Europeias. A possível fusão à Direita

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A possibilidade de uma fusão dos dois partidos mais à direita poderá fazer tremer Bruxelas, já que passaria a ser o segundo maior partido europeu. Meloni é a peça decisiva.

A cerca de uma semana das eleições europeias, que definirão a constituição do Parlamento Europeu para os próximos cinco anos, há movimentações em curso à direita no sentido de alterar a conjuntura partidária e, assim, também a realidade do próprio jogo de forças.

A divisão do grupo mais à direita, o Identidade e Democracia (ID), poderá vir a ameaçar a hegemonia do ‘centrão’ – composto pelo Partido Popular Europeu, pelos Socialistas e pelos liberais do Renew –, com Giorgia Meloni, a primeira-ministra italiana, a desempenhar um papel decisivo.

O crescimento da direita mais conservadora e da própria extrema-direita é um fenómeno transversal a toda a Europa, que pode ser explicado, entre outras coisas, pela incapacidade dos governos centristas em apresentar respostas às necessidades populares num período desafiante em termos económicos e geopolíticos – ainda com feridas por sarar da pandemia e com dois conflitos armados em curso, um dos quais em solo europeu.

A francesa Marine Le Pen, fundadora do partido francês União Nacional, é uma das principais figuras da direita europeia mais conservadora, sendo alvo de ataques constantes quanto à sua alegada índole antidemocrática e xenófoba. Acusações que tanto os membros desta família política quanto os eleitores – uma vez analisadas as sondagens – acham descabidas.

Segundo a sondagem recente da Euronews, as projeções apontam para um aumento de assentos do ID – de 59 para 64 –, sendo o segundo grupo europeu que mais cresce, só atrás do ECR – os Conservadores e Reformistas. O PPE também aumentará a representação, com o grupo dos Verdes e dos Liberais a apresentar a queda mais pronunciada. Os socialistas diminuirão a bancada parlamentar de forma quase residual.

Assim, o grupo que integrará o Chega passará a ser o quarto maior partido, mas os acontecimentos recentes podem mudar o rumo da composição parlamentar.

A cisão no ID

Há pouco mais de uma semana, Marine Le Pen anunciou o corte de relações com o Alternativa para a Alemanha (AfD), partido da extrema-direita alemã, dada a índole extremista e intolerável, até para Le Pen. Os alemães são suspeitos de receber dinheiro da Rússia e da China e Maximilian Krah, eurodeputado do AfD, é alvo de duas investigações por parte do Ministério Público alemão.

A situação piorou após as declarações do cabeça de lista do AfD, ao afirmar que nem todos os membros das SS, a organização paramilitar hitleriana, devem ser considerados criminosos. A líder do União Nacional afirmou, citada pelo Le Monde, que «um movimento que caiu sob o domínio da sua franja mais radical já não me parece um aliado fiável e adequado».

Ainda assim, uma simples rotura, sem ir mais além – como Le Pen pretende –, poderá levantar inconvenientes para o ID. No final do ano passado Le Pen tinha declarado ao Le Monde: «É difícil vislumbrar uma estratégia europeia que ignore os alemães. É o elefante na sala».

Mas o caminho do grupo pode vir a ser feito de outra forma.

A fusão e o fator Meloni

A possibilidade de uma fusão dos dois partidos mais à direita no Parlamento Europeu é cada vez mais uma hipótese que não pode ser descartada. Tal aliança poderá fazer tremer Bruxelas: uma vez consumada, passaria a ser o segundo maior partido europeu, ultrapassando os liberais e os socialistas.

Le Pen, numa tentativa de ‘conquistar’ Meloni, disse, em entrevista ao jornal italiano Corriere della Sera: «É o momento de nos unirmos. Não podemos deixar escapar uma ocasião como esta», acrescentando que estão «de acordo nas questões essenciais».

É um cenário possível, sim, e até poderia chegar mais longe, havendo já alguns analistas a constatar que este eventual novo partido poderia até ser o mais forte caso houvesse movimentações da ala mais à direita do Partido Popular Europeu para a nova agremiação política. Tal situação afetaria ainda a escolha do novo presidente da Comissão Europeia que. Ursula Von der Leyen, que ao que tudo indica será reeleita, num cenário destes não deveria conseguir ter o apoio parlamentar necessário.

Esta eventual aliança poderia também afetar a possível ambição do ex-primeiro ministro português, António Costa, em chegar à presidência do Conselho Europeu. Mas trata-se de algo irrealista, uma vez que o PPE também ‘corteja’ a primeira-ministra italiana há algum tempo e aumentaria a pressão numa eventualidade destas. Von der Leyen tinha já acusado Marine Le Pen de ser um «boneco de Putin» e poderia colocar assim Meloni numa situação desconfortável após ter-se afirmado como europeísta e apoiante inequívoca da causa ucraniana.

As opiniões dividem-se quanto às opções de Meloni. Como disse o politólogo Nicolai Von Ondarza, citado pela Euronews, «Meloni vê-se perante duas mãos estendidas […] uma de Le Pen, outra de von der Leyen. Meloni só poderá pegar numa delas». Mas, Francesco Nicoli, também citado pela Euronews, acredita que «do ponto de vista político […] estas duas opções não estão necessariamente em contradição», já que «mesmo que criem um grupo conjunto, isso não significa que o grupo conjunto vá votar de forma coerente».

Posto isto, as eleições europeias prometem alterações no funcionamento do próprio Parlamento Europeu e um novo sistema de poder pode emergir em Bruxelas. Giorgia Meloni é o fator decisivo para a formação, ou não, de uma nova conjuntura parlamentar europeia.

O seu característico pragmatismo poderá levá-la a tentar obter o melhor dos dois mundos, tornando-a numa das figuras mais importantes na Europa. Numa entrevista à estação italiana Rai TV, e já depois das declarações de Le Pen, a líder do partido Fratelli d’Italia garante que o seu principal objetivo «é construir uma maioria alternativa aquela que tem governado nos últimos anos. Uma maioria de centro-direita que deixará a esquerda na oposição». Uma declaração que revela pragmatismo e jogo de cintura, já que utiliza a expressão «centro-direita», mas também diz que não tem linhas vermelhas quanto a novos aliados.

Caso consiga encontrar o equilíbrio ideal, será certamente uma das manobras recentes mais importantes no tabuleiro da política europeia.

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