ERC-3642, o ‘T-Rex’ da Blockchain

4 meses atrás 59

A tokenização da economia vem aí, a começar pelos serviços financeiros, cujo piloto já foi legislado e está prestes a começar. Será que a tecnologia já disponível na DeFi (finanças descentralizadas) é suficiente para que os reguladores possam aprovar a primeira licença?

Infelizmente, não é assim tão simples. É que a natureza da DeFi passa pela utilização de chaves criptográficas pseudoanónimas na execução de todas as transacções de direito, e tal não é compatível com as regras do combate ao branqueamento de capitais impostas pelos reguladores.

A solução comum encontrada hoje invariavelmente por todas as jurisdições que aceitam classificar os activos da DeFi como reservas de valor reconhecidas pela economia incumbente, é a existência de um guardião responsável pelos direitos associados aos token em causa. É uma abordagem agnóstica relativamente à tecnologia que desvirtua as propriedades relevantes da tokenização, pois a auto-execução de direitos deixa de ser possível. O que precisamos é de Smart Contract que incluam os requisitos da regulação. É esse o desafio e é aí que entra o T-Rex. Eu explico.

T-Rex quer dizer Token for Regulated Exchanges, ou seja, é uma arquitectura de Smart Contract concebida especificamente para a economia regulada. A ideia é incluir na auto-execução não-centralizada do código informático com todas as verificações requeridas pelos reguladores. Tal será extremamente valioso para os mesmos, uma vez que esses requisitos passam a ser verificados à partida em vez de termos de esperar pelas auditorias e relatórios à posteriori. Então em que ponto está o desenvolvimento de tal arquitectura?

Os Ethereum Request for Comments, ou ERC, já se tornaram uma tradição, pois, afinal, foi no Ethereum que apareceram os Smart Contract programáveis pelos utilizadores. Os primeiros token preparados para dar corpo aos títulos financeiros (em inglês, securities), conhecidos por security token, foram os ERC-1400 e ERC-1404. Porém, as suas características técnicas não lhes permitiram a aprovação de um standard na comunidade Ethereum. E é aqui que entra o T-Rex, uma implementação do ERC-3642, cuja aprovação final da mesma comunidade aconteceu em Dezembro de 2023.

O T-Rex está desenhado para executar transferências de direitos financeiros na forma de security token com base em identidades salvaguardadas na Blockchain. Tal como acima referido, é uma forma de gerir a identidade dos intervenientes diametralmente oposta à DeFi. O T-Rex conta com o ERC-734 para a gestão de identidades e o ERC-735 para a gestão das credenciais verificáveis. A sua auto-execução carece sempre de uma verificação de identidade e direitos, bastando para isso que a mesma seja aceite pelos reguladores. A pergunta é se a legislação actual o permite, dependendo naturalmente da jurisdição, e, se não for o caso, o que é preciso fazer para o permitir.

A vantagem dos ERC-734 e 735 é a memorização da identidade dos intervenientes e dos seus direitos em token dinâmicos na Blockchain, em vez de suportar ambos com a posse de chaves fora da mesma. Mas o mais interessante é que estes Smart Contract já estão desenhados de acordo com a identidade auto-soberana (SSI), também já aqui discutida. É uma forma de gerir os detalhes da identidade com total privacidade, uma vez que os dados privados são guardados fora da Blockchain apesar da sua verificação ser realizada na mesma. É uma das magias desta tecnologia tão inovadora. Mas até que ponto pode ser aceite pelos reguladores?

O que se está a passar em 2024 é a execução do T-Rex sob a responsabilidade de um qualquer guardião licenciado para o efeito, na tal abordagem tecnologicamente agnóstica. O problema é que a liquidação actual dos direitos tem de cumprir as regras do ecossistema vigente em todos os casos, o que limita extraordinariamente as suas vantagens.

Porém, se a regulação reconhecer o conteúdo destes token quanto (i) à identificação jurídica, (ii) às credenciais verificáveis, e (iii) ao processamento auto-executável das transacções, a economia já pode beneficiar da eficiência extraordinária da auto-execução, e das suas consequências positivas na infraestrutura que garante o cumprimento da lei, incluindo os serviços públicos e a regulação.

Curiosamente, a União Europeia (UE) está prestes a poder internalizar estes benefícios precisamente por estar a desenvolver as credenciais verificáveis aplicadas à identidade digital, a qual vai resolver o problema da identificação jurídica no mundo digital. É um tema que terá de ficar para um próximo artigo. Mas uma coisa é certa: a UE está no bom caminho e as soluções tecnológicas estão a aparecer.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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