Engenharia portuguesa no Espaço: a história do satélite do Técnico

2 meses atrás 49

Aquilo que já se garantiu foi a aprendizagem de todos os aspectos técnicos (e não só) necessários para colocar um satélite em órbita. Parte deste conhecimento “ficou” no Técnico, através dos seus professores e investigadores, e será passado aos próximos alunos que queiram envolver-se em projectos “hands-on” para o espaço.

Depois de anos de desenvolvimento, o Ariane 6, novo lançador europeu, terá o seu voo inaugural no dia 9 de julho. Esta data será importante para Portugal: pela terceira vez na história, será lançado um satélite português – o ISTSat-1. E será particularmente importante para os cerca de 50 alunos, professores, investigadores, e técnicos do Instituto Superior Técnico que contribuíram para a concepção, fabrico, integração, e teste deste nanosatélite.

A ideia de desenvolver um satélite universitário começou a formar-se em 2008, no seguimento da construção de uma estação de rastreio de satélites no polo de Oeiras do Técnico. Uma das primeiras missões desta estação foi o seguimento de um pequeno satélite feito por alunos da Universidade de Delft. Foi por esta altura que os professores Moisés Piedade e Rui Rocha, irredutíveis defensores do ensino da engenharia com base em projectos práticos, se perguntaram: se eles conseguem fazer um satélite, porque não haveremos nós de conseguir? Assim se iniciou o projecto que viria a dar origem ao ISTSat-1.

Nos anos que se seguiram, estudaram-se vários satélites de outras universidades de forma a compreender os principais desafios do seu desenvolvimento. Lançaram-se também as primeiras teses de mestrado com vista à concepção da arquitectura do ISTSat-1 e dos seus vários sistemas. Começaram a estudar-se opções para financiar o lançamento, um dos principais custos do projecto, e assinaram-se protocolos de colaboração com algumas empresas portuguesas, no sentido de facilitar a construção e teste do satélite. Entre 2008 e 2017, o ISTSat-1 foi tomando forma.

Em 2017 surgiu a oportunidade que a equipa procurava: a Agência Espacial Europeia (ESA), através do seu departamento de educação, lançou o programa “Fly Your Satellite!”, destinado a apoiar estudantes universitários a construir, testar, e lançar os seus satélites. A ESA comprometia-se a providenciar suporte técnico por parte dos seus engenheiros, a disponibilizar as suas infraestruturas de teste, e a financiar o lançamento. O Técnico foi uma das 13 universidades concorrentes e uma das 6 escolhidas. Esta escolha deveu-se principalmente a dois factores. Primeiro, a maturidade técnica do projecto, que já contava com alguns anos de evolução. Segundo, e talvez mais importante, o enorme retorno educacional da abordagem de desenvolvimento: se a opção mais habitual é a compra “off-the-shelf” da maioria dos componentes de um pequeno satélite, a equipa do Técnico decidiu desenvolver quase todo o sistema de raiz.

Com a entrada no programa da ESA, o projecto acelerou significativamente. Passou a haver uma cronologia bem definida para finalizar os detalhes do conceito, para construir todas as peças, para as testar individualmente, para as integrar e para testar o conjunto. Depois de dois anos de discussões intensas, mas produtivas, a ESA considerou concluído o projecto de engenharia do ISTSat-1. Começou então a produção dos componentes de voo. Apesar de nem todos os protocolos iniciais terem sido efectivados, a equipa contou com o apoio de algumas empresas e institutos nacionais e, principalmente, com um enorme apoio por parte do Técnico, do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores – Investigação e Desenvolvimento (INESC-ID) e do Instituto de Telecomunicações (IT). Tendo todos os componentes fabricados, procedeu-se com a sua integração e teste. Foi nesta fase que a equipa mais sentiu os desafios, mas também as vantagens, de fazer tudo “em casa”: esta abordagem foi mais trabalhosa e exigiu muita coordenação, mas permitiu conhecer e controlar todos os detalhes do sistema sem depender de terceiros. Trouxe também algo absolutamente crucial num país sem experiência de desenvolvimento integral de satélites: aprendeu-se muito, muito mais.

Em Junho de 2023, depois de passar pelos exigentes testes de vibração e de ciclos térmicos em vácuo, feitos em instalações da ESA, na Bélgica, “fechou-se” o satélite. A partir deste ponto, estar-se-ia à espera da conclusão dos testes ao Ariane 6. A corrida passou então a ser outra: obter a licença de operação do satélite, emitida pela Autoridade Espacial. Este processo, que começou em 2019, concluiu-se no dia 25 de Março de 2024. No dia seguinte, o ISTSat-1 foi para Berlim, onde foi inserido na “catapulta” que o empurrará para órbita. No dia 31 de Maio, a “catapulta” foi integrada no Ariane 6 – a última vez que a equipa viu o satélite. Se tudo correr bem, o próximo contacto será feito por rádio, com o ISTSat-1 a 580 km de altitude e a orbitar a cerca de 28000 km/h.

O sucesso da missão do satélite- a demonstração em órbita de um descodificador de mensagens de aviões- está longe de estar garantido. Um lançamento inaugural acarreta sempre riscos maiores, e, mesmo que a inserção em órbita seja perfeita, há situações imprevistas que podem levar a falhas no satélite. Aquilo que já se garantiu foi a aprendizagem de todos os aspectos técnicos (e não só) necessáros para colocar um satélite em órbita. Parte deste conhecimento “ficou” no Técnico, através dos seus professores e investigadores, e será passado aos próximos alunos que queiram envolver-se em projectos “hands-on” para o espaço. Outra parte foi disseminada nas empresas: alguns alunos trabalham agora na indústria de espaço em Portugal, outros na mesma indústria lá fora, e outros ainda em indústrias totalmente diferentes. Independentemente das suas escolhas profissionais, a participação no ISTSat-1 trouxe-lhes experiências e conhecimento que não se obtém numa sala de aula. Só por isso, esta missão pode considerar-se um sucesso.

Investigador do Instituto Superior Técnico

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