há oportunidades de melhoria.

zz - Não são momentos fáceis de gerir, acredito.

VM - Não é uma situação agradável, claro. A minha filosofia como treinador não pode ser alterada por nenhum clube. Fui sempre a mesma pessoa em cada projeto. As coisas não correram bem rapidamente. Sabia que era assim, o Académico tinha tido quatro treinadores na época anterior. Fizemos de tudo para que os resultados surgissem logo e infelizmente não aconteceu. Acredito que dei, com a minha equipa técnica, um passo em frente neste desafio. Não ficámos mortos nem estagnados. 

Dizem que só somos treinadores depois do primeiro despedimento. Aqui estou eu (risos).

zz - Talvez tenha sido no Leixões o primeiro contacto de muitas pessoas com o Vítor. De que forma surgiu o futebol na sua vida e decidiu enveredar por este caminho?

VM - Uma paixão desde sempre. As minhas brincadeiras sempre foram com futebol envolvido. Tive uma infância feliz na rua, o tempo livre era passado com a bola. Sempre que via alguém com uma bicicleta era uma ameaça (risos). 

O sonho, como de todos, passou ao início por ser jogador. Também tive jeito para a Natação e cheguei a praticar. Fiz uma carreira tímida em clubes de Distrital e, na entrada para a Faculdade, optei por me dedicar e alimentar a vontade de ser treinador. 

Mourinho mostrou a todos que a posição de treinador pode dar-nos o que não conseguimos como atletas.

zz -  Cada vez associa-se menos automaticamente a transição de grande futebolista para grande treinador.

VM - O ponto de equilíbrio é muito importante. Pessoas que estiveram no terreno e também alguém com uma vida académica diferente, capaz de interpretar as novas tendências. O melhor é ir beber aos dois mundos. Quem jogou a alto nível estudar a Literatura e o académico também não ficar só reduzido ao teórico. 

Vítor passou vários anos no FC Porto @FC Porto

«Via o Rodrigo e o Chico discutirem no carro»

zz -  Como foi crescer dentro da estrutura do FC Porto?

VM - «No último ano de faculdade conseguir fazer um estágio lá e pelo FC Porto fiquei. Fui trabalhando e socorrer as necessidades que eram precisas. Montar uns pequenos vídeos para o Scouting, depois opinar sobre jogadores.  Existia muita partilha. Conviver nos primeiros tempos com pessoas como o André [n.d.r ex-jogador pai de André André] ou o mestre da formação Costa Soares. Convidavam-me para almoçar e ficava no meio de grandes figuras, até tinha dificuldade em contar quando chegava a casa (risos). João Pinto, Rui Barros, Paulinho Santos...

Eram pessoas que entravam para mim quase num plano mitológico. Agarrei-me a querer fazer mais e melhor. Sem um talento especial tinha de ser assim. Comecei a seguir as tendências e a brincar com as imagens, a equipa principal depois já precisa desse tipo de apoio. Discutir muito com o mister Vítor Pereira ou o Pedro Emanuel. São coisas que marcam e cresci muito nesses anos. Tentei ´beber` de todos (...) Sempre a um ritmo alucinante»

zz - Acabou por acompanhar Luís Castro em Chaves e Guimarães. É uma pessoa importante no seu percurso?

VM - Muito. Endereçou-me esse convite que me honrou bastante. Precisava de uma mudança. Uma equipa técnica fantástica em que sentia que tinha o meu espaço. Tive um grande enriquecimento nessa experiência como em todas. O Luís é uma pessoa muito tranquila, mas exigente. Quer sempre que acrescentemos alguma coisa, uma informação, um pormenor... 

Pedia-nos para levarmos coisas diferentes e oportunidades de melhoria. É fantástico trabalhar num registo assim. Todos os dias são novos, são dias de crescimento. Nota-se nas suas equipas a evolução jornada a jornada. E quando o coletivo cresce também crescem os jogadores. Era prazeroso ver aquele GD Chaves e aquele Vitória SC jogar.

zz - Sente orgulho quando vê Luís Castro abraçado a uma figura como Cristiano Ronaldo, acredito.

