Economista chefe da UBS não prevê descida dos juros pelo BCE antes de junho “lamentavelmente”

7 meses atrás 81

O economista-chefe do UBS antecipa que o BCE só deverá começar a baixar taxas de juro um ou dois meses depois da Fed. Porque a tomada de decisão no BCE, sob a batuta de Christine Lagarde, é mais lenta. O BCE só deverá iniciar a descida de juros em junho ou julho. Paulo Donovan alertou para a pouca credibilidade dos dados oficiais que suportam as decisões dos bancos centrais.

Paul Donovan,  Chief Economist of UBS Global Wealth Management, num pequeno-almoço no escritório de Lisboa, disse que a Reserva Federal deverá iniciar a descida das taxas de juro diretoras em maio, mas que o BCE não o deverá fazer antes de junho ou julho. Um “delay” de tempo, na reação à descida da inflação, que o economista britânico considera desnecessário. Mas que se justifica com a estrutura do BCE, composta por 22 governadores e pela liderança de Christine Lagarde, que é menos assertiva do que a que foi a de Mario Draghi.

O BCE, disse, atrasou-se na subida dos juros e agora vai atrasar-se na descida.

Para o economista esse atraso na descida dos juros, por parte do BCE face à Fed, não terá um impacto “catastrófico” na economia, porque são apenas alguns meses, mesmo a nível do malparado dos bancos (NPL) não se antevê uma degradação. Até porque se estará a falar de 25 pontos base durante uns meses, referiu Donovan.

“Os bancos centrais querem manter as taxas de juro estáveis, ajustadas à inflação real”, disse o economista.

Numa longa dissertação sobre a economia global, Paul Donovan começou por criticar os dados oficiais que raramente reflectem a realidade. Para reforçar a teoria, deu o seu exemplo que tendo quatros “empregos” – economista chefe da gestora de patrimónios do UBS, professor universitário, agricultor e escritor, só é reconhecido pelos dados oficiais como economista do banco.

“A economia muda mais rapidamente que a estatística”, disse o economista do banco suíço.

Isso é particularmente relevante porque as decisões de política monetária dos bancos centrais se baseiam em dados oficiais que cada vez mais estão desfasados da realidade. Os dados oficiais não são fiáveis, frisou o economista.

O economista do UBS antevê, para este ano, uma aterragem suave da economia (soft landing). A economia global inicia a descida final rumo a uma aterragem suave, com a inflação a diminuir de forma constante e o crescimento a manter-se.  Uma aterragem suave é o objectivo de um banco central quando procura aumentar as taxas de juro apenas o suficiente para impedir o sobreaquecimento de uma economia e a ocorrência de uma inflação elevada, sem causar uma recessão grave.

Paul Donovan explica que essa previsão é baseada na manutenção do poder de compra da classe média, em termos de rendimentos, que é quem tem um papel significativo no consumo. O mercado de trabalho continua forte. O consumo mantem-se estável.

O economista diz que a inflação real é inferior à que os gabinetes de estatísticas calculam. Logo, a classe média tem mais dinheiro do que o esperado. “A inflação oficial é baseada num conto de fadas”, ironizou.

Sobre a inflação, Paul Donovan identifica quatro causas para a sua subida, que por azar aconteceram sucessivamente. Tudo começou com uma inflação temporária, pós-pandemia, em 2021, quando as pessoas começaram a sair à rua e foram consumir desenfreadamente, sem que a oferta conseguisse acompanhar. Mas depois veio a guerra na Ucrânia que criou uma inflação, fruto da subida dos preços da energia (devido sobretudo à subida do preço do gás vindo da Rússia, provocada pelas sanções impostas ao país de leste pelo Ocidente).

Mas a energia já não é o driver da inflação.

A terceira vaga da inflação é controversa, diz o economista, referindo-se às  margens de lucro das empresas, nomeadamente no retalho e na restauração.  Mas o economista acredita que haverá uma rebelião dos consumidores, ajudada pelo que chama de “social media”, que levará os retalhistas e os restaurantes a não terem alternativa se não baixarem os preços.

Tudo para concluir que a inflação (também na zona euro) vai cair para entre 2% a 2,5%, se não mais baixa ainda, “a não ser que alguma catástrofe aconteça que impacte no preço da energia; o que não é, para já, previsível”, disse Paul Donovan.

Questionado sobre que evento poderá fazer disparar os preços da energia, Donovan respondeu com a escalada do conflito no Médio Oriente envolvendo o Irão, o que iria travar o fornecimento de petróleo. “Isso será um problema”, sublinhou.

Um problema para a economia seria o barril do Brent atingir os 120 dólares, mas a estimativa do UBS assenta no barril de petróleo entre 80 e os 85 dólares este ano. “A este nível não vemos um problema no preço da energia”, sublinhou.

Esta quarta-feira realiza-se a primeira reunião de 2024 do Comité de Política Monetária da Fed. “Não é expetável que a Reserva Federal altere a sua política”, defende  a UBS, devido aos dados da atividade económica e do mercado de trabalho nos EUA serem ainda fortes.

Sobre o impacto da inversão do ciclo da subida dos juros nos mercados, o economista da UBS disse que “assim que a Fed aliviar a pressão, os mercados vão acompanhar, porque vão considerar que o BCE também o fará”.

“O mercado obrigacionista incorporará muito rapidamente a ideia de que o BCE vai baixar as taxas”, defendeu Donovan.

Num recente podcast, o  mesmo economista disse que “as subidas das taxas de juro da Fed não abrandaram visivelmente o crescimento do crédito ao consumo, nem aumentaram o desemprego (felizmente)”.

“As subidas das taxas de juro da Fed poderão, muito marginalmente, ter ajudado à erosão da inflação induzida pelos lucros”, disse o economista  no mesmo podcast.

“A inflação nos EUA abrandou de 8,1% ao ano para 3,4% ao ano porque era natural que abrandasse. A inflação nos EUA irá abrandar ainda mais em 2024, porque a ficção da renda equivalente dos proprietários irá naturalmente abrandar. Foram necessárias algumas subidas das taxas de juro da Fed, mas as subidas posteriores tiveram provavelmente pouco efeito na inflação (embora tenham tido impacto na desigualdade)”, acrescentou.

E agora? “A Fed não quer aumentar as taxas de juro reais, o que contribuiria para agravar os erros políticos do passado. Espera-se que a Fed baixe as taxas de juro à medida que a inflação desce (provavelmente com um desfasamento, o que implica um corte em maio)”, acrescentou o economista.

“É pouco provável que o Presidente da Reserva Federal, Powell (que não é economista), peça desculpa por erros políticos do passado. O presidente da Reserva Federal poderá tentar assumir o crédito não merecido pelo rápido abrandamento da inflação nos EUA”, referiu Donovan no podcast.

Portugal, Alemanha e França apresentam os números preliminares da inflação dos preços no consumidor em janeiro. Os preços das importações alemãs em dezembro caíram mais do que o esperado, e o indicador UK BRS (British Retail Consortium) que mede a inflação do retalho no Reino Unido abrandou significativamente. “Esta situação pode indiciar riscos de abrandamento. As vendas a retalho na Alemanha foram fracas mas, como é óbvio (tratando-se da Alemanha), os dados do mês anterior foram revistos em alta”, referiu.

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