Efeitos inflacionistas ensombram proposta do 15º mês, alertam fiscalistas

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Confederação Empresarial de Portugal volta à carga com a proposta do pagamento do 15º salário isento de IRS. Fiscalistas ouvidos pelo JE aplaudem a medida mas há quem alerte para possíveis efeitos inflacionistas.

Do risco de efeitos inflacionistas a uma medida com benefícios “efetivos” para trabalhadores e empresas, os fiscalistas ouvidos pelo JE divergem em parte relativamente à medida que a CIP – Confederação Empresarial de Portugal se prepara para voltar a pedir que seja permitido em sede de OE2025: o pagamento do 15º salário isento de IRS. Recorde-se que a medida acabou por ser desvirtuada pela interpretação da Autoridade Tributária (AT).

Na anterior legislatura, a CIP propôs que os empregadores pudessem pagar um 15.º mês de salário isento de impostos, ou seja, o pagamento voluntário pelas empresas do 15.º mês, até ao limite do salário base auferido pelo trabalhador, sem incidência de IRS e exclusão da base de incidência contributiva em sede de Segurança Social.

Recorde-se que esta medida acabou por ser adotada pelo Governo anterior para o OE2024 mas o fisco englobou este acréscimo para efeitos do cálculo da taxa de IRS a pagar, quando os “patrões” sugeriam uma medida com neutralidade fiscal efetiva.

Possíveis “efeitos inflacionistas”

Rogério Fernandes Ferreira, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e sócio fundador do escritório RFF Advogados, destaca que já este é um tema já conhecido por parte da CIP e discutido há algum tempo: “Parece-me uma forma útil de aumentar os rendimentos disponíveis”, sublinhou ao JE.

No entanto, e apesar dos elogios, este fiscalista e ex-governante deixa algumas reservas: “Não obstante, pode ter alguns efeitos inflacionistas e em termos de comparações internacionais e de perceções de rendimentos e custos associados é discrepante com o que se passa lá fora, onde se recebe doze ou treze meses por ano (e não quinze)”.

No entender deste fiscalista, “seria útil também os trabalhadores percecionarem  o esforço financeiro de quem paga, o que se consegue melhor com doze meses e principalmente em folhas salariais com custos associados, como se faz em França por exemplo (salário, retenção e contribuição de segurança social, seguro, passe)”.

Efeitos inflacionistas? “Em teoria, sim”

João Espanha, advogado especializado em Direito Fiscal da Broseta e fundador da Espanha & Associados, também considera, em declarações ao JE, que a medida pode ter efeitos inflacionistas, pelo menos em teoria: “Em teoria, sim. Mais dinheiro no bolso leva a mais propensão para o consumo, aumento da procura e consequente aumento de preços. Mas como o impacto efetivo desta medida será, a meu ver, residual, na prática será irrelevante em termos macroeconómicos”.

Para este especialista, a “oportunidade é evidente”: “Melhorar os rendimentos dos trabalhadores com menos esforço financeiro. Por regra, as gratificações de balanço, dado o seu carácter não regular e até arbitrário, não são sujeitas a contribuições para a segurança social (nem para o empregador nem para o trabalhador), mas a isenção de IRS permite que, com o mesmo encargo por parte da empresa (que pode levar estes prémios a custo dedutível em sede de IRC verificadas certas condições), o trabalhador saia com mais dinheiro no bolso”.

“O risco será duplo: do ponto de vista da AT/da receita fiscal, a empresa desviar parte dos prémios “normais” para este tipo de bónus – o que me parece improvável, pois as empresas em causa terão já aumentado os trabalhadores em 5% para cumprimento da condição legal. Do ponto de vista económico, parece-me uma medida pró-cíclica, pois vai permitir às empresas já estabelecidas e com lucro competir, na atração de força de trabalho, com empresas em início de vida ou em dificuldades”, destaca.

Apesar das vantagens da medida, João Espanha considera que a mesma seria “mais um remendo” que carece de eficácia “seja a que nível for”. Para este advogado, “uma redução geral e transversal do IRS seria muito melhor do ponto de vista da política fiscal e até das contas públicas (a perda no IRS seria seguramente compensada com aumento de receita no IVA, pois a maior parte dos portugueses nem pode pensar em poupar), mas teria verdadeiro e, sobretudo, incerto impacto nas contas públicas”.

