A reunião da Comissão foi atribulada, tendo os trabalhos sido iniciados pelas 17h00 locais de segunda-feira e sido interrompidos várias vezes. O acordo só surgiu pelas 16h00 desta terça-feira, hora francesa (15h00 em Portugal).
O presidente Emmanuel Macron já prometera abandonar as alterações legislativas caso a CMP falhasse o acordo ou o texto saído dela fosse chumbado pelo Parlamento.
A adoção do texto levou a reações inflamadas da esquerda, a apelos ao seu chumbo no Parlamento para evitar "uma grave crise política" e à convocação de manifestações de estudantes e de juventudes partidárias, maioritariamente de esquerda, na praça des Invalides, ao fim do dia, em "resposta imediata e unitária".
A votação do acordo está prevista para as 19h00 no Senado e 21h30 no Parlamento [menos uma hora em Lisboa]. A aprovação no Senado está praticamente garantida, a dos deputados poderá reservar surpresas apesar da direita e da extrema-direita já terem confirmado que irão votar a favor.
O Eliseu convocou uma reunião extraordinária do seu grupo parlamentar antes da votação, para colmatar eventuais dissensões. Duas dezenas de deputados do Renaissance, de Macron, anunciaram o voto contra um acordo e contra um "discurso que amalgama estrangeiro com perigo".
Vitória "ideológica"
Quase todas as medidas incluídas no texto do acordo saído da CMP foram propostas originalmente pelos representantes da direita e da extrema-direita, que disputam agora os louros da conquista.
Marine Le Pen, do Rassemblement national, saudou "uma vitória ideológica, por ter ficado inscrita agora nesta lei a 'prioridade nacional'", expressão usada há décadas pela extrema-direita francesa.
"Hoje, são os Republicanos que, graças ao seu trabalho, graças às suas ideias, impõem este texto", afirmou por seu turno à imprensa Eric Ciotti, presidente do partido Les Republicains, de cariz liberal e conservador que tem vindo a adotar linhas mais duras para com a imigração.
A esquerda francesa indignou-se com a nova legislação, que dizem romper com princípios universais sagrados ao introduzir uma discriminação com base na nacionalidade.
"Há uma nova maioria de facto quanto à questão migratória, que é uma maioria de extrema-direita", afirmou o secretário-geral do Partido Socialista, Olivier Faure, lamentando o apoio eleitoral dado anteriormente a Emmanuel Macron.
O ecologista Benjamin Lucas denunciou igualmente uma "vitória ideológica importante" da extrema-direita, que colocou em perigo o "juramento humanista" feito aos franceses e acusando o executivo de ter "cedido em toda a linha".
Também os comunistas denunciaram a preferência de Macron em "negociar com a direita e a extrema-direita". O texto constitui "um tombo na legislatura, na história da nossa República e dos seus valores fundamentais", estimou Fabien Roussel, secretário-geral do PCF.
Executivo defende-se
Sob a chuva de críticas da esquerda, que classificou o acordo "um grande momento de desonra" para o executivo, a primeira-ministra Elisabeth Borne, negou que a legislação seja uma "amálgama" das posições do executivo e da extrema-direita.
"Nós combatemo-la", afirmou. "A extrema-direita é a rejeição dos estrangeiros por princípio", referiu, "é a preferência nacional". "Nós acreditamos na integração através do trabalho", acrescentou ainda, defendendo a "eficácia" do projeto-lei "conforme aos valores republicanos".
"Esta legislação irá tornar o nosso sistema mais eficiente, porque irá simplificar drasticamente os nossos processos para processar pedidos de asilo e porque irá tornar possível expulsar mais rapidamente estrangeiros criminosos ou radicalizados", sublinhou Borne no Parlamento.
O texto aprovado em sede de CMP resultou da necessidade de compromisso do executivo do presidente Emmanuel Macron com os conservadores, depois de ter visto o seu projeto, mais suave, chumbado pela Assembleia Nacional na semana passada.
O partido do presidente está contudo profundamente dividido perante a nova legislação e o sucesso com o acordo obtido esta terça-feira poderá vir a custar caro a Macron, que dispõe de apenas uma maioria relativa no Parlamento.
"Xenofobia descomplexada"
O primeiro projeto-lei avançado pelo executivo pretendia ser um misto de "pau e cenoura", que iria facilitar aos migrantes com contrato de trabalho obter autorizações de residência ao mesmo tempo que facilitava a expulsão de ilegais.
A legislação agora saída da Comissão Mista Paritária é contudo muito diferente da inicial. No Senado, dominado pelo centro-direita e pela extrema-direita, as alíneas foram-se tornando progressivamente mais repressivas. O texto acordado esta terça-feira corresponde em 90 por cento a estas propostas.
"É uma verdadeira viragem, que vai permitir reduzir as entradas e aumentar as partidas", celebrou Bruno Retailleau, líder do grupo parlamentar dos republicanos e um dos grandes promotores da nova legislação.
"Pela primeira vez desde há muito tempo, a França outorga-se os meios de recuperação do controlo da sua política migratória. Resta agora ao governo aplicar a lei com todo o rigor", acrescentou.
O acordo foi deplorado por mais de meia centena de ONG, associações e sindicatos, incluindo a Liga dos Direitos Humanos, num comunicado comum.
Consideraram "nem mais nem menos o projeto-lei mais retrógrado desde, pelo menos, os últimos 40 anos, para os direitos e condições de vida das pessoas estrangeiras, incluindo as presentes desde há muito tempo em França".
O texto saído da CMP não passa de "xenofobia descomplexada", acusaram.
O que inclui o projeto-lei