Do carvão ao coração da classe operária: visita às origens do Schalke 04

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Sem a beleza arquitetónica de Hamburgo ou Munique e o perfeito oposto do frenesim eletrizante de Berlim, Gelsenkirchen apresenta-se tal como é: uma cidade de personalidade industrial, forjada pela mão operária e avessa à ideia de destino turístico. 

No centro dessa existência idiossincrática está o Schalke 04, o clube mais emblemático da cidade e um dos maiores da Alemanha.

Os Königsblauen (azul real) - uma entre várias alcunhas - são o maior “embaixador” da cidade, bem como a história secular das minas de carvão; ambos estão umbilicalmente ligados. 

Com Portugal de visita a Gelsenkirchen, esta quarta-feira, para defrontar a Geórgia, na derradeira jornada do Grupo F do Campeonato da Europa, o zerozero calcorreou as estradas da cidade e foi à descoberta do ADN local, com destaque para a ligação ao Schalke 04.

Do carvão para os relvados

Fundado a 4 de maio de 1904, no bairro de Schalke, na zona nordeste da cidade, o então Westfalia Schalke teve na “Zeche Consolidation”, uma das maiores fábricas de extração de carvão da Alemanha à data, um «porto de abrigo» para poder nascer e crescer. 

À chegada ao local, 120 anos depois desse 1904, o zerozero depara-se com a preocupação pela memória daquele lugar.

O pavilhão número quatro do complexo continua de pé, assim como a enorme estrutura em ferro sobre a antiga entrada nove, majestosa em direção ao céu de Gelsenkirchen.

O “Zeche Consolidation” , outrora centro nevrálgico da cidade, está agora ladeado por um campo verdejante e de pessoas a jogar ao berlinde, junto às enormes sapatas de ferro.  

Sobre o Schalke 04, nem uma referência. Quem aqui chega pela curiosidade futebolística - como o zerozero - já leva consigo o conhecimento sobre o estatuto sagrado de uma ligação que dispensa publicidade.

Mas que ninguém se engane; a história começa aqui, entre os murmúrios reminiscentes da construção industrial do século XIX e XX.

Dez jovens, todos com 14 anos de idade, foram os responsáveis pelo nascimento do Schalke 04 - então Westfalia Schalke. Nesse ano de 1904, a grande maioria desses rapazes estava como aprendiz de mineiro (Knappe, em alemão) na “Consol” (diminutivo da fábrica).

Por isso, ainda hoje, clube e adeptos são conhecidos como os “Die Knappen”. 

Ostracizados pelos miúdos do lado ocidental, o grupo inscreveu-se na federação oriental, dominada pela classe trabalhadora. O apoio da “Zeche Consol” continuou a crescer e em 1927 cedeu o terreno e ajudou na construção do primeiro estádio do Schalke, a “Kampfbahn Glückauf”.  

A lenda de Kuzorra

Essa foi a paragem seguinte. Na visita ao recinto, aberto ao público, o zerozero confirmou o estrelato da primeira grande figura do clube de Gelsenkirchen. Ernst Kuzorra. Seis vezes campeão alemão, entre 1934 e 1942, capitaneou o Schalke durante 25 anos e foi o primeiro internacional alemão do clube. 

Kuzorra, pois claro, era trabalhador na mina de carvão onde, ainda hoje, se sente o batimento cardíaco dos “Knappen”. 

A história desses tempos não se apagou. Num olhar atento ao símbolo do Schalke 04 sobressai rapidamente a fugura do martelo que abraça a sigla “S04”. E antes de cada jogo, os 60 mil que hoje peregrinam até à Arena AufSchalke entoam o “Steigerlied” - a música dos mineiros.  

O Schalke 04 pertence às minas de carvão; e vice-versa. É o orgulho operário do bairro que lhe deu a «mão» antes de se tornar uma referência global na região e no país.

Por isso, esta quarta-feira, quando a seleção portuguesa pisar o relvado do recinto do Schalke, na memória de muitos poderá ainda ressoar o barulho de martelos labutadores e máquinas a vapor incessantes.

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