Especialista em cibersegurança: quanto mais dados de íris a Worldcoin tiver, mais "apetecível" será para roubos

6 meses atrás 87

Gonçalo Costa Martins, Antena1

Apesar de a Comissão Nacional de Proteção de Dados estar a investigar a Worldcoin, este projeto continua a ser um chamariz de muitas pessoas interessadas em entrar no mercado das criptomoedas ou convertê-las em dinheiro.

Para trás, fica a preocupação com a necessária leitura da íris, feita através de esferas metálicas instaladas em 19 pontos no país, espalhados pela Área Metropolitana de Lisboa e do Porto, mas também em Guimarães, Braga e Aveiro.

 
Miguel Pupo Correia, professor do Instituto Superior Técnico na área de engenharia informática, aponta “problemas de privacidade” neste procedimento. Lembrando que computadores ou telemóveis já utilizam dados biométricos (a íris é um deles) para identificar os utilizadores, afirma que os dispositivos não guardam esses dados. Por regra, a Worldcoin garante também não o fazer com a íris. Depois de fotografadas por uma esfera (a Orb), são recolhidos elementos para gerar um código, esse sim guardado.

Na análise do professor universitário, esse código acaba por reunir elementos genéricos do olho. “A ideia é recolher uma quantidade de informação sem ser recolher todos os pontos possíveis da íris, sem ser uma fotografia completa”, afirma, assegurando que “não é uma representação 100% fiel, mas o suficiente para verificar se é efetivamente aquela pessoa”.

Em Portugal, 300 mil pessoas já se registaram. Nos 120 países onde está presente, são mais de quatro milhões. Miguel Pipo Correia diz não ser possível “garantir que não vão ser atacados e que a informação não vai ser roubada”. “Quanto mais utilizadores tiverem, mais apetecível vai ser a informação”, dando o exemplo de ser “mais apetecível roubar informação de metade da população mundial do que 5 mil pessoas”.

Reportagem na Antena1

Worldcoin assegura proteção dos dados

Perante os receios da privacidade e da ciberseguraça, o diretor europeu da Tools for Humanity, empresa que desenvolve o projeto Worldcoin, garante que os dados não são partilhados com terceiros e que estão protegidos. “Levamos muito a sério todo o tipo de informação que os nossos utilizadores partilham. Por isso é que cumprimos todas as proteções que se aplicam em termos de proteção de dados e de cibersegurança”, aponta Ricardo Macieira, explicando que testam a segurança dos sistemas em trabalhos com empresas externas.

“As nossas equipas estão constantemente a atualizar o nosso sistema para garantir que quaisquer dados que sejam partilhados estejam seguros”, sublinha. Outra questão levantada pelo especialista em cibersegurança Miguel Pupo Correia é a correspondência entre dados pessoais e dados biométricos. “Deviam mantê-los separados. É manter os dados de reconhecimento, neste caso os dados biométricos, associados apenas a um código, a um número aleatório, e depois guardar à parte os dados pessoais das pessoas”, como o nome e idade.

 
Questionado durante a conversa com a Antena 1 sobre se isto é feito, Ricardo Macieira não tinha essa informação presente, remetendo para uma divulgação posterior. Essa informação não foi disponibilizada até à publicação deste artigo. Salienta, no entanto, que as contas criadas podem ser anónimas.

 
Investigação da CNPD não abranda novos registos

De acordo com informação dada à agência Lusa, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) iniciou uma investigação à Worldcoin por iniciativa própria em 2023. Questionada pela Antena 1, a CNPD afirma que está a “analisar toda a informação recolhida”, depois de realizadas “várias diligências, incluindo junto das empresas envolvidas neste projeto”. A comissão “tornará pública a sua decisão assim que ela seja tomada” e sublinha urgência na ação “havendo recolha de dados de menores”.

Ricardo Macieira desconhece qualquer caso e diz que, quando a Worldcoin começou a operar em Portugal há dois anos, houve contactos com a CNPD. A entidade não confirmou esta informação à Antena 1. No entanto, deixa o aviso para as pessoas “ponderarem muito bem” e lerem a informação disponível “antes de consentirem no fornecimento dos seus dados biométricos”.

Estação do Oriente, Lisboa. Foto: Gonçalo Costa Martins

Na estação do Oriente, em Lisboa, forma-se fila para a leitura da íris nas esferas metálicas instaladas na banca do projeto. Nas últimas semanas, passou a ser obrigatório fazer agendamento, tal não é a procura. A aplicação da Worldcoin tem estado entre as mais descarregadas nas lojas de aplicações.

 
“É sempre bom ganhar dinheiro extra”, conta Elaísa Oliveira, uma das pessoas que espera para se registar. Há quem deixe passar algum tempo para ver se as moedas digitais valorizam, outros preferem levantar logo as criptomoedas recebidas no momento da leitura da íris e que podem valer 60 euros. Qual a ideia de Elaísa? “Era levantar o dinheiro mesmo”.

A ‘febre’ do projeto tem movimentado sobretudo a “classe pobre”, os que “precisam de dinheiro”, descreve à Antena 1 um homem que angaria clientes em vários centros comerciais e nos transportes públicos. Através de códigos, ele ganha um valor por cada novo utilizador que traz. “Tem muitas pessoas a fazê-lo neste momento porque a moeda está alta”, afirma outro angariador, que aceita gravar. “Explicamos a aplicação e fazemos o trabalho deles [que trabalham na banca]”, mostrando a existência de um negócio informal entre clientes que procuram receber recompensas pelos clientes que convencem a criar conta.

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