Benefícios “efetivos” para trabalhadores e empresas

Samuel Fernandes de Almeida, managing partner da MFA Legal, considera que não existem riscos nesta proposta da CIP e que a mesma, tal como delineada pela Confederação Empresarial de Portugal, pode traduzir-se em benefícios “efetivos” para trabalhadores e empresas.

“Não há aqui propriamente riscos. O que a CIP propõe – com base no modelo e proposta do atual Governo de conceder um bónus de produtividade isento até seis salários mínimos nacionais – é que o mesmo seja efetivamente isento de contribuições para a Segurança Social e para efeitos de IRS”, começou por referir o fiscalista ao JE.

Sobre a forma como a Autoridade Tributária adotou a proposta da CIP no OE2024, Samuel Fernandes de Almeida explicou que “apesar de isentar o rendimento, o mesmo releva para efeitos de apuramento da taxa (portanto acresce aos demais rendimentos tributáveis podendo no limite conduzir a uma subida do escalão de IRS), como releva para efeitos da retenção na fonte no mês em que o 15º salário é pago. O efeito aqui pode ser parcialmente compensado com a nova tabela de retenções na fonte.

“No atual modelo para 2024, há um benefício fiscal mitigado em termos técnicos por via da possível alteração de escalão e acréscimo de tributação sobre os demais rendimentos. A CIP pretende uma isenção pura, com benefícios efetivos para trabalhadores e a empresa”, realça.

Sobre a possibilidade levantada por Rogério Fernandes Ferreira relativamente a possíveis efeitos inflacionistas provocados pela adoção desta medida, Samuel Fernandes de Almeida rejeita essa leitura: “Tenho algumas dúvidas, pois o crescimento económico será mais reduzido e as perspetivas em alguns dos nossos parceiros não são as mais animadoras, nomeadamente na Alemanha. Neste momento a inflação parece controlada, sendo expectável nova redução da taxa diretora por parte do BCE”, sublinha.

Do ponto de vista fiscal, o managing partner da MFA Legal considera que “seria imperioso travar e reduzir o garrote fiscal sobre a classe média e as empresas”. No entanto, este fiscalista teme que “a discussão não vá muito além da taxa de IRC e o IRS Jovem” quando se exigia uma série de reformas, na qual deveria estar incluída uma reforma do sistema fiscal. “A conjuntura política e económica é bastante adversa, seja pela ausência de maioria estável no Parlamento, seja por força de constrangimentos orçamentais com forte pressão do lado da despesa”, concluiu.

“Mais dinheiro no bolso de quem trabalha”

Luís Leon, fiscalista e co-fundador da ILYA, destaca ao JE que “esta é a mesma proposta que já tinham feito e que o PS transformou numa distribuição de lucros desde que todos os trabalhadores tenham aumentos de 5%”.

“A questão central é que, por cada 100 euro brutos, a empresa gasta 123,75 e o trabalhador receberá no máximo 89 (se não pagar IRS) e pode receber até menos de 50 (na taxa de 50,5%). Ou seja, quem mais ganha com os aumentos salariais é a receita do Estado. A proposta da CIP visa que 100% de uma parte da remuneração vá para o bolso de quem trabalha”, explicou este especialista.

Ao JE, Luís Leon considera que esta “é a proposta possível no contexto das contas públicas atuais e que permite colocar mais dinheiro no bolso de quem trabalha”.

Questionado sobre as prioridades fiscais para o próximo OE, Luís Leon tem grande dificuldade em perceber o motivo pelo qual o PS está a resistir a mudanças no IRC e questiona mesmo o compromisso das forças políticas que sustentam o atual Governo: “O IRC foi considerado, durante a Troika, estrutural pelo PS e PSD. Algo que é estrutural não pode estar dependente do tacticismo político. Por isso faz pouco sentido, em minha opinião, que o PS trace uma linha vermelha com o IRC. Relembro que durante a Troika houve um acordo entre Passos Coelho e António José Seguro para a reforma do IRC e que tinha uma redução gradual das taxas. Foi colocado na lei. Foi António Costa que rasgou o acordo para ser PM com o apoio do BE e PCP”, salientou.

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