VM - Sinto, obviamente. Enquanto diretor da formação do FC Porto promovia muito as conversas, as reuniões em que toda a gente tinha de acrescentar algo novo. Consegui catapultar-se e está à vista de todos o que tem conseguido. 

zz - Trouxe para a entrevista uma camisola do Stephen Eustaquio. É um símbolo do trabalho realizado pela sua equipa técnica em Chaves?

VM - Precisávamos de algo diferente para o meio-campo e o Eustaquio veio dar mais colorido à equipa. Transformou uma equipa que já tinha muita qualidade numa tela estilo Van Gogh (risos). Aquele meio-campo com o Bressan e o Pedro Tiba jogava e fazia jogar. Era uma equipa muito capaz na construção e definição de jogadas. 

Sou da zona de Matosinhos e falaram-me logo quando ele chegou ao Leixões do Campeonato de Portugal: "Há aqui um miúdo fantástico". Confirmámos e rapidamente percebemos que tinha de dar o salto rapidamente para a I Liga. Acontece com muitos nos escalões mais baixos, o problema é a falta de oportunidade e não a qualidade.

Vítor acompanhou irmãos Conceição na equipa B @Peter Spark / Kapta+

zz -  O Vítor ainda regressa à estrutura do FC Porto e trabalha duas épocas com a equipa B. Como foi acompanhar os irmãos Conceição? Confirma-se uma grande ética de trabalho?

VM - Há uma influência da cultura FC Porto, mas essa ética vi também no Moisés com quem trabalhei no Leixões. Está-lhes nos genes (risos). Dava gosto vê-los treinar. Para eles não há diferença entre esses momentos e os jogos. Se é para dar toques querem dar mais toques, se é para correr querem ser os mais rápidos. Eu vejo o mesmo Chico, um grande foco em ser melhor e fazer mais.

O Rodrigo até foi adaptado por nós a lateral. Via-lhe algumas características para isso quando estava no Benfica. Até cheguei a ter algumas brincadeiras e discussões sobre isso com o Renato Paiva.

zz - Eles pegavam-se nos treinos?

VM - Muito (risos). Tínhamos de ter o cuidado de os meter na mesma equipa ou na contrária se fosse preciso agitar. Com eles tudo era para ganhar. O Rodrigo dava boleia ao Chico depois dos treinos e via-os a discutir no carro. Dois exemplos que deviam pautar a média a nível de competitividade e esforço. Só assim é possível chegar a um grande nível.

zz - Fábio Vieira, um talento diferenciado?

VM - Totalmente, assim como o Vitinha, o Mor Ndiaye ou um mais tapado Meixedo. Vinham de ganhar a Youth League e de um momento para o outro estão a disputar a II Liga. É um choque, estavam habituados a ter a bola 50/60 minutos por jogo e passaram a ter de tomar decisões de forma mais rápida e assertiva. Um choque ótimo de ver para nós treinadores. 

Perdem algumas vezes contra equipas menos talentosas. É um período de adaptação e há que encontrar caminhos diferentes. Encontrar os atalhos do jogo, como dizia o mister João Eusébio. Na fase do Covid alguns deles treinavam na equipa A e lembro-me do Vitinha dizer: "há espaço para jogar na Primeira Liga". É fundamental passar pela realidade do segundo escalão.

zz - O espírito do Danny Namaso foi fundamental para a sua adaptação?

VM - Tinha muita vontade. Mostrou sempre um grande conhecimento do nosso contexto de II Liga e FC Porto. Sabia que ia precisar de passar pela equipa secundária e ganhar ferramentas para dar preparado um possível salto. Tínhamos algumas dificuldades para ele perceber os tempos de recuperação. Queria sempre estimular aspetos em que achava que precisava de melhorar. Alguém de muito trabalho, seja pé menos dominante, finalização a cruzamentos, etc.

Portugal

Vítor Martins

NomeVítor Emanuel Vieira Martins

Nascimento/Idade1986-06-01(37 anos)

Nacionalidade

Portugal

Portugal

FunçãoTreinador

 Penafiel x Ac. Viseu

 Tondela x Ac Viseu

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