Do sabão azul com açúcar à Disneylândia

2 meses atrás 39

os festivais, muito deles, são uma excelente oportunidade para os espetadores encherem as suas redes sociais, chegando muitos dos presentes a não verem nenhum concerto.

A importância dos festivais de música é evidente, tanto para a cultura, como para o turismo, como para as finanças. Nesta edição, Álvaro Covões dá ainda outros dados curiosos: no NOS Alive, de 2022, oito por cento dos portugueses presentes na assistência nunca tinham ido à região de Lisboa: “Como é possível num país deste tamanho haver jovens de idade adulta que nunca tinha vindo a Lisboa, Cascais ou Oeiras?”, interroga-se. Em relação ao tempo de estadia dos espetadores estrangeiros, revela que os festivaleiros ficam, em média, cinco ou mais dias, ao contrário dos outros turistas, que andarão pelos 2,3 dias em média. Covões insurge-se contra a política das borlas e diz não perceber a razão de as pessoas não quererem comprar bilhete, já que quando vão a um restaurante também não esperam que a refeição seja gratuita. 

Mas os festivais, muito deles, são uma excelente oportunidade para os espetadores encherem as suas redes sociais, chegando muitos dos presentes a não verem nenhum concerto, pois preferem estar a falar de tudo e mais alguma coisa, e a tirar fotografias, do que a absorverem as atuações das suas supostas  bandas preferidas. Então nas zonas Vip a história é levada ao absurdo, reconhecendo, no entanto, que muitos aproveitam para fazer negócios na ocasião. Já a maioria está ali como se estivesse numa qualquer festa do croquete.

Longe vão os tempos do primeiro festival que vi, Vilar de Mouros, em 1982, onde todos os que lá estavam sabiam porque estavam: queriam ouvir as suas bandas preferidas e usufruírem da liberdade que uma pacata vila do Norte do país proporcionava. Recordo-me que as condições eram paupérrimas, a água dos chuveiros caia a conta gotas, só havia praticamente um restaurante que servia frango assado e pouco mais, sendo necessário pagar primeiro e se a sede apertasse era necessário voltar à entrada para pagar mais uma bebida. Recordo-me que jantei ao lado de Johnny Copeland, nome sagrado do blues, e que no concerto dos U2 muitos pensaram que Bono iria cair do cimo das colunas, tal elas abanavam. Ah! Carlos do Carmo cantou a Pedra Filosofal e foi preciso António Vitorino d’Almeida ir impor algum respeito à rapaziada mais roqueira que começou por o vaiar para acabar a aplaudi-lo. Naquela altura, os punks usavam sabão azul e açúcar para fazer as famosas cristas punks. Os tempos eram outros, mas havia mais liberdade e o marketing ainda ficava à porta. Agora, os festivais, muitos deles, fazem lembrar uma Disneylândia para graúdos e menos graúdos, onde quase tudo é proibido.

Ler artigo completo